A última lembrança

Hoje vou pensar em você pela última vez. Vou olhar sua foto uma última vez e mesmo sabendo que isso talvez me doa um pouco, vou me forçar a lembrar do castanho bem claro dos seus olhos tímidos, quando a luz do final da tarde batia neles. Vou me forçar a lembrar do jeito que o seu cabelo ficava quando a gente se abraçava e da sua risada leve depois de falar alguma besteira.

Eu sei, talvez isso me faça lembrar do seu beijo. Mas como hoje é o último dia, darei liberdade a esse pensamento.

Ouvirei a música que você me mandou na primeira vez que nos afastamos. Só então irei ler as notícias. Prepararei um chá e verei o fantástico filme que você sempre disse pra eu ver, e que eu sempre inventei as piores desculpas, pra desculpar esse meu constante esquecimento.

Vou ler sobre o país pra onde você pretende se mudar. Ouvi dizer que é bastante frio lá. E se talvez isso me fizer lembrar dos nossos corpos ligeiramente contorcidos no dia em que nos beijamos pela primeira vez, tudo bem: algumas coisas eu não vou conseguir esquecer e acredito que essa seja uma delas.

Por fim vou agarrar com força esse medo sobre o futuro que me consome por inteiro. Vou falar umas verdades pra ele. Talvez seja útil que eu lhe fale em alto e bom som o que ando sussurrando às suas costas. Mas vou senti-lo. Vou chorar o meu pior choro. E só então, irei dormir.

Preciso fazer isso porque os últimos dias não foram fáceis, de modo que me peguei questionando se os dias tem mesmo as tais vinte e quatro horas que tanto falam por aí. As vezes parece ter bem mais. Ontem fechei a janela do meu quarto pra não ver que lá fora o Sol já havia se posto, o dia havia ido embora e eu ainda não havia acordado. Eu cobri os espelhos todos lá de casa pra não ver que aqui dentro o Sol havia se posto, o dia havia acabado e eu ainda não tinha acordado. Eu não olhei nos seus olhos e não vi que aí dentro o Sol já havia partido e o dia passado e você permanecia acordada.

Mas hoje eu sei.