Aline

Aline amava intensidade. Gostava de filmes sobre amor, mas se entediava com livros de qualquer tamanho. Gostava da liberdade de poder abrir uma garrafa de vinho no meio da semana, mesmo que tivesse que acordar cedo no dia seguinte. Pagava seus boletos sempre em dia e gostava de ter suas coisas todas no lugar. Se incomodava com incertezas e imprevisibilidades, e sobretudo, tinha medo de ficar sozinha... Não gostava de estar só quando apagava a luz antes de dormir.

Da primeira vez que a encontrei eu sequer esperava que ia terminar em sua cama no fim da noite. Mas tudo bem, era normal que eu não percebesse certas coisas bem na minha frente.

Naquele tempo não havia nada de muito especial acontecendo na minha vida. Apesar de andar cheio de lamentos sobre o meu tédio diário, eu não fazia nada pra mudar o estado das coisas. Encontrá-la foi uma mudança saudável de rotina. Pelo menos de início.

Engraçado como o tempo clareia as coisas, nos permitindo olhar pra o passado de uma perspectiva diferente. As vezes penso em como estaríamos se eu tivesse feito as coisas de forma diferente. Mas tenho que respeitar a percepção que eu tinha na época. Enfim. O fato é que hoje ela anda por um lado e eu por outro. Sem que nos olhemos nos olhos há um bom tempo.

Se eu sinto falta? Não vou negar que sinto.

Do calor. Da intensidade. De segurar a mão dela e de beijá-la depois de apagar a luz. Mas e daí? Não faz a mínima diferença quando eu sei que ela está cagando e andando pra mim ou pra a possibilidade que eu ainda possa sentir falta dela.

Não... essa não é uma narrativa sobre um cara arrependido de uma traição ou algo parecido. Eu só estou colocando no papel alguns pensamentos e sensações que ainda tenho sobre um relacionamento que sequer virou um relacionamento. Muito por inabilidade de percebermos um o lado do outro. E talvez por precipitação e cansaço existencial da parte dela. E Aline é o tipo de mulher que dificilmente volta atrás depois de alguma decisão. Mesmo que ela saiba que esteja errada nisso. Certas pessoas são fiéis até aos próprios erros. Mas eu não a julgo por isso.

Enfim.

Talvez eu precise passar um pouco de contexto, em vez de ficar jogando palavras e pensamentos soltos que no fundo não dizem muito sobre o acontecido. Me perdoem pela prolixidade...

“É coisa de geminiano...” Ela sempre falava, já conformada com minha incapacidade de ir direto ao ponto.

Talvez seja mesmo.

Quando nos conhecemos, ela tinha acabado de sair de um relacionamento que tinha durado quase uns três anos. Eu estava solteiro há uns cinco.

Eu estava sozinho sentado numa mesa, em um bar quase vazio. Aline entrou fumando um cigarro, pegou uma garrafa de cerveja no balcão e se sentou numa mesa do lado da minha. Encheu o copo e ficou bebendo e fumando sem dizer uma palavra.

Eu estava tentando ler um livro, mas um bar, mesmo que vazio não é o melhor lugar pra isso.

E por que eu estava num bar tentando ler? Simplesmente porque eu não aguentava mais ficar em casa encarando as paredes.

Derrotado pela minha incapacidade de me concentrar eu larguei o livro de lado – On the road – Jack Kerouac - E voltei a me concentrar na minha cerveja.

Aline olhou pra mim e sorriu.

- Que tipo de cara traz um livro pra ler num bar? – Ela perguntou, me pegando de surpresa.

Fiquei olhando pra ela sem saber exatamente o que responder e Aline continuou.

- O livro pelo menos é bom?

- É sim. Apesar de ser meio caótico. As vezes é difícil de se concentrar na narrativa.

- Eu não gosto muito de livros assim.

- É. Não é pra todo mundo.

Aline sorriu, pegou a garrafa e trouxe pra minha mesa.

- Se incomoda?

- Não... De forma alguma.

- Então ok. Meu nome é Aline. E o seu?

- Rômulo.

- Diferente.

- É. Não tem muitos por aí.

- Isso é bom.

Aline acendeu outro cigarro e me ofereceu um.

- Não fumo. – Respondi.

- Faz bem. Dá impotência.

- É. Não vale o risco.

Ela riu. Eu ri. Parecia bom.

- Nunca vi você por aqui – falei. – e eu costumo vir muito a esse bar.

- Realmente, eu nunca tinha vindo aqui.

- Está esperando alguém?

Ela me olhou seriamente, como se estivesse incomodada com minha pergunta.

- Não. Uma mulher não pode beber sozinha num bar? Tem que estar esperando alguém?

- Não... não tem nada demais. – respondi sem jeito.

Aline caiu na risada com meu desconcertamento.

- Estou brincando, menino. Tá tudo bem.

- Eu tenho uma certa dificuldade em perceber esse tipo de coisa.

- Tô vendo.

Tomei mais um gole de cerveja e fiquei olhando pra ela, tentando de alguma forma ter algum sinal do que ela estaria pensando. Mas é claro que eu não consegui nada além de me perder em seus olhos profundamente escuros e fazer com que ela me olhasse de volta com a mesma intensidade.

- Eu acabei de sair de um relacionamento – Ela falou, quebrando o silêncio. – Ainda estou naquela fase de não saber o que fazer com a vida.

- Sinto muito – falei, quase como num suspiro.

- Não sinta. Estou muito melhor assim. Apesar de tudo e do tempo perdido.

- Quanto tempo?

- Quase três anos.

- É um bocado.

- Sim. Ainda mais quando eu tive que praticamente me tornar outra pessoa pra manter o relacionamento em pé. Tive que engolir muitos sapos, perdoar traições e mentiras... me diminuir, me calar, me castrar...

- Não sei nem o que dizer... Mas ainda bem que você saiu disso.

- É. Demorou mas eu saí. Pena que demorei pra ver onde eu estava metida. E agora eu mal consigo lembrar quando tudo começou a dar errado.

- Com o tempo você vai poder olhar pra isso sem o peso da dor, e talvez fique mais fácil de perceber.

- É verdade. Foda que no começo era tudo muito bom. Sobretudo o sexo. Mas depois vieram as brigas. E mesmo no auge das brigas o sexo estava presente.

- Acho que aí é que está parte do erro.

Aline deu um último trago no cigarro e apagou a ponta na mesa de madeira. Depois ficou me olhando como se tentasse entender onde eu queria chegar.

- Como assim? – Perguntou.

- Não se deve misturar certas coisas. Sexo e brigas são duas delas.

- Por que? – Ela perguntou antes de tomar um gole de cerveja.

- Então. Nosso cérebro é como um noiado... um dependente químico.

Aline quase se engasgou com a cerveja depois de ouvir o que eu tinha acabado de dizer. Deixou o copo sobre a mesa e enxugou os olhos cheios de lágrimas pelo engasgo.

- Nunca ouvi nada assim. – Falou depois de se recuperar.

- Mas é sério. Nosso cérebro se acostuma muito rápido com sensações intensas. Com coisas boas. Mesmo que isso nos faça mal. É por isso que nos viciamos tanto em drogas quanto em comportamentos ruins. Você acha que um viciado não sabe que o vício faz mal pra a vida dele? Todos sabem muito bem... mas a compulsão é maior. A mesma coisa é com o sexo... sexo é sempre melhor quando vem carregado de emoção. E nada como uma briga pra deixar nossos nervos a flor da pele. Então transar depois de uma briga termina nos viciando nisso. Chega num ponto onde algumas pessoas caçam ativamente brigas só pra foder com força depois.

- Você fala disso com muita propriedade.

- É porque eu já caí nesse erro algumas vezes.

- Bem... é de se pensar. Realmente faz sentido. Mas de qualquer forma ele era um escroto do caralho... transava bem pra cacete, mas era um filho da puta... escorpiano, sabe... E com você falando isso tudo eu percebo que se não fosse o sexo, não teria durado tanto tempo.

- Não se julgue por isso. Não somos máquinas. No fim das contas somos animais, e o tesão muitas vezes ganha da razão.

Aline riu e tomou mais um gole de cerveja.

- Ainda não transei com ninguém desde que me separei. – Ela falou num tom sério.

- Quanto tempo?

- Dois meses.

- Normal.

- E você?

- Eu o que?

- Há quanto tempo você não transa?

Aline me olhou diretamente nos olhos enquanto eu tentava puxar pela memória a última vez que eu tinha estado com uma mulher.

- Tem uns quatro meses.

- Sério?

- É. Ando meio desanimado com essas coisas.

- Por que?

- Vontade eu tenho. Mas tô cansado da burocracia.

- Te entendo bem. Não tenho paciência pra essas coisas. Quando eu quero algo eu simplesmente vou direto ao ponto. Mas as pessoas não são bem assim.

- Não são mesmo... – Falei quase num sussurro.

Aline me olhou fundo nos olhos, se aproximou e me deu um beijo na boca. Depois se afastou lentamente sem desviar o olhar.

- O que foi isso? – perguntei surpreso.

- Dois meses é muito tempo. Tô me livrando da burocracia.

Dessa vez eu me aproximei e retribuí o beijo.

Quando nos afastamos, Aline fez sinal pro garçom e quando ele chegou perto ela falou.

- Traz outra cerveja e as contas.

Quando o garçom virou as costas ela sorriu e murmurou.

- Eu moro aqui pertinho. Se quiser, tem bastante espaço na minha cama...

Se alguém me perguntasse quando foi que me apaixonei por Aline, acho que eu responderia que foi nesse momento. Não lembro de ter visto algum sorriso tão maravilhoso e espontâneo quanto aquele até hoje.

Talvez por isso eu sinta tanta falta dela sempre que abro uma cerveja. No mesmo bar. Na mesma mesa. Com o mesmo livro do lado, que nunca consegui terminar de ler.

.......

2

O meu amor nunca foi pouco. Acho que só sei viver em excesso. Nunca aprendi a regrar a minha intensidade. Mesmo no começo.

E era difícil disfarçar meu encantamento, enquanto ela tirava a roupa bem na minha frente.

Aline se aproximou e me empurrou na cama. Preso no fundo do oceano dos olhos dela, eu achei que ia me afogar. E me perguntei se eu deveria manter os olhos abertos enquanto ela me puxava cada vez mais pro fundo... Completamente absorvido, eu ainda respirava, mas todo o ar tinha o cheiro dela. Me senti completamente fora de controle enquanto ela me arrastava por toda aquela insanidade. E segui, completamente entregue, por toda a extensão do prazer dela. Do começo ao fim. Entre cada respiração e cada gemido, cada gesto, cada suspiro e cada gota de suor que ela arrancava da minha pele...

Assim foi a primeira vez que estive com ela debaixo dos lençóis. Os detalhes me faltam à memória. Apesar das sensações ainda me serem muito presentes.

Depois de ter arrancado tudo o que podia de mim, Aline se virou de lado e acendeu um cigarro.

Ela não disse nada. Eu também não.

Me pergunto até hoje o que passava pela cabeça dela. Talvez estivesse fazendo comparações entre o presente e o passado. Talvez estivesse genuinamente apenas apreciando o momento. Eu nunca vou saber a reposta. Não que isso faça alguma diferença agora.

Aline se levantou, deixou o cigarro sobre o cinzeiro e andou até o banheiro.

Ouvi o barulho do chuveiro ligando logo depois.

Tomei um gole da cerveja que tínhamos aberto logo que chegamos. Estava quente, e minha boca continuou seca depois do gole. Eu precisava de água.

Quando Aline voltou, enrolada numa toalha, ela estava sorrindo.

- Que cara é essa? – Ela perguntou.

- Nada. Só estou com um pouco de sede.

- Pode pegar água na geladeira. Não precisa ter vergonha.

- Tá certo.

Andei até a cozinha e bebi dois copos antes de fechar a geladeira.

Aline veio logo atrás, com outro cigarro aceso. Ela fumava bastante, pelo que pude perceber.

- Quer café?

- Não... Acho que vou continuar na cerveja.

- Depois do sexo eu gosto sempre de um café. Esquenta tudo por dentro.

Fiquei olhando enquanto ela enchia a cafeteira de pó de café, e a caneca com açúcar.

- Você gostou? – Perguntei, sem saber ao certo por que havia perguntado.

- Do que? Do sexo?

- Sim.

- Foi ótimo. No ponto.

- Bom.

- O que foi? – Ela perguntou intrigada.

- Nada. Besteira.

Ela botou a cafeteira no fogo e me deu um beijo nos lábios.

- Você pode dormir aqui se quiser. Está tarde pra voltar pra casa.

- Se não for incomodar, eu aceito.

- Se fosse um incômodo eu não tinha proposto. – Ela falou com um sorriso. – Eu não gosto de dormir sozinha. Ainda estou me acostumando.

Aline pegou uma lata de cerveja na geladeira e me entregou.

Eu peguei a lata e andei até o quarto pra encher o meu copo.

Me sentei na cama e tomei um gole.

Aline voltou com uma caneca de café. Ela bebeu em silêncio, se olhando no espelho. Quando terminou, se pôs a enxugar os cabelos. Quando estava pronta, vestiu uma calcinha, apagou a luz do quarto e deitou-se do meu lado.

Não consegui não me perder na visão do corpo dela, esparramada na cama, iluminada apenas pela luz fraca do abajur. Ela sorriu e esticou a mão para me puxar pra perto. Terminei a cerveja e me deitei ao lado dela. Entrelaçamos os dedos das mãos, e eu não pude evitar em imaginar se nos veríamos de novo ou não depois que eu fosse embora.

Aline apagou o abajur e se aconchegou no meu peito.

Fechei os olhos e deixei um pouco o futuro de lado para aproveitar o que o presente tinha me reservado.

3

Deus ama todos igualmente? Nunca acreditei nisso. E o mundo está aí pra provar o contrário. Aline não acreditava no conceito de Deus e não tinha paciência pra religião. Ela era muito prática pra perder tempo com coisas abstratas. Não era muito de falar sobre sentimentos. E demonstrava afeto com ações, muito mais do que com palavras. Percebi com o pouco que a tinha conhecido que Aline tinha perdido a crença em muitas coisas. Principalmente na boa intenção das pessoas. O mundo estava cheio de segundas intenções, segundo ela... Cicatrizes... Coisa que demora pra fechar.

Enfim. Partindo do princípio que Deus não ama todos da mesma maneira, fica mais fácil de entender por que algumas pessoas tem uma vida tão mais simples do que os outros. Tem gente que tem sorte de achar o que procura logo de cara. E outros ficam se arrastando pela vida, como eu me arrastava. Sem saber onde chegar. Ou como Aline. Ferida demais pra aproveitar verdadeiramente qualquer prazer da vida, sem esperar uma rasteira a cada esquina.

Nos vimos mais umas tantas vezes até ela começar a ficar distante. Eu não sabia exatamente o que estava acontecendo, mas tinha um palpite. Resolvi deixar as coisas fluírem. Mesmo que fluíssem pra longe de mim.

Quando eu já imaginava que ela não voltaria mais, Aline bateu na minha porta, no meio da madrugada.

Dei de cara com ela cheia de lágrimas nos olhos.

Abri a porta e ela se abraçou a mim e começou a chorar.

Chorava à ponto de soluçar.

Percebi que ela tinha bebido... talvez bem além da conta.

A trouxe pra dentro e a sentei na minha cama. Quando enfim ela se acalmou eu perguntei.

- O que aconteceu, meu amor?

- Ele casou.

- Ele quem?

- Meu ex-namorado.

- Como foi isso? – Perguntei espantado.

- E foi com a biscate que ele me traía...

- Quando você soube?

- Hoje no começo da noite.

Aline deitou a cabeça no meu colo e voltou a chorar.

- Sinto muito, Aline. – Falei.

Quando conseguiu conter as lágrimas, ela sentou-se na cama e eu me levantei. Fui a cozinha e voltei com um copo de água gelada.

Ela tomou um gole e sussurrou.

- Obrigada.

Fiquei olhando enquanto ela bebia. Eu não sabia o que dizer naquele momento. Então resolvi ficar calado.

- Ele nunca quis casar comigo. Dizia que era besteira... Convenção social. Mas e agora... não tem nem seis meses que nos separamos... Eu não queria estar sentindo isso, mas tudo o que eu tenho aqui dentro de mim é raiva e ódio... Raiva de mim mesma por ter sido tão idiota... e é tanto que eu sinto como se eu fosse sufocar.

- Eu não vou fingir que sei como você está se sentindo. Mas estou aqui pro que você precisar.

- Só preciso de um lugar pra ficar essa noite. Não quero voltar pra minha casa.

- Tudo bem. Pode ficar aqui.

- Não vou incomodar?

- Não.

- Me desculpa.

- Pelo que?

- Eu sei que eu sumi. E não te dei muitas explicações sobre isso.

- Tudo bem. Não precisa falar sobre isso agora.

Aline deixou o copo de lado e me deu um abraço.

- Você pode tomar um banho se quiser. – falei.

- Estou precisando. – Ela disse, com um sorriso amarelo no rosto.

Peguei uma toalha e uma camisa minha e entreguei a ela.

Aline tomou um banho e voltou vestida apenas com minha camisa e uma calcinha. Se deitou no canto da cama e ficou encolhida, com a cabeça sobre o travesseiro.

Apaguei a luz e me deitei do lado dela.

Não demorei a dormir.

Quando acordei ela tinha ido embora. Minha camisa estava dobrada sobre a cama e tinha um bilhete do lado.

Dizia apenas

“Obrigada.”

Amassei o bilhete, joguei no chão e tentei voltar a dormir.

4

Acordei numa manhã me sentindo excepcionalmente sozinho. Olhei o horário no celular e encarei também a presente data. 31 de dezembro. Raramente eu me sentia bem em fins de ano. Mas nunca tinha passado um tão solitário quanto o que imaginava que passaria naquele dia. Simplesmente eu não tinha lugar algum pra ir, e tinha decidido que dormiria e esperaria janeiro chegar... Seria como uma noite qualquer. Essa era a teoria pelo menos. Na prática eu já me sentia mal antes mesmo de levantar da cama.

Fiquei um tempo ainda esperando a coragem pra me por de pé. Liguei o computador, botei música pra tocar, fui até o banheiro e tomei um banho. Escovei os dentes e procurei alguma coisa pra comer. Já era quase meio dia.

Quando voltei pro quarto, percebi o celular tocando.

Olhei o número. Era Aline.

Ela tinha sumido de novo. Dessa vez por quase dois meses. Mesmo assim atendi.

- Alô.

- Oi. Tudo bem? – Ela falou.

- Tudo ok. E com você?

- Tô melhor.

- Que bom.

- Você está ocupado hoje de tarde?

- Não.

- Posso passar aí?

- Pode sim – Falei quase sem pensar.

- Tá. Te ligo quando estiver chegando.

- Certo.

Ela desligou e eu fiquei encarando o telefone, sem entender muito bem o que ela queria.

Me questionei porque eu permitia que aquele tipo de coisa acontecesse. Não parecia uma decisão muito sensata da minha parte. Apesar de tudo, eu sentia falta dela.

Aline chegou no meio da tarde.

Abri a porta e ela me olhou com um sorriso no rosto.

- Que cara é essa? – Ela perguntou antes mesmo de entrar.

- Não dormi muito bem – Menti.

Deixei que ela entrasse e fechei a porta atrás de mim.

- Quais os planos pra hoje de noite?

- Dormir.

- Sério?

- Sim.

- Isso é muito triste.

- Um pouco. Talvez.

Ela me deu um abraço e me beijou nos lábios.

- Eu estava sentindo falta desse seu jeito sério.

- Pensei que você já estivesse em outra.

- Eu estava organizando algumas coisas na minha cabeça.

- Entendo. – Falei sem conseguir disfarçar minha contrariedade.

Aline se afastou um pouco, me pegou pela mão e me puxou até o meu quarto.

Fui atrás dela sem questionar.

Parei na porta e Aline se sentou na minha cama e ficou me olhando. Pensei que ela iria argumentar alguma coisa. Mas ela se manteve calada. Então tirou a blusa que estava vestindo e abriu um sorriso.

Eu tinha muitas coisas pra lhe dizer... e uma infinidade de queixas, mas eu não tinha contra-argumentos pra aquilo.

Me aproximei e me sentei do lado dela. Aline me beijou e depois se deitou de barriga pra cima. Soltou o sutiã com um movimento rápido e expôs os seios.

Minha derrota era completa.

Deitei sobre ela e me deixei ser carregado pra onde quer que ela quisesse me levar.

5

No último movimento que eu fiz, Aline gemeu e cravou as unhas nas minhas costas. A sincronia foi perfeita. Desmanchei por cima do seu corpo, pingando de suor. E ela me abraçou, também ofegante. Quando recuperei o ar, virei de lado e falei.

- Feliz ano novo.

Ela caiu no riso e entrelaçou os dedos de nossas mãos.

- Me desculpa, tá? Por ser como eu sou.

- Eu gosto da maior parte do que você é. Só me incomoda a incerteza.

- Você sabe que não te posso dar muitas certezas né? Minha vida está uma bagunça completa.

- Tudo bem.

- É só isso que você tem pra dizer?

- Não. Mas quem sou eu pra cobrar alguma coisa de você.

- É verdade. Não gosto de ninguém me cobrando nada. Mas eu sei que a inconstância te incomoda. Vou tentar mudar isso.

- Certo. – Falei, me levantando da cama.

Fui até a cozinha voltei com dois copos de água. Entreguei um pra Aline e me sentei no chão do quarto.

- Onde você vai passar a virada? – perguntei.

- Vou passar na praia, com o pessoal do trabalho.

Terminei de beber a água e encostei o copo num canto.

Percebi que havia algo de errado com Aline, pelo silêncio que se seguiu.

- Entendo. Parece bom.

Ela tirou uma carteira de cigarros do bolso da calça que estava jogada no chão e acendeu um.

- Vê. Estes dias eu fiquei com um cara do trabalho. Mas não é nada sério. Nem curto muito. Foi algo que aconteceu. Ele vai estar lá hoje. Mesmo assim eu queria que você fosse comigo. Não acho legal você ficar aqui sozinho.

Me encostei na janela e observei Aline tragando a fumaça do cigarro.

Fiquei calado, tentando digerir as palavras que ela havia me dito.

- E aí? – Ela insistiu.

- Não acho que seria muito bom ver você ficando com outro cara.

- Eu não vou ficar com ele. Vou pra ver o pessoal do trabalho. Na verdade, hoje não vou ficar com ninguém lá. Vou só ver os fogos e beber com meus amigos. Mas gostaria que você viesse.

- Bem. Vou pensar um pouco sobre isso. – Falei. – Vou tomar um banho agora. Estou pingando de suor.

- Tá certo. – Ela disse, depois de soltar um pouco de fumaça pra cima.

Fui até o banheiro e liguei o chuveiro. Fiquei observando a água caindo por um tempo, antes de me molhar. Foi então que percebi Aline se aproximando. Ela entrou debaixo da água e me puxou pra perto. Nos beijamos e ela virou de costas e me colocou pra dentro. Era realmente difícil argumentar com ela.

Se aquilo era até onde a derrota iria. Eu não fazia mais questão de ganhar.

6.

Quando os fogos estouraram, eu olhei para o céu e vi as luzes faiscando junto as estrelas. Eu estava com os pés dentro d’água, e com um copo de cerveja nas mãos. Várias pessoas se abraçavam ao meu redor. Mas eu estava só. Pensando em como seria a vida dali em diante. Olhei pra trás e percebi o colega de Aline a puxando pelas mãos e a beijando.

Doeu menos do que eu imaginei que fosse doer.

Voltei a olhar para o céu. Os fogos ainda queimavam. As pessoas ainda sorriam e ainda se abraçavam e o mar ainda quebrava em pequenas ondas na areia bem na minha frente.

Pensei em andar em direção as ondas e afundar. Talvez a água me lavasse das coisas que eu queria deixar no passado e me trouxesse algo de novo. Me contentei em esvaziar a cerveja e voltar pra a faixa de areia. Aline já havia se desvencilhado do colega, veio até mim e me abraçou.

- Feliz ano novo. – Ela disse, visivelmente constrangida.

- Feliz ano novo. – Falei.

Ela encheu o meu copo com um pouco de cerveja da lata que tinha nas mãos e eu tomei um gole.

- Preciso ir no banheiro, falei.

- A fila tá enorme.

- Não tem problema. Eu espero.

- Tá certo.

- Onde você vai dormir hoje? – Perguntei.

- Vou com o pessoal do trabalho pra casa de um amigo.

- Tá certo. Já volto. – Falei me afastando dela.

Fui andando na direção de onde ficavam os banheiros químicos, mas logo que cheguei, resolvi atravessar a rua e procurar um taxi e ir pra casa.

Havia cerveja na geladeira. Parecia uma boa ideia beber até esquecer tudo o que vinha me acontecendo.

7

Aline me ligou no dia 2.

Não atendi das primeiras vezes. Mas ela insistiu.

Quando finalmente atendi, ela falou, com uma voz rouca.

- Oi, tudo bem?

- Tudo ok.

- Tem certeza?

- O que você quer?

- Sei lá. Quero saber como você está.

- Eu já disse.

- Eu sei que é mentira.

- Então você já sabe como estou.

- Tá. Foi mal. Eu fiz merda. Me desculpa.

- Tá certo. Tá desculpada.

- De verdade pô. Você tá falando isso da boca pra fora.

- Pois é.

- Posso ir aí?

- Tudo bem.

Desliguei o telefone e me enfiei debaixo dos lençóis.

Aline chegou em menos de uma hora.

Me levantei e abri a porta.

Ela entrou e parou no meio da sala.

- Olha. Eu não vou nem tentar me justificar. Eu sei que tô errada. Era pra eu ter ficado com você lá. Na verdade era pra termos ficado por aqui mesmo. Teria sido melhor... Eu realmente não sei o que estou fazendo com minha vida.

- Eu sei bem o que é isso.

- O que?

- Não saber o que fazer com a própria vida.

- Então. Eu acho que não estou no melhor momento pra ter um lance casual, ou mesmo algo sério. Mas eu gosto de estar com você.

- Acho que acontece a mesma coisa comigo.

- Então. O que fazemos?

Procurei as palavras pra responder dentro de mim, e mantive os meus olhos presos no chão. Com medo que o olhar dela me roubasse a capacidade de falar.

- Acho que nós devemos resolver isso antes de qualquer coisa.

- E como fazemos isso?

- Sozinhos. – Falei, finalmente olhando nos olhos dela.

Aline percebeu imediatamente o que eu quis dizer. Pude ver uma lágrima escorrendo de um dos seus olhos. Mas prontamente a enxugou com uma mão. Ela não disse mais nada. Passou por mim e desapareceu pelas escadas. Fechei a porta de mim logo depois que parei de ouvir seus passos.

Passei um bom tempo me arrependendo de ter a deixado ir embora. Tanto que ainda penso o que poderia acontecido com nossas vidas se tivéssemos feito escolhas diferentes, ou se ela soubesse hoje, que eu faria tudo diferente.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 20/03/2021
Reeditado em 29/03/2021
Código do texto: T7211626
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