Um Anjo Me Salvou

-Eu quero morrer doutor. De nada adianta me encher de medicamentos, não adianta conversar, não adianta nenhum argumento. Eu não suporto mais viver, não suporto conviver com esta dor que está dentro de mim. É muito pesado para qualquer ser humano suportar. Eu já tentei muito, mas eu não consigo sair deste labirinto em que estou. Eu vou me suicidar.

-Clarice, eu vou lhe pedir só mais uma coisa. Você promete que faz?

-Não sei se posso prometer. Nem sei o que é.

-Eu quero que você faça aulas de natação.

-Que coisa mais sem propósito. Quem disse que quero aprender a nadar? Só se for pra eu me afogar na piscina. Eu já sei nadar.

-A natação faz um grande bem para o corpo e para a mente. Eu quero que você faça aulas na Academia Vitta Corpus.

-Está bem. Eu vou fazer a sua vontade. Depois você me deixa em paz?

-Vou fazer um encaminhamento para você.

Eu sai do consultório do psiquiatra e fui caminhando sem rumo. Acabei na tal academia. Fiz minha inscrição e marquei para começar dois dias depois.

Eu sempre tive depressão, desde a minha adolescência. É uma depressão endógena e eu já havia feito tratamento com psicólogos e psiquiatras. Resolvi muitos traumas e passei um tempo bem. Agora estava com trinta e cinco anos, tinha um bom emprego, tinha uma vida estável, mas a depressão estava piorando de um tempo pra cá. Eu era sozinha. Não tinha mais meus pais, meus dois irmãos moravam em outras cidades. Muitos amigos tentavam me ajudar, mas nada fazia eu me sentir melhor. Nem o apoio dos amigos nem os medicamentos, nem o psiquiatra. Estava afastada do trabalho há seis meses. Eu só pensava em me matar. Muitas vezes, quando vinha o surto, para não cometer o suicídio eu saia de casa e ficava horas sentada na calçada onde eu não tinha nenhuma arma letal ao meu alcance.

Naquela cidade pequena, todos me conheciam e sabiam da minha situação. Quando me viam caminhando pela rua ou sentada na calçada logo se aproximavam e ficavam conversando e me distraindo até eu ficar bem pra poder voltar pra casa. Era um alento pra mim.

Esta maldita depressão sempre arruinou minha vida. Eu quase não saia de casa, exceto para trabalhar e muitas vezes nem trabalhar eu conseguia. Tive apenas dois namorados que me deixaram porque não aguentaram a barra.

A vida de uma pessoa que sofre de depressão não é fácil. As pessoas não levam a sério esta doença e acham que é fricote ou que é fingimento. Só quem passa por isto sabe o quanto é difícil. É como se o mundo todo estivesse contra mim, é como se toda a dor e tristeza do mundo tivesse se alojado em meu coração e em minha mente. E por mais que eu tentasse reagir eu só me afundava mais neste mundo de dor e sofrimento. E eu só pensava em morrer. Talvez por causa dos medicamentos, do psiquiatra que era como um pai pra mim e por causa da fé que eu ainda tinha em Deus, eu nunca consumei o suicídio. Toda vez que minha mente me empurrava para uma corda no pescoço, para um tiro na cabeça, para um corte profundo nos pulsos ou outra coisa qualquer, eu corria para a rua e ficava ali até que passasse aquele surto.

Agora eu resolvi seguir a orientação médica e tentar fazer natação.

No dia marcado eu cheguei na academia e fui até as piscinas. Chegando lá eu fui recebida por Fábio, proprietário da academia que muitas vezes ministrava as aulas.

-Bom dia! Você é Clarice, não é?

Ele disse um bom dia! com tamanho entusiasmo e com um sorriso tão largo que eu me senti até envergonhada por toda aquela tristeza que eu carregava no semblante.

-Bom dia! Sim eu sou Clarice.

-Seja bem vinda à nossa família, minha querida.

Com uma recepção desta ninguém pode ficar tão mal como estou, eu pensei.

-Obrigada! Eu deixei o encaminhamento do médico.

-Sim. Eu já li. Bem, a aula começa dentro de dez minutos. Os vestiários estão logo ali. E eu estou lhe esperando pra gente começar. Quero ver um sorriso neste rosto lindo. A vida é bela, minha cara.

Eu sorri sem graça e fui me preparar para a aula.

Ele era uma pessoa encantadora. Era comunicativo, alegre e dele exalava vida por todos os poros. Estava sempre com um astral altíssimo e colocava todo mundo pra cima.

Surpreendentemente eu me senti muito bem naquela aula e quando terminou eu fiquei até chateada. Depois da aula ele me chamou e conversou comigo por um tempo. Saí dali muito melhor que entrei.

Ao contrário do que pensava que aconteceria eu estava animada para a próxima aula.

Cheguei para a segunda aula e ele me recebeu com a mesma alegria e simpatia. A aula foi uma maravilha e eu me sentia um pouco melhor. Novamente ele conversou comigo e tentava levantar meu astral.

Nos próximos dias eu estava sempre ansiosa pelas aulas. Ele tinha o dom de deixar as pessoas bem. Era como se emanasse dele uma força de vida.

Comecei a procurar saber sobre ele e sobre outras pessoas que tinham depressão e faziam aulas ali.

Ele era um homem de trinta e poucos anos, era casado e tinha cinco filhos, sua esposa também era jovem. Tinham se casado muito jovens e eram muito apaixonados. Tinham uma vida feliz e se davam muito bem.

Ouvi histórias de várias pessoas que estavam ali por causa de depressão. Fazendo natação ou alguma outra atividade física. E estavam melhorando muito.

Soube que ele ministrava também aulas de tênis e perguntei a ele se me faria bem.

Sem acreditar no que estava acontecendo eu me matriculei nas aulas de tênis. Ali também ele era a pessoa mais agradável do mundo.Tinha toda a paciência com quem começava do zero como eu. E ele sempre tinha uma palavra de alento e de força.

Um dia ele me disse que ninguém poderia me ajudar se eu não quisesse ser ajudada, mas se eu quisesse, eu poderia sair da situação em que me encontrava. Era só eu aprender a me amar, a amar o mundo, a vida e confiar em Deus.

Perguntei a ele como eu poderia fazer isto e ele só me disse: Pergunte ao seu coração.

Três meses depois de começar as aulas ali naquela academia, eu não me reconhecia. Raras vezes eu pensava em suicídio, já conseguia sorrir, já conseguia conviver com as pessoas. O meu psiquiatra estava feliz com e resultado.

Em uma das aulas eu falei pro Fábio que ele estava me ajudando muito e que eu me sentia melhor. Ele sorriu aquele sorriso largo e lindo e disse:

-Eu só estou lhe mostrando que a vida é linda e que vale a pena viver. O resto é você que está fazendo por si mesma e eu fico feliz por você estar encontrando o caminho.

Eu sorri como não sorria há anos. Ele disse:

-Aí, menina. O mundo agradece o seu sorriso. Sorria, viva, ame. Nascemos neste mundo pra ser feliz.

Nos próximos dias eu liguei para uma amiga e a chamei para sair pra gente conversar.

Estava aos poucos voltando a conviver, a viver.

Seis meses depois de começar as aulas eu pedi ao meu psiquiatra alta pra eu voltar a trabalhar.

Aos poucos ia retornando à minha rotina.

Um tempo depois conheci um cara que me deixou encantada. Começamos a sair e eu me sentia muito bem.

Um ano depois minha depressão estava estabilizada e eu estava fazendo uso apenas dos medicamentos indispensáveis que eu sabia que jamais poderia ficar sem eles.. Estava namorando e apaixonada. Estava muito bem no trabalho e no convívio social. Não pensava em suicídio. Eu sabia que jamais ficaria curada da depressão e que teria que viver um dia de cada vez e cada dia eu teria que encontrar motivos em mim mesma pra me sentir bem.

Aquele anjo que encontrei naquela academia foi decisivo para a minha melhora. Acho que ele recebeu um dom de Deus para levar alento às pessoas, para levar alegria e bem estar a quem convivesse com ele. Ele tinha em si vida e alegria para espalhar para quem se aproximasse dele.

Sei que devo a ele a minha vida e a minha melhora.

Continuei com minhas aulas de natação e tênis. Estava cada vez melhor. Aprendi a valorizar minha vida e ser feliz. Aquela depressão não me dominaria mais pois eu aprendi a lidar com ela.

Três anos depois minha vida tinha mudado completamente. Jamais imaginei que estaria ali tão bem e tão cheia de vida.

Uma noite eu estava em casa com meu namorado. Tínhamos preparado um jantar e estávamos rindo, conversando e brincando. O celular dele tocou. Ele ouviu o que falavam e ficou muito sério, sem graça, pálido. Ele desligou e eu perguntei se tinha acontecido alguma coisa.

Ele me disse que sim, que acontecera algo muito triste.

Eu estava aflita e perguntei se alguém tinha morrido. E ele disse que sim. Eu perguntei se era um de meus irmão. Ele disse:

-Não foi um de seus irmãos.

-Quem foi então?

-Foi o Fábio.

-O Fábio, da academia?

-Sim.

Eu me desesperei, chorava, não conseguia acreditar.

-O que aconteceu com ele? O que aconteceu com aquele anjo?

-Um acidente de carro.

Eu estava tão triste que se não fosse meu namorado eu não teria aguentado. Fábio era pra mim como um anjo bom. Eu não sabia como lidar com aquela perda.

No dia seguinte fui até o velório e pedi à esposa dele para dar meu testemunho. Para falar sobre aquele ser iluminado que estava ali inerte, sem vida, sem sorriso.

Ela estava destruída. Seus filhos estavam numa tristeza sem fim. O velório estava mais triste que todos os outros. Por que, meu Deus? Por que uma pessoa como ele tinha que morrer tão jovem?

Eu dei meu testemunho de tudo o que ele fez por mim, do poço sem fundo que ele me tirou. Acho que não teve uma pessoa ali que não chorou de emoção.

No final de meu testemunho a esposa dele me abraçou e me disse:

-Eu conheço a sua história e lhe peço, em memória dele, mantenha-se firme. Ele não gostaria de ver você voltar para o fundo do poço de onde ele lhe tirou. Você já aprendeu a andar com suas pernas, não deixe que esta perda lhe quebre as pernas. Siga em frente, sempre pensando em tudo que ele fez por você.

Eu chorava como uma criança, ela também.

Eu vivi meu luto por uma perda tão dolorosa, mas eu não voltei para o fundo do poço.

Eu devo minha vida àquele anjo de luz que Deus colocou aqui na terra e tão cedo chamou de volta pra junto Dele.

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 30/11/2021
Código do texto: T7397253
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