O Casamento

Ele saiu batendo a porta.

Embora tantas vezes eu o tenha odiado, tantas vezes meu coração tenha sangrado e as mágoas estivessem acumuladas, as lágrimas rolaram por minha face.

Como em um filme, a nossa vida passou por minha mente. Desde que o conheci.

A atração e a paixão entre nós foi imediata.

Estávamos nos devorando com os olhos e quando iniciou uma música lenta ele, num gesto romântico e gentil, me chamou para dançar.

Ele sussurrava palavras lindas em meu ouvido e aquele contato com seu corpo me deixava alucinada.

Ali começamos a namorar.

Nosso namoro era um encantamento. Estávamos juntos todo tempo que tínhamos livre.

Aos vinte oito anos eu fui conhecer um amor que valia a pena.

Dois anos depois nos casamos.

Estávamos sempre juntos, fazíamos tudo juntos, se um não podia o outro abria mão.

Na cama, era só prazer e entrosamento. Dias e noites de volúpia, luxúria.

Quando discordávamos de alguma coisa sempre chegávamos a um consenso

Quando brigávamos por algum motivo, a reconciliação era intensa e apaixonada.

Mas o tempo foi passando e a falta de diálogo foi minando o relacionamento.

Brigávamos. Silêncio.

Ofendíamos um ao outro. Silêncio.

Mágoas. Silêncio.

Insatisfação. Silêncio.

Falta de intimidade. Silêncio.

Falta de reciprocidade. Silêncio.

O coração sangrava, os ressentimentos se acumulavam. Silêncio.

De repente já não havia mais espaço para o amor. Só para o orgulho, para as palavras cortantes, para a mágoa e ressentimento..

Silenciosamente matamos tudo de bom que existia entre nós.

A vida passou a ser de gestos e atitudes automáticos. Até os momentos mais íntimos que eram tão prazerosos passaram a ser uma automática rotina sem carinho, sem vontade.

Com o tempo só restou desafeto, tristeza, desencanto, desamor.

Ele saiu batendo a porta.

E as pessoas vão dizer: “Separaram assim de repente. Eram tão apaixonados.”

Não.

Separamos cada vez que o orgulho venceu o amor e não demos o braço a torcer.

Cada vez que dormimos na mesma cama sem ao menos dizer boa noite.

Cada vez que fomos dormir com o coração cheio de mágoas sem a reconciliação.

Cada vez que não dissemos um ao outro o que estávamos sentindo.

Cada vez que trocamos o diálogo pelo hostil silêncio.

Quando foi que nos tornamos velados inimigos que só faziam se agredir?

Quando foi que perdemos as rédeas daquele amor e deixamos que a falta de bom senso e os nossos defeitos falassem mais alto?

Talvez por imaturidade ou por incompreensão não conseguimos sustentar nosso amor.

Nosso orgulho e teimosia foi maior que aquele amor que sentimos um dia.

Ele saiu batendo a porta

Eu compreendi que casamento é muito mais que amor, muito mais que desejo, que prazer…

Muito mais que caminhar lado a lado, que gentilezas e declarações de amor.

Casamento é tolerância, compreensão, diálogo.

É ceder sem perder a dignidade, é se doar mantendo a integridade.

É a maturidade de entender o momento do outro e respeitar suas crises.

É a sabedoria de saber o momento exato de se calar e o momento de falar.

Mas agora de que me adiantava compreender tudo isso?

Ele saiu batendo a porta.

Eu precisava me reencontrar, me reestruturar, me refazer e seguir em frente. A vida segue e não vai esperar até que eu esteja pronta…

Os dias foram passando e eu percebi que o amor que eu sentia por ele permanecia vivo e eu sentia um grande vazio. A casa parecia imensa, minha cama parecia enorme e eu sentia um frio pela ausência dele ali.

Estava difícil seguir em frente sem ele.

Por semanas, meses não nos falamos.

Eu já começava a me acostumar com aquela dolorida separação.

No dia em que faríamos doze anos de casados eu amanheci triste e com muita saudade dele. Sempre neste dia, mesmo quando já não estávamos bem, ele me mandava flores e mensagens declarando seu amor. Agora estávamos separados e aquela ausência destes gestos dele deixava meu dia sombrio.

Cheguei no meu local de trabalho desanimada e triste.

No meio da manhã as flores chegaram. Ele mandou lindas flores com um cartão declarando seu amor e me convidando para jantarmos juntos e conversar sobre nós.

Eu não pensei em mais nada. Esqueci tudo que se passou e liguei pra ele dizendo que aceitava o convite para jantar.

Nós fomos jantar e conversamos muito, ponderamos nossos erros e o que poderia ser feito para voltar a sermos um casal feliz. Percebemos que nosso amor era mais forte que tudo.

Terminamos a noite em nossa casa, em nossa cama.

Reatamos nosso casamento.

Dizem que espelho quebrado não volta a ser o mesmo se for colado.

Mas nós entendemos que o nosso amor nunca se quebrou. Nós nos quebramos, nos machucamos, nos ofendemos, mas nosso amor permanecia íntegro.

Aprendemos a lição e seguimos em frente lidando com nossas crises e saindo delas com sabedoria e respeito.

Não sei se vamos ficar juntos até que a morte nos separe, mas sei que vamos tentar e agora sabemos como fazer o melhor por nós.

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 02/06/2022
Reeditado em 02/06/2022
Código do texto: T7529514
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