A bolsa
Carlos e Raul foram na adolescência, além de vizinhos, colegas de colégio. O melhor amigo um do outro. Carlos formou-se em engenharia e Raul em economia. Carlos foi trabalhar numa construtora. Raul, num banco. Quando se casou com Sara, uma ex-namorada de Raul, Carlos o convidou para padrinho. Raul casou-se com Marta. O tempo passou. Numa tarde, na saída do trabalho, Raul encontrou Carlos que o convidou para conhecer sua casa. “Vamos, a Marta está viajando”. Carlos disse que Sara o esperava àquela hora. Mas, a argumentação do amigo foi mais forte, e ele aceitou o convite. Em casa, Raul abriu uma cerveja e iniciaram uma boa conversa. Tocou o telefone. Enquanto Raul atendia, Carlos levantou-se com o copo na mão, andou pela sala apreciando a decoração e o bom gosto do casal, deixando que seus olhos perambulassem pelas estantes e os quadros na parede. De repente, viu em cima da mesa uma bolsa que o deixou um tanto intrigado. Era idêntica a de Sar, sua esposa. Aproximou-se. Embora soubesse que havia bolsas iguais, a semelhança era gritante e o deixou atordoada, imediatamente a dúvida invadiu sua cabeça. E se fosse de Sara? Por que ela deixaria sua bolsa aqui? Ele procurou não se incomodar com aquilo e deixou a bolsa de lado, enquanto continuava a observar a sala.
Raul terminou de atender o telefone, e Carlos voltou, mas não comentou nada com ele. No entanto, ficou pensando numa maneira de descobrir o nome da dona daquela bolsa. Tentou tirar da cabeça a ideia de que seria de Sara. Não conseguia. Era o ciúme que teimava em perturbar sua imaginação e levá-lo para o caminho da dúvida. Raul levantou-se e foi à cozinha preparar algo para comerem. Enquanto isso, para sair da dúvida, ele resolveu examinar a bolsa. Abriu-a. Não encontrou nenhum documento que pudesse identificar sua dona. Alguns papéis sem importância e cosméticos, coisas que toda mulher leva na bolsa. Entretanto, para ele, só a semelhança já era suficiente para suspeitar da traição de Sara. Olhava a bolsa e se lembrava dela, imaginando sua traição. “Não, Sara não seria capaz”. Tentava não pensar naquilo, certo de que iria esclarecer tudo assim que chegasse em casa. Porém, desde que a ideia se instalou em sua mente, nada que ele fizesse, lhe arrancaria aquela amarga sensação. Se tinha alguma certeza era a de que aquela bolsa pertencia a sua mulher, e que estava há algum tempo na casa de Raul. Poderia haver várias possibilidades para aquilo acontecer. Ela a esquecera ali e Raul escondera os documentos para não a comprometer. Talvez ele soubesse de algo. Carlos continuava inquieto. Depois de um demorado silêncio, perguntou ao amigo de quem era aquela bolsa que estava em cima da mesa. Ele disse que a encontrara na rua, perto de sua casa. Talvez, tivesse sido abandonada por ladrões, após roubá-la de uma mulher. Não havia dinheiro nem nenhum documento dentro dela. Ia procurar a polícia e entregá-la.
Convicto da traição de Sara, Carlos pensou em três situações: Confrontar a esposa a fim de fazê-la confessar. Uma alternativa seria manter-se calado sem incomodá-la até descobrir a verdade. Poderia dar um fim na lembrança daquela bolsa, e varrer a suspeita para debaixo do tapete do esquecimento. E havia ainda a opção de mostrar a bolsa a ela, ocultando a desconfiança, apenas para ver qual seria sua reação, e fingir acreditar nela, seja qual fosse a desculpa que ela inventaria. Este lhe pareceu o caminho mais acertado, porém a voz da consciência o alertou de que isso ainda era um modo de acusação, que certamente traria à tona um tormento desnecessário à alma da esposa. Por que fora encontrar aquela bolsa? Tanta angústia teria evitado, simplesmente ignorando a prova daquele crime. Mas, mantinha o ponto de vista de que a bolsa era da sua mulher. O ciúme ia criando uma certeza na sua cabeça. Amava demais Sara e não queria perder a amizade do amigo. Mas, o ciúme o impedia de pensar. Sabia que apesar do amor, da amizade e dos filhos, aquilo teria que ter um fim. Apossou-se da bolsa e saiu correndo, deixando Raul muito intrigado.
Ao abrir os olhos naquela manhã, Carlos lembrou do que sonhara e sentiu um vazio no peito. Ao ver Sara dormindo, tranquilamente a seu lado, ficou envergonhado de duvidar dela. O sonho daquela noite, porém, o fez lembrar de Raul que há muito tempo não via. Por onde andariam o grande amigo? Há muito que não o encontrava. Seria uma boa hora dar um telefonema. O mesmo sobre os pais, de quem estava tão afastado ultimamente.