Um desencontro
Lá estava eu, esperando em meio a movuca de pés e rostos desconhecidos indo para todas as direções, como se fosse uma corrente marítima, que me deixava um pouco curiosa para onde iria toda essa gente. Sempre tive essa curiosidade, sempre me perguntando a profundidade das árvores de cada ser, suas origens, seus destinos, seus motivos, mas isso sempre leva apenas a desfrutar da imaginação que tenho para criar as teorias.
Eu estava com uma saia longa e cinza, com minha camiseta favorita de babados que me fazia sentir da nobreza. Minha mãe não queria que eu fosse com estas roupas, diz ela que “não faz parte de minha natureza se vestir assim”. Como se eu fosse de natureza comum. Sempre tentam dizer qual a minha natureza, mas não faz sentido, só apenas eu posso olhar a profundidade do meu ser e dizer o que sou.
Enquanto esperava meu namorado, eu olhava em volta, um lugar que queria a muito tempo visitar, Liberdade, a mistura de cultura brasileira com asiática. Isso, que é parte de nossa quimera cultural do Brasil, agora se torna admirada e amável por meus olhos, cansados e um pouco fundos.
Mas voltando para aquela movuca, em minha visão, era como uma neblina cor de fumo e clima nublado clássico do estado. Dentro dessa nebulosa cinzenta existia sombras e vultos andando para seus rios que pretendem atravessar, igualmente nos contos japoneses sobre o rio Sanzu. Mas era igual a uma pintura bonita e hipnotizante, um caos imaginário de fumaça e sombras perambulantes em meio a paisagem de estruturas mestiças e a transformação cultural.
Mas me distraio de tudo aquilo, porque acabei me lembrando do meu laço que tanto me conforta. Eu usava como gravata, um laço charmoso caído com um sino grande no meio.
Aquele sino, era meu conforto perante todo aquele oceano de pessoas. Toda vez que o sino ecoava seu badalar, parte daquela névoa sumia e então me fazia menos presa ao medo das pessoas em minha volta.
Enquanto brincava com meu sino, como se fosse um gato da sorte, alguém um pouco mais baixo do que eu parou na minha frente, soltou um sorriso, e balançou meu sino com seu dedo levemente fino.
-A quanto tempo, não é mesmo?
Quando volto a prestar atenção à minha volta, para entender quem está a minha frente, foi pega de surpresa em um beijo. Um beijo que fez meu corpo tremer e relaxar no mesmo instante. Os beijos que só meu amor consegue dar, eram sensações viciantes, mas que idolatrava como se fosse sagrado. Esse vício santo, me fazia imaginar flores, as flores de primavera trazendo todas aquelas pétalas que me encantavam, e aquele clima, que mesmo em São Paulo, a primavera era estação de chuvas constantes, mas eram climas refrescantes e doces como o cheiro das flores.
Obviamente já sabendo que minha paixão tinha chegado, envolvi ele em um abraço grudento, foi um abraço que era difícil de desprender. Quando olho para meu amore vejo um homem quase da mesma altura dos meus ombros, falava com um tom sério quase todos os momentos, mas com cada palavra dele palpitava meu coração, sempre amei e amo aquele ser um pouco amargurado da vida e si próprio mas que me faz imaginar campos de girassóis, sendo movimentados pelos ventos uivantes.
-Porque você demorou? Eu estava começando a ficar paranoica que tu não iria vir mais- indaguei
-Você e suas paranoias, mas aqui estou eu, sendo remédio delas- disse ele como uma forma de ironia.
-Desculpa, eu sei que tenho que melhorar isso,
mas eu estava com muita saudade de ti, tive medo de não poder te ver- foi o que respondi, envergonhada.
-Não precisa pedir desculpas, eu já disse isso uma vez e repito: “juntos vamos tratar isso”, mas também não tem problema ser um pouco pessimista, porque sempre estarei aqui pra tirar você dessa cegueira natural- foi o que ele respondeu, se aproximando do meu rosto e me beijando novamente.
Eu admito que esse é um dos meus defeitos desde sempre, ser alguém que não confia em ninguém, nem mesmo no meu próprio namorado. Mas isso foi construído em mim por outras pessoas e não tive consciência na época para me corrigir. Por isso sempre desconfio de todos e tudo na verdade. Mas no caso de meu namorado, não desconfio de traição, na verdade minha ternura sem fim é a única pessoa que tenho menos desconfiança. Mas desconfio que ele minta pra mim quando diga que mesmo com meus defeitos e parte minha que atrapalha, ele me ama e de não se incomoda em ajudar a tratar ou diminuir minhas enfermidades.
Eu sei, eu tenho uma autoestima baixa, para pensar dessa forma e de certa forma uma hipocrisia se torna. Porque hipocrisia? Porque ele também tem seus defeitos que alguns deles me machucam até, mas eu disse que não me incomodava também, e que iria ajudar da mesma forma que ele me ajuda.
Mas minhas paranoias somem quando penso sobre isso, porque isso me faz lembrar um dos motivos do porque amo ele. Ele entre todas as pessoas é quem me escolheu para acompanhar durante a vida e receber como também dar carinhos e ternura. Mesmo com esse jeito que eu mesmo me estranho às vezes, ele decidiu que eu sou quem ele deseja e conseguimos construir um relacionamento que nos ajuda a se entender e como se tratar do que nos perturba junto com toda essa doçura de amar.
Eu sou alguém um pouco pessimista e racionalista em relação a romances, mas o que tenho com meu amor, é algo que me faz parar de ler por alguns minutos meus livros prediletos russos ou mesmo os meus favoritos brasileiros da época do realismo, onde ambos em minha opinião, trazem pancadas no meu crânio necessárias e fantásticas em formas de palavras impressas. Para ler um pouco de romances do Ultra Romantismo para tentar achar algo que descreve tão bem o sentimento que sinto perto desse ser.
-Bom, mas também preciso pedir desculpas, eu acabei me atrasando por falta de organização mais cedo- disse ele um pouco envergonhado.
-Tudo bem, o importante é que você está aqui e estaremos juntos até amanhã.- respondi a ele de maneira doce
-Então vamos indo, antes que chegamos atrasado e perdemos nossa vaga.
Ele entrelaça seus dedos aos meus um pouco forte, mas depois de alguns segundos nossas mãos relaxam juntas, como se tivesse transformado nossas mãos em um órgão vital para nossa vivência.
Estávamos indo para uma exposição sobre a história do bairro. Nós dois temos um gosto por saber de tudo de certa forma, mas esse gosto é mais concentrado na minha língua do que na dele. Desde que aprendi o amor, à vida, quando estava à beira de cair em abismo, abaixo de sete palmos, aprendi e absorvi o vício virtuoso pelo saber e compreender, por causa disso vivo no mesmo abismo que todos tem medo de olhar.
Mas naquele momento, eu estava ao contrário do costume, estava com a mente vazia. Não refletia, não procurava a complexidade, mas procurava sentir tudo que sentia naquele momento. Sentir aquela mão e o que significava, me fazia sentir minha mente vazar um banho de flores, das mesma que aprendi com mãe para puxar as energias do universo para o que desejo. Sentia minha mente vazar pelo rosto, assim fervendo minha pele.
Pensar como passaria o dia inteiro com ele e no início das energias místicas da lua ao adormecer com o calor dele e acordar com a verdade do sol, me fazia quase passar mal como se eu tivesse em um delírio constante.
Nossas rotinas universitárias não nos permitem encontrar nossos abraços amorosos com frequência, ambos escravos do conhecimento que admiram. Presos em um sistema de educação que não nos deixa desenvolver por completo, já que rolamos nossas pedras até o topo para elas caírem todas as vezes para a base da montanha por míseros pontos, mas que podemos alcançar um trabalho que amaremos ter um infarto no último plantão.
Mas esquecendo sobre isso, eu acabei descobrindo que me perdi do meu namorado. Sim, o pensamento sobre nossas rotinas e sobre a educação que descrevi no parágrafo anterior, foi o mesmo pensamento que tive naquele momento. Foi como um trem-bala chegando na estação, mas eu não me lembrava de ver ele chegando, estacionado e abrindo as portas para mim.
“Onde estava ele?” Me perguntava a cada respiração desesperada que soltava. Minha crise então surgiu, me desesperando com calma, me indagando se ele foi embora sem mim. Eu sentia meu corpo leve, minha pele esfriando, minhas mão trêmulas. Corri entre o turbilhão de pessoas até um ponto cego daquela ninhada. Me espremi na parede com meus braços paralisados.
O que começou a passar na minha cabeça no momento foi um velho cenário da minha infância. Em um momento da minha infância que passei por algo traumático que me faz até o momento em questão me desesperar. Eu estava com minha família em um parque, em um certo momento eu me perdi de todos, eu olhava para todos os lados mas ninguém conhecido achava, foi um desespero, até o momento que tomei coragem e perguntei para um senhor se viu alguém da minha família. Para falar a verdade não fazia sentido perguntar para ele, não lembrava de ter visto ele antes, nem sei se ele me viu junto aquele braços calorosos de minha mãe. Mas por sorte ele me apontou a direção e depois de andar um pouco, achei meus parentes e corri para eles em choro.
Depois de reviver esse cenário em mente, me lembrei de algo que meu namorado me disse no início do nosso relacionamento: “não importa o que aconteça não te abandonarei”. Isso foi meu choque de realidade, meu tira gosto depois de uma carne de sabor terrível.
Então com essas palavras em mente, respirei fundo como meus mestres de escola me ensinaram quando tive crises por causa de minha turma não ser muito comportada. Senti meu corpo se conectando com minha mente, como se fosse uma frequência de rádio, fechei fundo meus olhos por exatamente um minuto e digo exatamente porque eu mesmo contei um minutos com os dedos, e por fim abri meus olhos como uma luneta procurando entre a multidão meu amor.
Mas a primeira vista foi em vão, até o momento que eu senti que minha mão não estava mais fria. Quando virei pro meu lado, vi um vulto segurando minha mão. E então este vulto com seu dedo levemente fino balançou meu sino, e a névoa que separava minha incompreensão da identidade daquele ser sumiu. Era meu amor, com uma expressão um pouco preocupada marcada no rosto.
-Eu tinha andado um pouco sem perceber que você desprendeu da minha mão, quando olhei para trás, vi você correndo, te segui até aqui e você estava com os olhos fechados.
Me desculpa eu deveria ter percebido mais cedo, eu esqueço as vezes que você se distrai facilmente- disse ele com a voz um pouco trêmula.
- Você está bem?- Perguntou ele me abraçando forte.
Eu olhei para os olhos deles, que estavam um pouco melancólicos, e depois de admirar a preocupação dele comigo por alguns segundos, aproximo o rosto dele para ficar próxima a minha face com minhas mãos e o prendo em meu beijo tranquilizador e digo:
-Está tudo bem. Estamos andando em um lugar cheio, isso poderia acontecer e aconteceu, mas você está aqui comigo. Sabia que eu te amo?
-Eu te amo também
O restante do dia foi o mais adorável possível, pude finalmente ter um momento só com ele de novo. Pude não, melhor dizendo estão podendo, já que agora enquanto escrevo ele está abraçado em mim, adormecido.