Aonde andará Leila Fátima
Aos setenta e nove anos de idade, Jurandir se sentia solitário e desiludido do amor, solteirão por convicção depois daquele último casamento problemático. Naquele exato momento, sentado em sua grande varanda, em frente à infinitude do céu com o mar, desejava abraçar alguém, um abraço terno e apertado, mesmo que em fantasia, seu ser se contraia em impulsivos desejos.
Em seus devaneios viajou aos seios de Aurélia, então uma jovem de 17 anos, sua primeira namorada: uma menina muito avançadinha, de cabelos longos e bem tratados e ancas opulentas. Ainda estava guardada em sua mente a noite em que ela prenhe de desejos, abrira vagarosamente os botões da blusa, um por um, muito nervosa, mas com mãos firmes, face vermelha como brasas ao vento, e ofertou-lhe os pequenos e entumecidos seios; ele seria o primeiro desfrutá-los.
Este momento ficou tatuado em sua mente, sempre estava a lembrar-se; passava horas e mais horas nesse prazeroso enleio anos e anos, mesmo quando estava feliz com outras parceiras, tal visão o excitava bastante.
Um dia, quarenta e tantos anos depois, encontrou Aurélia em um shopping da cidade. Nada mais lhe restara da linda menina de cabelos longos e peitos duros, contou-lhe, ela, que tivera uma vida dura que somada ao envelhecimento normal lhe deformara cruelmente. Agora levava uma cabeleira curtinha e mal pintada com cores esdrúxulas, faltavam-lhe alguns dentes da frente, o lábio inferior esquerdo houvera caído como caem as encostas dos morros e não mais se recuperam. Como beijar uma pessoa deste jeito.
Pelejou com sua mente para enxergar aqueles seios entumecidos, não conseguiu, os visualizava igual ao lábio inferior, caídos e entristecidos, incapaz de qualquer excitação.
Assim, morreu melancolicamente o desejo de Jurandir abraçar e beijar Aurélia. Aurélia já não era mais aquela.
Continuando a viagem mental em busca de satisfazer sua fantasia de abraçar um corpo feminino, desfilaram outras figuras de seu passado amoroso.
Núbia! Como estaria? Será que voltou a ter relações sexuais com o marido? Ou arranjou outro amante? Saudade de Núbia, amor pecaminoso, mas muito gostoso, tinha dois filhos, teria uns 30 anos quando tudo começou, foram cinco anos de muito amor, mas ela deveria ficar com o marido, mas seguro, assim o fez. Na verdade, Núbia nunca gostara de Jurandir, apenas desejava um corpo diferente daquele do desatencioso marido que passava meses sem procura-la, e encontrou nele um sujeito apaixonado, que lhe falava de amor e ofertava lindas rosas e orquídeas e sustentável cama.
Encontrara Núbia meses atrás na praia, passeava com os netos dentro de um maiô que não lhe assentava bem. Gorda feito uma porca, seus braços não conseguiriam abraçá-la, sua cara muito bonita estava deformada, não lhe seduzia ao beijo; ancas descomunais e desajustadas. Quanta transformação meu Deus! A vida é mesmo cruel.
Sentado em sua cadeira de balanço continuava a contemplar o mar, quando de súbito, eis que lhe vem à mente a bela Leila Fátima, sua musa inspiradora para tantos poemas e portadora de doces lembranças, muito embora não tivessem contato físico algum.
Quando a conheceu ela deveria ter uns vinte e quatro anos, morena de lábios finos e delicado sorriso, era caixa de um banco onde Jurandir era cliente, todos a queriam ardorosamente, todos a louvavam, todos tinham imenso tesão por Leila, e lhe diziam frases de amor, algumas não muito respeitosas.
Um dia Jurandir, na contra mão daqueles sequiosos, e não tanto respeitosos clientes do banco, a brindou com um cartão de natal onde dizia ser ela: bonita, inteligente, sensível e simpática.
Ela adorou o cartão, era tudo que queria. Leu e releu, beijou-o e se emocionou, e no dia seguinte, ao Jurandir chegar no seu caixa, bilabialmente soletrou para ele com doce encanto as mágicas palavras: te amo.
Foi um momento de grande emoção, mas ele estava casado e com um filho de dois anos. Voltou para casa atordoado com a declaração de Leila, jamais ouvira tal declaração de uma mulher, muito menos de uma mulher tão linda, jamais pensara que tanto pudesse acontecer, oferecera-lhe o cartão apenas para ser diferente dos outros, também a achava linda e gostosa é bem verdade. Mas também reparava em sua meiguice, competência e atenção.
Melhor não, resolveu triste, porém convicto, após abraçar ternamente o pequeno Israel ao chegar em casa.
Poucos meses depois Leila Fátima desapareceu do banco, alguém informou que fora transferida, outros que se casara, o certo é que nunca mais foi vista por Jurandir.
Lhe caiu muito bem, naquele momento melancólico, lembrar-se de Leila Fátima, a beleza que fugiu de seus olhos, intacta, dele se escondeu por toda a vida, não se modificou em sua mente, continuava bela como nos anos oitenta, a sua doce visão não fora maculada. A ela Jurandir logo se apegou feliz.
Comemoraria em bom estilo. Foi à adega climatizada e escolheu uma garrafa de vinho tinto e seco de procedência italiana; gostava de vinho tinto, cor da paixão. Serviu-se de um cálice, e com ela brindou o tão querido reencontro, abraçou-a ternamente, olhou-a nos olhos negros, brilhantes de alegria e beijou-a nos lábios finos, ainda vendo-os balbuciar o “te amo”.
Viajaram felizes, passaram fantásticos dias na Itália, sempre fora seu desejo visitar a Toscana junto com a mulher amada que nunca tivera. Em Florença, verdadeiro museu ao ar livre presenteou-lhe com uma linda joia comprada na ponte Vecchio, em Pisa subiram a torre, e visitaram os intactos muros renascentistas de Luca.
Serviu-se de mais um cálice do vinho tinto italiano, este já era o terceiro; tinha as mãos um pouco trêmulas, procurou no Spotify a música Me and Mrs. Jones e começou a dançar com Leila Fátima, seu rosto refletia alegria, ela colocou uma das mãos a acariciar seu pescoço e uma doce sensualidade dominou esses últimos minutos.
Leila Fátima estava registrada na retina de Jurandir tal como ele a conhecera na saudosa década de 1980, naquele banco, em saudoso tempo de amor carnal.
Por fim, o cálice ainda meio de vinho, caiu-lhe das mãos e quebrou-se, o corpo de Jurandir ficou pendente na cadeira de balanço, tinha a mão direita no coração, anunciando que findara a sua última fantasia.
Suas feições eram de esfuziante alegria, perecera nos braços de seu grande amor platônico tal como a conhecera. O tempo não destruiu a imagem daquele dia em que Leila Fátima lhe disse bilabialmente: te amo, e nem de outros em que esperava ansiosamente na fila para chegar ao seu guichê de caixa.
Logo Israel, seu filho único, chegou para acolhê-lo e tomar as providências.
Mas..., onde andará Leila Fátima?
Quem sabe não já estará à sua espera?