Ponto de fuga
A fantasia serve para suportar a vida. Essa realidade inventada que dá luz aos dias de Maria. Se constrói na cabeça. Aos poucos é uma forma: em cheiros, objetos, memórias.
Dizem que admiramos nos outros o que nosso coração está cheio. Fala-se muito em empatia, sororidade porque estamos todos precisados. Por que amamos? Por afeto é que se vence as dificuldades, os transtornos.
Se dava por amor. Fazia dos seus dias uma doação constante. Só não formava a fila, porque os interessados mantinham de couro e descrição ao procurar seus serviços. Envergonhados? Não. É difícil dizer de dores, solidão, desamor.
O amor de Maria não tinha preço. Despertava mudanças em cada um. Animava vencer as tempestades interiores. Valorizava os pequenos gestos. Com sabedoria, incentivava reciprocidade e gratidão.
Quantas perdas cabiam na vida desta mulher? Quem percebia seu trajeto, qualquer ser humano, notava que sua maneira de se dar e viver ador a alheia era um ponto de fuga. A cura para muitas dores.
A alinhavando o coração alheio, Maria se descobria forte na ONG era a profissional mais requisitada.
O fio da vida que a mantém, como um elo de uma corrente, amparada aos que distribui amor, se rompe ao apagar a luz. No escuro de seu quarto, é um buraco que sente, o ar foge do peito, um choro grosso sobe como água de barranco e inunda sua cama.