Evite a fadiga, Jaiminho, evite

"Incrível: a cidade de Tangamandápio é maior que Nova Iorque

De acordo com o último censo Mexicano realizado durante os alunos de 58, 59 e 60, a cidade de Tangamandápio é maior do que a grande metrópole mundial Nova Iorque. Com isso, autoridades já defendem a ideia de coloca-la no mapa, o que faria justiça aos milhões de tangamandapeanos. Sim, milhões.

Também de acordo com a última pesquisa nacional, Tangamandápio já soma 10 milhões de habitantes. Número comparado ao de grandes cidades como Tóquio, Paris, Cairo e a própria Nova Iorque, parâmetro mundial.

Segundo JaimePadilla, um dos recenseadores tangamandapeanos que aturam no levantamento, os números gigantescos não o assustaram:

- Para mim, Tangamandápio sempre foi gigante. Percorri toda a cidade a pé ou de bicicleta na infatigável missão de comprovar isso.

Autoridades municipais já fazem projetos para a cidade. Lógico que tais proporções já preocupam como trabalhar devidamente nos setores de educação, saúde, segurança, habitação e saneamento básico, mas, por enquanto, os investimentos são no campo cultural. O prefeito, inclusive, já escolheu o tamarindo como símbolo da cidade. Outra ação é entregar as chaves do município ao ator Hector Bonilla. Tudo para divulgar as tradições tangamanpeanas para o mundo".

Fonte: O Tangamandapeano.

Alguns dias depois...

"Extra, extra! Milhões de pessoas enganadas!

Os milhões de Tangamandápio são falsos

Recentemente, foi publicado o censo dos últimos três anos pelo governo do México. No documento, exibiram-se números vultosos para a cidade de Tangamandápio, tanto para a área local quanto para a quantidade de habitantes. Tudo errado, tudo falso.

Após alguns dias e muito escarcéu por parte de meios de comunicação ilegítimos, diga-se, revisões foram feitas e concluiu-se que tudo não passou de um erro – proposital? – cometido por um dos recenseadores. Na verdade, o único recenseador que percorreu Tangamandápio, Jaime Padilla.

Apesar de declarar ter percorrido toda a cidade a pé ou de bicicleta em pouquíssimos dias, coisa que nem um competidor olímpico conseguiria, descobriu-se que o jovem, na verdade, não saiu do seu local de trabalho. Além de mentir para toda a população tangamandapiana e para o país, recebeu por um trabalho que não realizou. Será que foi para evitar a fadiga?

Centenas de cartas chegaram à prefeitura dizendo que nenhuma residência recebera a visita de sequer um recenseador. Muitas também chegaram à redação de nosso jornal, o original “O Tangamandapiano”. Todas foram lidas. Será que as enviadas para o ilegítimo também receberam a mesma atenção? Quiseram evitar a fadiga.

- Confesso que achei estranho o convite da cidade, nunca tinha sequer ouvido falar dela. Quando cheguei à estação de trem, havia tão pouca gente que nem parecia um local com milhões de habitantes.

Declaração do ator Hector Bonilla no ato de seu desembarque em Tangamandápio.

Agora, a população espera retratações. Primeiramente, do recenseador e jornalista do ilegítimo que mentiu para toda a cidade. Depois, das autoridades locais que nem averiguaram ou conferiram os dados. Aproveitaram-se da nobreza tangamandapiana. Quem poderá nos defender?”.

Fonte: "O Tangamandapiano".

Foi assim. Primeiro, a euforia. Depois, a tristeza. Um tapa na cara da população de Tangamandápio.

Primeiramente, o jornal “O Tangamandapeano” foi bem rápido ao publicar notícia em que anunciava os números gigantescos a respeito da cidade. Como um de seus jornalistas, Jaime Padilla, trabalhava para o governo fazendo a pesquisa do censo, tudo ficou mais fácil. Porém, pelo jeito, ele achou trabalhar em dois locais ruim e ficou só na redação mesmo. Assim, forjou dados, incluiu alguns zeros e algumas casas aos dados de uma pesquisa que nunca foi feita e publicou. Informação privilegiada, como diriam no mundo dos negócios?

Muita alegria e muitos planos na cidade. Só que os mais desconfiados – e mais realistas – fizeram seu trabalho e correram atrás, coisa que Jaime não deve ter feito em momento algum. Na verdade, Tangamandápio tem poucos milhares de “tangamandapianos”, com –i, como diz a gramática, inclusive. O –e no lugar do –i é coisa do jornal concorrente, que veio depois, chamado de ilegítimo. Os números aumentados foram coisa de Jaime Padilla.

A reação do povo não foi das piores até. Sem emprego e despejado do pequeno quarto que alugava, Jaime teve que sair da cidade. Temeu haver muita gente na estação de trem, medo da vaia, mas as pessoas devem ter preferido evitar a fadiga. Ou foram ver o filme do Pelé, que estreava no único cinema local.

Ficou horas na estação. O trem não chegava. E não chegou. Assim, largou as malas ali mesmo, rasgou as suas próprias roupas como quem imitasse o Clark Kent numa cabine telefônica prestes a se transformar no Superman e saiu correndo pelos trilhos.

Alguns meses depois...

"Mexicano nativo de pequeno povoado está correndo todos os Estados Unidos

Jaime Padilla é um rapaz magro, com seus trinta e poucos anos, ar um tanto palerma. Ao que se sabe, trabalhava em um pequeno jornal. Chegou a alcançar fama com uma notícia recentemente, mas ela era falsa. Foi demitido e praticamente expulso de seu povoado. Agora, volta às manchetes de novo, mas não como autor, é personagem.

Muitas são as testemunhas de sua jornada pelos Estados Unidos. Sam Valdez, morador do Tenesse, disse ter visto Jaime passar de bicicleta em alta velocidade pela estrada próxima de sua fazenda. Sim, ele também pedala, alternando quilômetros com a corrida a pé.

Apesar da admiração e do apoio de muitos, ele não é um herói. Muito pelo contrário. É procurado pelo governo dos Estados Unidos. Jaime entrou ilegalmente no país, atravessando a fronteira a nado num rio perto dos muros de contenção, depois correndo e pedalando pelo deserto. O jovem teria se aproveitado da distração e dos transtornos causados por uma chuva de aerólitos, pedras vindas do espaço, para driblar as autoridades militares que fiscalizam a divisa entre EUA e México. Cogitou-se o fato de ele ter recorrido a coiotes, malfeitores que trazem imigrantes ilegais para o país em troca de altas quantias em dinheiro, mas informantes apuraram que ele só está com 5 dólares e um saquinho de alfafa.

E ele continua a saga. Dizem que correu 500 milhas em Indianápolis com os pés descalços. Qual seria a fórmula? Quando passou por Las Vegas, parece que deu mais voltas do que as roletas dos cassinos locais. Correndo por Springfield, não amarelou, as crianças inclusive o chamaram de Homem-Nuclear. Em Metrópolis, gritaram perguntando se era um pássaro ou um avião. Em Gotham, parecia voar na escuridão sem dar qualquer sinal. Um prodígio. Em Orlando, recebeu outro apelido: Relâmpago Jaiminho.

Run, Jaime, Run!

Corra, Jaime, corra!

!Ándale, Jaime, Ándale!

São pichações encontradas nos muros das cidades por onde Jaime Passou. Poliglota com aparência de um troglodita.

A corrida continua. Caso tenha alguma informação sobre Jaime, envie uma carta para o Planeta Diário”.

Jaime sumiu por alguns dias. Quiçá, semanas. Porém, mesmo assim os boatos continuam. Dizem que ele foi visto correndo sobre as águas. Ou então escalando as Cataratas do Niágara. Pulando de cabeça em cabeça no Monte Rushmore. As piadas também não param. Jornais inclusive lançaram um quadro chamado “Fatos sobre Jaiminho”. Ideia do colunista Roberto Gomez Bolanhoz.

"Jaiminho ganhou do Papa-Léguas e do Ligeirinho numa corrida

“Jaiminho ganhou medalha de diamante nas Olimpíadas”

“Jaiminho apelidou o Flash como Tartaruga”

“Jaiminho vai disputar a Fórmula 1 a pé”

“Jai... já foi”

Já foi mesmo. Dizem que o corredor passou mais de uma vez por certas localidades dos Estados Unidos. Curiosamente, muitas delas que num passado distante pertenceram ao México. Seria o ato uma manifestação política? Fato é que as autoridades americanas não o acham, mas estão registrando tudo. Jaiminho já é um dos maiores procurados das américas. A partir de um esboço de seu deslocamento feito pelo mapa dos EUA, observa-se uma trajetória que muito lembra o número oito. Ou o infinito.

Alguns meses depois, nada de novas aparições de Jaiminho. Muitos se perguntam onde está o tangamandapiano. Ou tangamandapeano, sabe-se lá. Será que ele se cansou? Será que preferiu evitar a fadiga?

- Bom dia, camaradas. Este é o Sr. Jaime!

- Salve, camarada!

- Err... salve. Mas quem são vocês?

- Prazer, sou o P.G.

- “P.G.”?

- Sim, Jaime, sei que já sabemos o seu nome, mas todos aqui temos um apelido, um pseudônimo. Melhor, assim confundimos as autoridades.

Respondeu E., homem com sotaque de argentino que estava na sala, acendendo um charuto logo em seguida.

- Bom, se é assim, sim. P.G., você é alto, hein. Percorri muitos quilômetros, mas você é quase um quilômetro percorrido hahahaha.

- Pois é, camarada. Faço faculdade de Ciências Humanas e jogo basquete aqui nos EUA. Pronto, já sabe um pouco mais sobre mim. E você, por que essa corrida? Seria a “Marcha da Devolução” como andam dizendo?

- “Marcha da Devolução”?!

Perguntou Jaiminho, sem entender.

- Sim, “Marcha da Devolução”. Realmente, o nome não é dos melhores, mas...

- Nossa, eu te conheço de algum lugar. Da Tv, talvez...

- Talvez.

Disse Angie, moça jovem e muito bonita, com um vestido azul-turquesa.

- Camarada, seu movimento silencioso e solitário está inspirando jovens de todo o México. Muitos estão invadindo os Estados Unidos pela fronteira e seguindo o seu percurso! Estão pedindo de volta tudo o que os ianques roubaram de seu povo!

- Err.. movimento? Inspiração? Invasão? Roubaram?

- Por que o susto?

Disse P.G., do alto de seus mais de 1.90 de pivô.

- Satanás!

- Angie, o que foi?

- O que esta câmera faz aqui?

- Ah, nada, acho que podemos vendê-la e arrecadar uns fundos para a causa.

- Pensei que fosse espionagem.

- Nada. Angie, mesmo no susto, você endurece mas não perde a ternura!

- Jamais.

A conversa, a reunião se estendeu noite adentro. Os presentes falavam sobre coisas que Jaiminho não entendia ou não se interessava. Assim, ele preferiu ficar mexendo na máquina fotográfica que lá encontrou. Estava quebrada, disseram, mas sua experiência no jornal como um multitarefas o permitira consertar.

Já estava quase amanhecendo. E., o argentino, foi até a varanda onse se encontrava Jaime, mas nada falou. Ficou a olhar para o horizonte. Com a intenção de testar a câmera, Jaime a mirou em sua direção e apertou um botão. Imediatamente, a foto se revela, era uma polaroid, mas pelo jeito não estava muito boa mesmo, saiu tudo em tons avermelhados. E. não gostou muito da atitude de Jaime, pensou até que ele seria um espião. Tomou a foto de suas mãos e voltou para dentro, a discussão continuava.

Jaiminho nada fez, nada disse, estava cansado. Preferiu evitar a fadiga com uma discussão. Viu que os ânimos estavam alterados, ouvia a todo momento a palavra “revolução”. Imagina o trabalho e o cansaço que isso daria. Sendo assim, arrumou um jeito de sair logo dali.

Estando em Nova Iorque, pegou o metrô até o local mais longe possível. Depois, reuniu alguns trocados que acumulara pelo caminho e tomou um ônibus até a cidade mais próxima da fronteira com o México. Por lá, tentou carona, sem sucesso. De repente, um caminhão com uma carga da tamarindos, limões e laranjas.

- Uma carona, amigo?

- Se tiver chapéus, sapatos ou roupa usada em troca...

- Não, mas tenho 20 mangos... e um saquinho de alfafa.

- Claro, assim acho que posso comprar um churros pelo menos. Entra aí. Esta área é perigosa, costumam agir por aqui Tripa Seca, Racha Cuca e o Quase Nada.

- Sério?

- Isso, pois é.

- Até onde o senhor vai?

- Olha, não sei bem, mas é uma cidade bem pequena, que nem está no mapa...

Achou que a história acaba aí, né? Com aquele final com uma piadinha, um gancho. Lógico que não. A viagem seguiu. Lenta, longa. Jaiminho reconheceu pelo caminho vários dos lugares por onde passara correndo. Dormiu, acordou, dormiu várias vezes. E aquele cheiro de tamarindo que parecia laranja ou limão só o impregnava cada vez mais. Apesar de ficar quase o tempo todo sentado, olhando a paisagem repetitiva, vinha uma preguiça. Não saía da cabine nem nas paradas, queria evitar a fadiga.

De repente, chegou a Tangamandápio. Tal como na sua saída, ninguém na estação de trem. Só um cão arrependido, com suas orelhas tão fartas, seu osso roído e o rabo entre as patas. O que fazer da vida agora? Olha para um lado, para o outro, para cima. Nada, ninguém. Na parece, um aviso de recompensa por bandidos procurados. Tripa Seca, Racha Cuca e Quase nada, os de sempre. Pensou em invocar alguma entidade que pudesse aparecer subitamente e ajuda-lo, mas em quê?

Foi até a venda da esquina, estava fechada. No chão, uma folha de jornal perdida, amassada, suja, molhada.

“Concurso: compre um limpa-prata e concorra a uma viagem para Acapulco”

“Grande show de ioiôs animará a cidade”

“Concurso público para carteiro: inscrições abertas”