Rana a Ronin

Rana a Ronin

Quem dera as palavras pudessem exprimir nossos sentimentos. Quem dera, mesmo escolhendo a dedo as palavras pudessem entrar nos corações e deixar claro nossas mensagens mais intimas. Muitos tentaram dar respostas para perguntas que foram ignoradas pelo medo de dize-las.

Um caso belíssimo é o amor. A palavra sugere tanto em pouco tempo, seria impossível não imaginar um ser que já não tenha idealizado, fraquejado, desejado e até se decepcionado.

Mesmo quando o amor é verdadeiro ele ainda tem inseguranças, desconfianças, dificuldades e tédio. Já diziam os anões “Amor não enche o prato na mesa, não vence guerras ou mesmo conquista sucesso”.

Essa interação de um sentimento tão natural com as outras pessoas, situações e até mesmo as outras essências do ser humano que, como bem sabemos, é mutável de forma abrupta todos os dias, horas e segundos, fazem com que as vezes ele possa ser demonstrado de formas estranhas. Parece-me que essa essência e a mais pura de várias formas que seria impossível descrever facilmente apenas numa conversa, desta forma tentarei lhe falar de uma história que muito me encanta.

Ora, mesmo respeitosamente entendendo as vicissitudes dos determinismos sociais que certos tipos de grupos conquistam com tanta dor e sofrimento aos seus anos, nem sempre ele o é uma vitória para as próximas gerações que vão o suceder. Pense por exemplo nos queridos elfos negros.

Sem sair do foco:

Sabe-se que eles são criaturas formadas pela ganancia de um Adão, um elfo que por ganância ousou desafiar a antiga deusa, a natureza – me corrói de alegria saber o como ela é perfeita. Seu objetivo era dominar as artes das luzes completamente e ao passar tinha ambição de fazer o mesmo com a arte das trevas, proibida pelo seu próprio sangue. Desta forma nasceram os elfos negros, incapazes de usar magia alguma, trevas ou luzes.

Entender sua formação é importante, mas é essencial ainda lembrar da sua formada sociedade, que de forma alguma virou uma nação, sempre constituída em base de clãs. Eles são os mais deterministas entre todos, pois o sangue é algo crucial, ou seja, o acasalamento é algo importante para toda a raça e só deve ocorrer quando todos do clã assim autorizarem.

Dentro desta questão temos uma nascida em guerra, em sangue e violência, Rana, que por ainda muito jovem matar seu próprio mestre ganhou o apelido de Rana a Ronin. Respeitada escalou postos até ser guarda real dos clãs dos elfos negros, uma assassina eximia, usava uma espada ao estilo Katana, de lamina negra, ninguém nunca a vira usar mais que um movimento para matar.

Num verão ela foi incumbida de perseguir e matar todos elfos negros do clã proclamado de Rebeldes modernos, sem necessidade de reforço ela o fez rapidamente como de costume. Ao fim seu corpo estava coberto de sangue, aquele cabelo branco, típico dos elfos, foi tingido de vermelho totalmente, todo seu rosto adquiria sadismo, entranhas estavam grudadas em partes de sua bota de coro e calça, a jaqueta que usava, negra, parecia escorregadia de tanto sangue que não conseguira absorver.

Ao fim ela avistou de baixo de uma arvore uma elfa negra sozinha, a perplexidade de ver todos seus conhecidos assassinados de forma tão brutal a deixou em choque, não falava ou demonstrava nada. Para Rana a Ronin elimina-la era tão fácil que decidiu que sua espada não valia a pena, resolveu escolta-la de volta para que um elfo menor a eliminasse.

Durante a viajem de volta ela a puxava por uma corda amarrada no pescoço, se divertindo vez ou outra por puxa-la com violenta força. Mas de noite, enquanto se alimentava com rações e pequenas caças como ratos, aves, cobras e coelhos, ela tinha muita dificuldade em fazer sua confinada se alimentar devidamente para aguentar a viajem. Ela resolveu que peixes deveriam ser o que ela estava acostumada a comer, se pôs a pescar e rapidamente voltou jogando o animal vivo no colo da elfa negra amarrada que começou a chorar.

Ela sorriu com a atitude, e antes que pudesse fazer algo a moça revoltada tentou atacar-lhe usando as mãos. Com um levantar ela se colocou em posição a jogando no chão.

- Você é uma monstra! – Berrou a cativa.

- O choque já passou, você consegue falar, então coma, matar um peixe é mais digno de minha espada que você. – Indagou Rana pisoteando o peixe.

A jovem elfa negra com receio da atitude e dos cabelos sujos de sangue de Rana se pôs no chão imediatamente comendo os restos do peixe em prantos. Rana se sentou sorrindo, mas por um segundo se colocou a pensar sobre o que foi chamada, “monstra”.

Durante toda vida Rana foi filha da violência, sempre lutou em batalhas e teve milhares de alvos para assassinato. Todos seus rivais também eram filhos da guerra, ninguém a via como monstra, ela não demonstrou, mas aquilo a perturbou demasiadamente o bastante para lhe tirar o apetite.

Durante os dois dias que sobravam de retorno ela não puxou a jovem pelo pescoço mais, nem mesmo a tratou mal novamente, mesmo sem entender aquilo ela gostaria de uma explicação, porem, não encontrava em seu orgulho as palavras para trocar com alguém tão inferior, delicado e que nasceu em uma vida sem sangue, sem violência, sem as necessidades que desenvolveram todo o seu ser.

Dentro do clã ela reportou para seu líder de clã, era um elfo negro hercúleo apesar de longa idade, poucos cabelos no topo da cabeça era o resquício de demonstração de fraqueza, o resto era expressão pesada e sádica, e um corpo repleto de músculos. Dizia-se que ele poderia aguentar facilmente um ataque de manada de búfalos.

- A missão foi completa senhor. – Começou Rana enquanto o líder tomava seu vinho.

- Todos que adentram meus portões dizem “Vida longa”, você é a única que deixo viva mesmo com tanto desrespeito. – Respondeu o rei e Rana sorriu de volta com o mesmo tom sádico, quase num desafio.

Ele apontou para Rana e um servo de roupas empoeiradas a serviu uma taça banhada do vinho mais cheiroso de todos os tempos.

- A missão era eliminar todo o clã, mas porque trouxe uma sobrevivente? Presente para seu líder? – Disse o servo em tom de deboche.

A feição de Rana se alterou por um segundo, e apenas com uma troca de olhares com o lider ela fez um movimento tão rápido que não era possível entender ao certo como foi. A cabeça do servo desceu e sangue saltou enquanto as pernas se trançavam sem arrumar um ponto de equilíbrio, novamente seu cabelo e rosto eram banhados do vermelho de sangue.

- Talvez você seja a minha melhor guerreira Ronin, mas te manter por perto existe um custo, você bebe muito sangue. – Indagou o rei com certo desgosto.

Novamente Rana percebeu que não era vista da forma que sempre pensou ser. Era temida, mesmo sendo apenas uma guerreira, um soldado, uma emissária de um superior.

Sua mente voltou-se para si mesmo em indagações que nunca tinha feito antes, mas foi interrompida bruscamente pelo líder novamente.

- A jovem? Porque vive?

- Sim, vejo como presente aquele corpo andante, porém não para o senhor vossa senhoria, mas sim para mim. Se assim permitir.

- Você nunca me pediu nada, não iria negar tão pouco, que assim seja.

Rana se levantou entendendo que tinha de entender melhor o mundo em que vivia, mas sem parâmetro era impossível. Começou a cuidar da jovem cativa, que depois de alguns meses descobriu se chamar Raed Evol.

Em seu acordo Raed lhe ensinava sobre o mundo fora da violência e da guerra e ela permitia que sua vida continuasse com liberdade dentro do clã. Pelo respeito e medo sobre Rana a Ronin ninguém nunca ousou desafiar, pelo contrário, entendiam-nas como um casal belo e forte, apesar de suas diferenças.

E não foi diferente, mesmo com tantas peculiaridades e dificuldades Raed Evol entendeu o coração de Rana a Ronin, não a culpava mais pela morte de todos seus conhecidos, pois ela não tinha a consciência fora da violência, algo a mais lhe atraia naquela mulher que atormentava de noite principalmente. Ela começava a temer por sua vida a cada missão, sorrir com ela a mesa, conversar sobre a vida, desejos, vontades, felicidades e tristezas, e o pior, falavam em dividir um futuro.

O amor nem sempre vem com palavras, foi numa noite fria, já havia passado ao menos oito anos desde que moravam juntas. A guerra contra os elfos aconteceu por um território dividido entre ambos, muitos morreram e de alguma forma Rana foi atingida por uma flecha, ela não sentiu, ou percebeu, apenas em casa, depois que Raed entrou em prantos por sua amada que sentiu a pontada de dor no ombro.

Durante os curativos elas tiveram a primeira de muitas relações. Porém o exército dos elfos negros foram derrotados naquela noite, deixando seus números baixos e o clã vulnerável.

Raed Evol foi escolhida pelo próprio rei como todas as outras mulheres com exceção de sua melhor guerreira, Rana a Ronin, para procriação, fazia-lhe sentido logico e todos entendiam perfeitamente. Mas para Raed não fazia sentido mais estes pensamentos antiquados e antigos, ela relutou contra o poderoso líder, enquanto Rana estava em casa.

Naquela noite, em represália pela atitude, Raed foi pega a força pelo líder. Voltou para casa viva apenas pelo respeito que existia envolta de sua amada, mas ao chegar em casa não encontrou o olhar que tanto gostaria de ver, Rana não estava lá.

Cansada adormeceu pesadamente e só despertou noutro dia. Fazia muito frio naquela época, mas um calor súbito acordou Raed, ela ainda se sentia dolorida e atribui a temperatura a isso, mas ao abrir os olhos encontrou uma claridade estranha vinda da janela, ao se levantar com dificuldade pode ver com facilidade, todo o clã pegava fogo.

Ela batalhava com cada móvel da pequena casa até encontrar a porta. Diversos corpos deformados, pedaços estavam por todos os lugares, todo o gelo formado pela neve estava vermelho e brilhava por causa do fogo. Ela encontrou forças para correr que não sabia que existia ainda, imaginar Rana em perigo era dolorido de mais, ainda mais depois de tudo que aconteceu.

Entrou na mansão escondida do líder, todos os guardas estavam degolados, os corredores escorregadios de tanto sangue e portas arrombadas. O desespero lhe bateu, era logico que os elfos iriam acabar com a guerra de uma vez, não iriam deixar a procriação acontecer para que novamente tivessem de lidar com esse perigo no futuro.

Foi no salão e o alivio retomou o corpo cansado da jovem, viu Rana de pé, ensanguentada de mais para poder ver seu rosto, mas aqueles olhos eram os de sua amada. O líder estava logo à frente da mesa, segurava sua espada e o rosto sangrava.

Antes que Raed falasse qualquer coisa Rana partiu para o líder, foram dois ataques rápidos, mas desta vez perceptível aos olhos. A garganta do líder saltou sangue enquanto com as mãos tentava segurar as entranhas que saiam da barriga.

Os olhos de Rana eram de satisfação, aquele demônio que encontrara antigamente estava a sua frente, o sorriso sádico e o cheiro de carnificina faziam a cena ser nostálgica. Raed correu para ela, queria lhe dizer perdão pois acreditava que tudo tinha sido feito por vingança pelo estupro, mas o golpe veio rápido, um chute a jogou no chão.

- Por que? – Disse Raed gaguejando.

- Porque não? – Respondeu sem entender Rana limpando sua espada e rindo ao ver o líder morrendo no chão aos poucos.

- Eu te amo. Pensei que me amasse.

- Nunca falei isso - Rana estava desconcertada como se ouvisse um absurdo – Mas eu te agradeço. – Ela continuou se aproximando com a espada apontada.

- Do que você está falando? – Disse com lagrimas nos olhos a jovem.

- Você me ensinou muito, e entendi o que gosto, o que amo, o que quero. – Ela sorria sadicamente novamente. – Eu me entendi, eu sou isso, ou sou a violência, e amo isso com toda minha vida.

Como todos seus golpes ele veio rápido, não por compaixão, mas porque era sempre assim. Para Rana a Ronin ela era um cadáver mesmo quando estava viva, como qualquer outra pessoa, e desta vez, ela entendeu que o seu amor era exatamente cortar as linhas que prendem esses cadáveres em vida.

Scadelli
Enviado por Scadelli em 16/02/2018
Código do texto: T6255662
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