Quem se atreve?

A noite já havia caído quando bateram à porta de Paullus Manilius, comerciante de vinhos. Um escravo foi atender, e deparou-se com um apavorado Publius Victricius, prestamista.

- Preciso falar com seu amo, é urgente!

- Mas... ele já se recolheu aos seus aposentos - objetou o escravo.

- Caso de vida ou morte, rápido!

O escravo foi bater à porta do quarto de Paullus Manilius, o qual surgiu pouco depois, cara de poucos amigos. Ao ouvir de quem se tratava, correu para o átrio, onde o prestamista o aguardava.

- O que houve?

- Aqui não... vamos para o seu tablínio - retrucou o prestamista.

Entraram no pequeno escritório onde o comerciante cuidava dos seus negócios e, após acender uma lamparina, Paullus fechou a porta do aposento.

- Estamos a sós, meus escravos são de confiança. O que houve, pelo amor dos deuses? - Inquiriu o comerciante.

O prestamista segurou-o pelos ombros, encarando-o com expressão grave.

- Eu soube de fonte limpa que Galerius Vatinius vai colocar os nossos nomes na próxima lista!

Paullus Manilius engoliu em seco.

- Os nossos... nomes? Por quê?!

- Precisa haver alguma razão? Ele é amigo do ditador e não vai com a nossa cara, isso basta.

Soltou os ombros do amigo.

- Você sabe que se essa próxima lista vier à luz, somos homens mortos... e mortos de forma atroz! Vão nos desmembrar, decapitar... e desfilar pelas ruas de Roma com nossas cabeças espetadas numa lança!

Paullus Manilius apenas retorcia as mãos, um ar de choro lhe tomando o rosto comprido.

- O que vamos fazer... o que vamos fazer... - murmurava.

- Eu vim lhe propor uma solução, mas vai exigir sua confiança absoluta... e dos seus escravos.

- Morituri te salutant. O que for preciso.

- Escute com atenção...

* * *

Era a hora terceira, fim da primeira vigília, noite fechada. Um grupo de seis homens cobertos com mantos escuros, archotes nas mãos e máscaras de comediantes no rosto, parou à frente da residência de Galerius Vatinius. O líder do grupo bateu à porta:

- Abram, em nome do Senado!

Após um breve intervalo, a porta foi aberta por um escravo. O líder espetou um dedo no peito do rapaz.

- Queremos ver seu amo!

- Ele está em seus aposentos... - objetou o rapaz.

- Leve-nos até ele! - Gritou o homem, empurrando-o para o lado.

O grupo foi conduzido até a porta do quarto de Galerius, que surgiu em trajes de dormir pouco depois.

- O que significa isso? - Exclamou furibundo.

- O seu nome foi relacionado pelo Senado na lista de inimigos do estado... - explicou calmamente o líder.

- Mas que absurdo! Sou EU quem faz a lista! - Protestou Galerius.

- Mas não hoje - retrucou o líder. E, virando-se para seus companheiros:

- Podem ensacar.

Após ser seguro por dois homens, Galerius viu-se amordaçado e um saco de aniagem foi jogado sobre sua cabeça. Em seguida, o grupo saiu tranquilamente pela porta da frente.

* * *

A caminho do Tibre, cruzaram com uma patrulha de soldados que vinha em sentido contrário.

- Alto, quem vem lá! - Gritou o chefe da patrulha, mão no cabo da espada.

- Assunto do Senado... lista negra - disse sem titubear o líder dos mascarados.

- Ah, claro... podem passar - respondeu o legionário.

Sob os olhares curiosos dos soldados, o grupo prosseguiu em seu caminho, arrastando o encapuzado Galerius, que grunhia como um porco a caminho do abate.

- Pobre desgraçado... - murmurou um dos soldados.

- Pobre nada - retrucou o chefe da patrulha. - Não tem inocente nessa história; se foi para a lista, é porque estava devendo. Um corrupto a menos, rapazes!

E, dando as costas para os mascarados que se perdiam na distância, seguiram seu caminho pela escuridão da noite romana.

- [24-03-2018]