Dolorosa pescaria

Dolorosa pescaria

Alberto era um menino da rua, daqueles que montava sua própria pipa, negociava novos modelos para sua coleção de bolinha de gude, batia uma bola no campinho da esquina. Mas sua mais esperada aventura se dava quando seu pai e seu tio o convidavam para uma pescaria à beira do Rio do Sinos.

A preparação para o evento já iniciava um dia antes: caniço, anzol, linha, boné, lata de Nescau cheia de minhoca, pão, linguiça, café, garrafa plástica para 1 ½ L de água.

Quem pegava o Viação Hamburguesa nas manhãs de sábado por vezes se deparava com um menino de 12 anos, seu tio e seu pai portanto as tralhas da pesca mais o lanche. O destino era a beira do Rio do Sinos em Campo Bom.

O dia era animado, com causos, papo, odores e ruídos típicos do ajuntamento masculino a espera de um peixe ser fisgado pelo anzol.

Naquele sábado fazia um calor de fritar ovo no asfalto, obrigando os pescadores a beber bastante água. Sedentos, esvaziaram a garrafa de água antes do previsto. Então, o tio Augusto cortou a espera pela fisgada e ordenou:

- Alberto! Vai lá na sede da olaria pedir água.

O guri foi reinando de cabeça baixa e chutando os pedregulhos pelo caminho até ouvir o primeiro, porque no segundo latido a cabeça já havia levantado e as pernas começado a correr. Aquelas pernas curtas e grossas não sentiram os galhos dos maricás. As pernas compridas e finas da cadela perdigueira também não. Lanhado pelos espinhos dos maricás e pelas mordidas de raspão, subiu feito pássaro num galho de árvore seco escorado num monte de pedra de alicerce de muro. Aí gritou: socorro! O que não foi um bom negócio: o galho, como por um susto por terem lhe tirado do silêncio, pendeu para o lado.

Foi a redenção do garoto: a boca dentuça da perdigueira alcançou a bunda de Alberto, arrancando-lhe um pedaço do calção e da nádega. Sangrando e atemorizado, o menino clamou por socorro, como num último sopro de esperança. Nem bem expeliu o grito, ouviu um assobio aflado por uma idosa. Ao que a cadela imediatamente recuou, mas sem deixar de dar uma última olhada rosnante para o menino que se equilibrava naquele galho escorado que lhe salvou a vida.

Não correndo mais risco de ser atacado, Alberto aceitou o auxílio da senhora para descer do galho e, embora machucado, teve que fazer todo o caminho até encontrar seu pai e seu tio. Contudo, haja coragem e dignidade que resistam a ter que pegar o ônibus de volta. Alberto não chorou, nem no momento de fazer os pontos no hospital, lugar onde o destino também reservou que chegasse de ônibus, mas experimentou vociferar uns nomes bem tinhosos.

Mas imediatamente percebeu o olhar de cão perdigueiro de seu pai. Assim, ciente de que não estava vivendo um dia bom, achou por bem calar-se e esperar pelo próximo sábado de pesca. A bunda já não doía mais mesmo.

Marli Teresinha da Silva
Enviado por Marli Teresinha da Silva em 02/04/2018
Código do texto: T6297772
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.