Especiarias

- Almirante!

Cristóvão Colombo ergueu a pena do papel, no qual estava escrevendo uma carta aos seus financiadores, e encarou surpreso o homem vestido de negro que acabara de chegar à entrada de sua tenda, armada na praia da ilha onde a esquadra espanhola havia aportado no dia anterior.

- Dr. Chanca... aconteceu alguma coisa?

Chanca, um homem magro nos seus quarenta anos, cavanhaque e bigodes grisalhos e entradas nas laterais da cabeça, adentrou a passos decididos e parou à frente da mesa de armar, atrás da qual Colombo estava sentado.

- Almirante, precisamos conversar...

- Tome assento - indicou o almirante, fazendo um gesto de mão para um tamborete que estava próximo de Chanca.

O médico sentou-se, encarando seu interlocutor com ar grave.

- Bem, almirante... nem sei como começar...

- Pelo começo, Dr. Chanca, pelo começo. Sabe que prezo muito as suas observações... e também a sua dedicação à esta empreitada.

- Fico-lhe muito agradecido, almirante. Mas devo assinalar que a minha dedicação vai além desta... bem, empreitada.

- Por favor, peço-lhe que fale francamente, Dr. Chanca - insistiu Colombo.

- E o farei - retrucou o médico, cenho franzido. - Esta deve ser a quarta ou quinta ilha onde aportamos e, até o presente momento, não vimos qualquer sinal de chineses ou japoneses... somente estes índios, que andam nus e parecem não dispor de qualquer grau de civilização. E onde estão as maravilhas que descreveu ao retornar de sua primeira viagem? Os rios cheios de ouro? As planícies férteis, as árvores de especiarias?

Colombo abriu um sorriso.

- Tudo ao seu tempo, doutor. Aportamos na extremidade oposta das Índias, e certamente vai demorar algum tempo até que possamos fazer contato com os reinos citados. Mas já achamos ouro...

- Muito pouco - retrucou Chanca.

- ...e essa maravilhosa pimenta da Jamaica, tão boa quanto a pimenta-preta...

O médico ergueu os sobrolhos.

- Desculpe, almirante, mas essa tal pimenta da Jamaica é muito suave para competir com a pimenta-preta. Os mercadores não ficaram muito satisfeitos com a sua descoberta, e isso não é exatamente um segredo.

Colombo inclinou o corpo para trás, avaliando com ar crítico o homem sentado à sua frente.

- Desculpe, doutor... mas onde quer chegar?

- É bem simples, almirante: partindo do princípio de que não consigamos realizar nenhum contato com os reinos das Índias e assim obter as especiarias que tem alto valor de revenda, como espera que a Coroa espanhola vá recuperar o dinheiro investido nesta viagem? Pergunto isso como seu amigo, naturalmente.

Colombo mordeu o canto da boca.

- Pois bem, Dr. Chanca, vou usar da mesma franqueza que empregou comigo: enquanto não chegamos aos reinos das Índias, creio que uma forma rápida de fazer dinheiro seria escravizando os índios. Os hostis, pelo menos.

E perante o ar de estupefação que se desenhara no rosto do interlocutor, acrescentou:

- Ou então o senhor me ajuda a apresentar a pimenta da Jamaica como uma especiaria superior à pimenta-preta.

- Desculpe, almirante, não vou defender nem uma ideia nem outra. Escravos! Não somos portugueses! Con su permiso.

E ergueu-se, indignado.

- Tem minha permissão, doutor - disse calmamente Colombo.

Ao ficar novamente só, Colombo molhou a pena no tinteiro e continuou a escrever a carta do ponto onde havia parado: "e terras belas e férteis para plantar e semear, para criar gados de todas as sortes, para edificação de vilas e povoados. Só se crê nos portos ao mar daqui ao vê-los, e nos rios vários e grandes, e nas águas salubres, a maioria dos quais traz ouro".

- [04-04-2018]