1. CAPÍTULO 2- A Vovó Encantada
Agora sim a mãe ficara realmente surpresa. Tudo bem que naquele lugar as crianças cresciam muito rápido, rápido demais! Mas falar antes de ter ouvido qualquer palavra? Isso ela nunca tinha ouvido antes. Isso não era normal, nem mesmo ali. “Normal” pensou, “mas o que tem de normal nesse lugar? O que tem de normal em tudo o que aconteceu hoje?”
Sorriu. Voltou seu olhar para o lugar onde seu filho estava. Ele a olhava com uns olhinhos assustados.
-Tudo bem mamãe? Me dá um abraço!?– disse isso e caminhou de braços abertos na direção de sua surpresa e feliz mãe.
Ele já tinha crescido mais um pouco agora. Mesmo tendo nascido a pouco menos de uma hora, já se parecia com uma criança bem desenvolvida, de cinco ou seis anos. A mãe sorriu, se sentou no chão, já estava um pouco menos cansada, abriu os braços bem no momento em que o pequeno se jogou para o abraço. Embora a mãe já tivesse tido outros filhos, aquele parecia o melhor momento de sua vida.
- Mamãe, tenho fome!!!
- Fome? – surpreendeu-se a mãe,- como você sabe o que é fome?
-Ué mamãe, saber eu não sei se sei! Mas é uma sensação diferente! Um vazio aqui! – disse apalpando a barriga.
A mãe olhava para ele e sorria. Cada vez mais feliz com o filho maravilhoso que tinha. Correu os olhos pela sua casa, que agora parecia nova e seu sorriso começou a se desfazer. Pelo que ela se lembrava, ou sentia em seu próprio estomago, não havia comida em casa.
Já ia dizer isso quando ouviu uma voz que há muito tempo não ouvia, falando de um canto, antes empoeirado, daquela casa.
-Olá minha filha! Bonito o meu netinho! Não vai dar de mamar a ele? Afinal ele pode não parecer, mas é um recém-nascido!
- Mamãe? É a senhora? Achei que já tinha desencantado e sumido de vez! Cadê a senhora que não vejo mais?
-Estou aqui no mesmo canto, eu não ia embora antes de ver esse dia. Meu neto! De a ele o peito minha filha, temos muito o que conversar, grandes mudanças começaram.
O menino olhava, ora pra mãe, ora para o canto da parede, mas não demonstrava medo ou espanto, em seu rosto podia se ver talvez curiosidade. A mãe tirou seu seio esquerdo e aconchegou a criança ali, receosa de que não tivesse leite, visto que ela mesmo não se alimentava direito.
 A criança fechou os olhos e segurou o seio da mãe. Tão logo as pequenas mãos a tocaram, a mãe se sentiu estremecer, sentiu uma força e uma energia fluindo por todo o seu corpo. A fraqueza a abandonou e ela se sentiu como se estivesse bem nutrida e alimentada, percebeu que a criança sugava e encontrava alimento. Olhou com ternura para a criança, seu filho, que amamentava, e percebeu que, assim de olhos fechados, ele ainda parecia um bebe. “Afinal” pensou, “ele é mesmo um bebê!” Sorriu e olhou para o canto de onde a voz de sua mãe encantada vinha. Notou um vulto sentado no chão. Sim, era a sua mãezinha.
Nessa terra, as mães tinham esse dom, não morriam, ficavam encantadas. Ficavam morando em um canto da casa onde tinham vivido para fazer companhia às filhas. Visto que os homens quase nunca permaneciam na cidade. Muitos partiam, procurando algo melhor. Só que se esqueciam de como era difícil voltar. Aquele lugarejo só tinha uma estrada, um único caminho, e era um caminho de sair da vila. Ninguém tinha feito um caminho de volta ainda. E como o povoado tinha mania de mudar de lugar, se tornava quase impossível voltar. Talvez os homens não voltassem por que a vida era mais fácil nos outros lugares, ou simplesmente não conseguiam mesmo voltar. As mães encantadas ficavam ali, assistindo a solidão das filhas, por vezes conversavam com elas, esperando por algo que não sabiam bem o que era. Se filha tivesse apenas filhos homens, as mães encantadas faziam companhia até a morte das filhas, quando elas escolheriam se ficariam encantadas esperando os filhos que nunca voltavam, ou se seguiriam. Mas quando vinham mais filhas, era possível em uma casa ter várias gerações encantadas. O que tornava muitas vezes, mais triste a solidão daquelas casas.
-Por onde andou mamãe? Eu pensei que a senhora tinha seguido!
-Não minha filha, eu não vou seguir, pelo menos não por enquanto, mas andei passeando, conversando com outras encantadas. Nós notamos que há algo diferente acontecendo. Talvez as coisas melhorem enfim!
Mal terminara de falar e um trovão ressoou, fazendo-as lembrar de que ainda chovia. O menino ainda mamava, alheio a tudo.
-Sabe mamãe, é fácil esquecer de que ele ainda é um bebe! Um recém-nascido! Olha só para ele! Tão grande agora! E nem fazem duas horas que ele nasceu!
-Mas é assim filha, senão eles não sobreviveriam, e ele deu sorte que você tem tanto leite! É raro! Mas deve ter algo haver com todas essas mudanças! Você viu como está chovendo? E a festa lá fora? Estão todos comemorando a chuva. Dizem que até um pássaro apareceu e cantou. Ele entrou aqui não foi?
-Foi! Entrou e foi direto para meu filho, que estava no canto da parede, andando e recém-nascido! Aí aconteceu algo estranho! Lindo, mas estranho! Uma luz dourada, e tudo mudou de cor, como se estivesse se renovando. Até o pássaro. Isso é bom mamãe?
-Quem sabe filha? Mas não vamos falar disso. Não agora. É muita coisa pra um dia e ainda é de manhã! Mas aconteceu uma mudança, algo como há cem anos, lembra das histórias? A árvore ainda está lá, como testemunha. Muita coisa está mudando e eu temo.
A criança remexeu, chamando a atenção da mãe e de Encantada, que era agora avó!
-Mamãe, tô tão cansado! O que a gente faz quando tá assim?
A mãe sorriu! Ela sempre sorria ao olhar para o filho. Ele tinha crescido, mas ainda era uma criança, tinha muito o que aprender.
-É só ficar quietinho meu bem, vou te embalar. – ela se ajeitou e tomou o filho nos braços. –Nossa! Do jeito que você cresce daqui a pouco não vou te aguentar mais.
Ele sorriu e apertou as mãos nas dobras da roupa da mãe. Ainda sorrindo, adormeceu.
Adormeceu sem se preocupar com tanta coisa que tinha mudado, sem se dar conta, aliás, de que muita coisa ainda mudaria.
E, o mais importante, adormeceu sem saber que todas essas mudanças estavam ligadas a ele, ao seu futuro.
Afinal, crescido ou não, ele não passava de um bebê.
...
Aquele Que Deve Ser Vencido estava furioso agora. Não olhava mais para o seu espelho mágico, o Espelho Que Tudo Mostra, olhava pela janela.
-Aqueles idiotas! Não acharam o lugar! Nem parece que vieram daquele mesmo lugar! Mas é claro! O Caminho de volta. Ninguém nunca entrou lá! Só saíram.
Continuou olhando pela janela. Seus olhos de tempestade refletiam o caos que tomava conta de seu íntimo. Nada mais em seu rosto mostrava isso. O sorriso frio ainda estava lá. Pensava quanto tempo a criança levaria para partir. Conhecia as particularidades daquela terra. Seus mensageiros estavam espalhados por toda a extensão da Estrada Para Todos os Lugares, o único Caminho possível.
-Só espero que eles encontrem o menino rápido.
Sentou-se novamente a contemplar o seu espelho.