Pero si, Pistoleiro!

Escorado numa das palmeiras imperiais bem ao lado do prédio da prefeitura, cofio o bigode com a mão esquerda, enquanto a outra acaricia a coronha do Colt 45. Meus olhos abarcam toda a extensão da Rua do Comércio. Vejo o tumulto que se forma no lado de cima da rotatória, um pouco acima do Poleiro da Prefeita. Há gente correndo para tudo que é lado. Por quê Brasil Novo não fora dormir. Será que nesta porcaria de cidade todos resolveram vir a agência neste exato momento, tão tarde da noite? Ouço gritos, ameaças, pedidos de clemência. Os curiosos aparecem como moscas; povoam as calçadas, aboletam-se em todos os lugares possíveis como se fossem assistir ao filme Os Vingadores, Guerra Infinita.

Os caras estão lá, eu os vejo e penso que não se fazem ladrões de bancos como antigamente. Cadê a garrafa de tequila contrabandeada de Sonora que bebiam em goladas rápidas antes da entrada triunfal do implacável xerife? Cadê seus cavalos? E suas grossas calças de vaqueiro? Os cintos repletos de balas, os coldres baixos para facilitar o saque? Esses, estão em picapes de luxo e usam até terno e gravata. Devem ser até bem cheirosos e de unhas manicuradas. Não deviam feder, ter cara de maus elementos, olhos amedrontadores? Esses caras conspurcam a atmosfera do velho oeste... Onde já se viu?

Mas são maus, muito maus. No prédio da Farmácia Popular, uma donzela de baby doll vermelho que assiste aflita à cena macabra sabe desse detalhe e faz sinais para eu intervir. Digo que não. Não é por medo, nem covardia. Fico pensando que a impaciência é mesmo um dote feminino. Maria também não pediu também a intervenção de seu filho Jesus na bodas de Caná? Como o Mestre, faço-a entender que minha hora ainda não chegou. Ela faz um gesto de impaciência e continua na sacada do seu prédio extasiada com aquele cenário de terror.

Os assaltantes entram na agência. Fazem três populares de reféns, mas dois deles são logo libertados. Fica em seu poder uma mulher grávida. Canalhas! Ouço tiros por todos os lados. A bagaceira maior é aqui, na praça Geraldo Barbosa e lá no destacamento de polícia, diz um sujeitinho desengonçadamente amarelo. Que ousados! Cercaram o bangalô dos homens das botas pretas e tacaram tiros muro adentro, continua babujando o sujeitinho amarelo. Concordo com ele e peço que vá. Ele senta no meio-fio e fica abismado com o tamanho do meu revólver. Fazendo sinal com a ponta do punhal com que pico fumo para enrolar um cigarro, eu insisto para que se vá. Teima o peste, de modo que não tenho outra alternativa senão sacar a arma com uma velocidade incrível, rodá-la no indicador e deixar cair numa ação vertiginosa para dentro do coldre. Tenho os olhos de gelo, ou de aço, sei lá... Após minha demonstração de destreza, ele rala peito. Eu não sou mesmo um pistoleiro incrível?

Ouço um estrondo. A quadrilha está detonando os caixas eletrônicos, arrebentando o cofre, levando o dinheirinho dos funcionários públicos. Os tiros continuam. Uma velha moto vira da Duque de Caxias a toda velocidade, mas é abatida por um tiro de metralhadora disparado pelo assaltante que está do lado de fora do prédio do Banco do Brasil e fica ganindo como um cachorro atropelado até o motor dar seus últimos resfolegos. O piloto não quer esperar pelo segundo disparo e põe sebo nas canelas. Eu, do meu ponto de observação, fico matutando o desenlace daquela comédia de mal gosto.

Calculo o tempo que os larápios estão dentro da agência a destruir a única unidade bancária da cidade. Dou as últimas baforadas no cigarro, saco a arma, reviso tambor, reajeito a mira, apalpo as balas no bolso interno da jaqueta de brim grosso e encardido. Desço a rua devagar. É hora de agir. A moça de baby doll sorri, faz um gesto de positivo com o polegar para mim. Com as mão digo a ela que não deve ficar exposta. Pode levar uma bala no cachaço. Ela, em troca, faz um gesto ofensivo. Penso que se tivesse tempo, subiria aquelas escadas lhe ensinaria a respeitar um homem mal intencionado como eu, com muitos beijos, é claro. No final do entrevero osculante, ela pediria de joelhos que eu dormisse com ela, posto estar fazendo muito frio.

Tenho que retornar. Diabos, como posso haver esquecido minha “jararaca”? Atravesso a rua, arranco o rifle Winchester 22 da sela do meu cavalo que está amarrado no esteio da oficina de motos. Reviso, está em ordem. Vejo que o bandido vigilante da rua entrou no interior do prédio. É a minha deixa. Antes de descer a rua, dou uns tapinhas carinhosos na anca de meu alazão. Ele está calmo como sempre, pois já é de costume ver seu dono afrontar o perigo com uma arma na mão. Nessas andanças por muitas cidades do Oeste bravio, em jogos de cartas, bebendo em saloons, seduzindo mulheres, pleiteando duelos e mortes é, e sempre foi, meu companheiro leal.

Os curiosos que ficaram na calçada no outro lado da rua começam a se dispersar quando me veem passar. Não sabem de onde venho, mas atinam que sou um perigo ambulante. Tenho os nervos retesados, os olhos injetados de ódio, a cara endurecida pela fúria incontida. Os ladrões estão deixando o prédio. Carregam sacos de lona. Os três primeiros estão displicentes, ligados em seus respectivos aparelhos de telefonar. (Como é mesmo o nome desses trecos?) Antes que cheguem à picape, corto-lhes a passagem e solto um grito de trovão.

“Perderam, playboys!”

Com minhas pernas levemente arqueadas, as mãos separadas do tronco e os dedos abertos, eu sou a imagem viva do western, uma espécie de John Wayne dos trópicos, pronto para ir às armas, mas os assaltantes, movidos pela surpresa, deixam cair o produto do roubo e tentam me surpreender. Abato-os com três tiros certeiros. Vejo o sangue abundante escorrer pela calçada. O bandido de trás, vendo-se impossibilitado de usar a submetralhadora, uma vez que está encalacrada nas costas, saca da pistola e ameaça detonar a mulher grávida (dizem que é funcionária do banco), pressionando sua têmpora com o cano da arma, mas não lhe dou a menor chance de continuar com a representação. Uma bala do voa do meu rifle, rebenta-lhe o crânio, espatifando sangue e massa encefálica pela roupa imaculada da jovem senhora. Ela sai gritando para o marido que aparece do nada.

Resta um. Está dentro da agência. Eu me refugio atrás do poste e o ouço disparar contra o vidro da agência repetidas vezes, em rajadas frenéticas até o esgotamento da munição. A fachada do prédio está em escombros. Ele não tem saída e sai devagarinho com as mãos para o alto. Tenho ódio daquele infeliz e sem perda de tempo, jogo-lhe uma pistola que fora de seu comparsa. Vamos a um duelo. Explico as regras, porém creio que não tenha prestado a menor atenção, já que treme descontrolado. Ele está na rotatória; eu dez passo acima. Preparo-me. Limpo o suor do rosto. Será nervosismo? Rio do desproposito que é esse meu velho namoro com a morte. Conto um, dois... quando me preparo para gritar três...ouço um estridente.

“Ramiro!”

As pernas distendem e meus pés não encontram apoio no galho do tamarineiro. Tomado pelo espanto, vou caindo, caindo até encontrar uma cama de folhas secas que cobre o chão. Arranhado não choro, mas quero. Antes de entrar no banheiro com o kit de primeiros socorros, ouço minha mãe dizer.

“Beraldo, esse moleque não pode ser meu filho, é sonhador demais pra um menino de onze anos, sabia?!”

ELMANO ARAUJO
Enviado por ELMANO ARAUJO em 03/05/2018
Código do texto: T6326241
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