Era verão de 1926...

Era verão de 1926, dormia tranquilamente quando fui acordada por mamãe, praticamente arrancando-me da cama, sem dar muitas explicações, pediu que arrumasse algumas mudas de roupa. Sem entender o que acontecia apenas obedecia, não consegui comer nenhum alimento, ela entregou-me um pão que havia feito naquela manha, beijou-me na testa, deu-me um abraço apertado como nunca dera antes e apenas me disse... ”Que Deus lhe acompanhe e proteja, nunca olhe pra trás, faça o que tem que fazer para que possa sobreviver...”Não entendi muito as palavras de minha mãe, e subi em um carro com algumas pessoas desconhecidas e partimos rumo para algum lugar. Minha mente estava confusa, não sabia o que estava acontecendo, para onde estávamos indo, andamos por muito tempo, praticamente duas noites e três dias, eu havia adormecido no carro, quando acordei, havia apenas mulheres comigo, quando de repente, paramos e fomos orientadas a descer e entrar em uma casa.

Estávamos em uma casa modesta, com uma senhora muito agradável, pudemos nos alimentar e tomar um banho já que estávamos dias viajando, e foi nessa casa que descobri o verdadeiro motivo daquela fuga, estávamos em Guerra. Apos o banho já com roupas limpas, escutamos bater na porta, ficamos todas acuadas, pois a partir daquele momento estávamos em alerta máximo. Era uma senhora já idosa, alta, de olhos fortes e verdes, trazendo uma trouxa enorme de roupas, quando abriu, eram vestes religiosas, fomos obrigadas a nos vestir , deixando para trás todas as nossas bagagens e fomos orientadas que ao passássemos por aquela porta, seriamos outras pessoas. Fomos divididas em duas turmas, quando dei por mim, já estava dentro do convento ,sem opção de escolha, adentrei-me naquele lugar de extrema oração e trabalho árduo. E o tempo passa...

Não posso negar o meu sofrimento no inicio, acordar as quatro da manha, horas e horas de oração, trabalho pesado na lavoura e atendimento aos carentes, íamos varias vezes a cidade para entregar alguns alimentos e cuidar dos pobres. Já havia perdido a noção do tempo que estava naquele local, eu que nunca fui muito de oração, já não ligava tanto, ate me acostumava com alguns hábitos, a única coisa que mais me incomodava eram os banhos gelados e acordar as três da manha quando eu estava escalada para fazer o café da manha. Ouvi os rumores da guerra, que estava cada vez pior, mas parecia que ali naquele lugar demoraria a chegar alguma tropa inimiga, realmente estávamos gratas, pois parecia que aquele lugar, mesmo com as dificuldades estava esquecida no mapa.

Minha sorte deste pensamento não durou muito tempo, em algumas de nossas idas para cuidar dos doentes, avistamos tropas inimigas chegando em nossa cidade, corremos fizemos nossa entrega e carregamos um dos doentes conosco, para dentro do convento. Quando chegamos fomos repreendidas pela Madre, pois ali nunca entrara ninguém, sem que fosse convidado, apenas sacerdotes, entregadores e ninguém mais. Mas quando ela nos viu com o doente, já entendeu que a guerra estava entre nós, colocamos o rapaz, que tinha uma feria aberta enorme na perna, em um dos quartos, bem afastado de nós, mas dentro das dependências do convento. Reforçamos as portas, guardamos parte do alimento em um esconderijo, pois sabíamos que na guerra havia muitos saques, e tivemos a orientação de não sair daquele convento em hipótese nenhuma.

Do convento altas horas da noite, dava pra ouvir alguns gritos, tiros. Ficava apavorada, pensava em mamãe, como ela estaria o pappi, mas essa angustia não me deixava dormir tranquila, nenhuma oração seria suficiente para acalmar meu ser. Não conseguiria ficar ali ,naquele lugar trancada, escutando aqueles gritos terríveis, praticamente aguardando a morte chegar, era desesperador, saí pra fora do quarto... dava pra ver queimadas por vários cantos da cidade, retornei para o esconderijo de comida da madre, fiz uma trouxa de comida pra mim e resolvi fugir. Queria sair daquele lugar, logo atrás do convento havia um morro com algumas plantações , um muro enorme, não tinha a mínima ideia por onde conseguiria fugir, lembrei-me de que em um lado do muro, passava um córrego pequeno, que cortava uma parte do convento, corri para lá, com a esperança de conseguir passar por ele e fugir. O espaço não era grande, mas o suficiente para conseguir passar, cuidei de não molhar meu pão e passei,... corri, corri tanto que não sabia para onde estava indo, também não fazia diferença alguma, já não possuía identificação nenhuma, nem mesmo meus cabelos não existiam mais, eram cortados constantemente pelas irmãs.

Consegui passar por alguns vilarejos e cheguei a uma cidade maior, próxima a LUX , quanto mais eu avançava rumo a cidades maiores , era maior a devastação, os alemães estavam invadindo e destruindo tudo. Graças as minhas vestes consegui nesta fuga, a ajuda de varias pessoas para me esconder, mas foi em uma dessas fugas que vi a morte de perto, estávamos em busca de alimentos, quando uma tropa de soldados estava fazendo buscas a pé, foi questão de segundos, me joguei numa vala que tinha próxima a rua, jogando terra sobre mim, tentando me esconder, meu coração parecia sair pela boca, tentava não respirar os soldados passaram tão próximo, rente a mim quase pisoteando-me...parecia que um deles estava prestes a me cutucar para ver se eu estava viva.

Foi nesse momento que uma mulher, alta com cabelos loiros e traços fortes chamou a atenção deles falando uma língua que eu não entendia. Nesse instante minha alma volta para o meu corpo, parece que mal podia sentir minhas pernas pelo susto e por me jogar tão rapidamente naquela vala, depois dei por mim que estava acompanhada de varias pessoas, crianças, idosos mortos... meu desespero foi tanto que não tinha dado conta onde estava me jogando. Levantei-me meio cambaleando, tentando recobrar forças nas pernas, veio uma senhora me puxando arrastando-me para ir com ela, eu meio desnorteada com aquele cheiro horrível, resolvi acompanha-la, achando que ela estava buscando ajuda. Passando em meio a uma casa totalmente destruída, em meio os escombros, havia um cômodo intacto, ela tinha algo em uma garrafa que parecia agua, ela me deu um gole...não era agua, era vodka, aquilo desceu queimando minhas entranhas, ela disse, perdoe-me e só o que consegui pra hoje, puxou uma caixa cheio de roupas velhas e disse, bem isso deve te servir, e disse...”é melhor trocar esta roupa, religiosos não são bem vindos, os que restavam próximos a nós foram praticamente todos exterminados”.... Era uma roupa meio estranha, parecia algum uniforme, eram calças engraçadas, bem largas para meu corpo, depois ela me disse...com esta roupa, eles não podem te machucar...quando sair, pegue um pouco de sangue e passe em suas roupas e sujeita também para que eles não desconfiem de você. Meu deu um pedaço de pão duro, enfiou pelas calças, ofereceu-me um gole daquela bebida, mas achei melhor não aceitas e disse...”Agora vai....Você é jovem demais para morrer, eu já vivi o suficiente...”. Até aquele momento eu não havia questionado ou ate mesmo perguntado nem sequer o seu nome, apenas resolvi perguntar se sabia algo do convento onde eu ficara, pois era bem conhecido por cuidar de todos doentes pelos arredores. Ela simplesmente olhou em meus olhos, os dela ficaram transformados naqueles instante, ficando duros e frios, e relatou me que as religiosas foram violentadas, exterminadas o convento foi todo saqueado e depois queimado. Eu por alguns instantes eu petrifiquei pois pensei ,se foi naquela noite da minha fuga que aconteceu tudo aquilo, mas não podia ficar ali parada, aquela senhora que mal me conhecia começou-me a empurrar-me pra fora de sua casa ou o que restara dela e apenas disse-me “boa sorte”.

Naquele instante lembrei-me de mamãe, falando que era pra não olhar para tras, aconteça o que acontecer e fazer de tudo pra me salvar... eu parada no meio daquele caos onde só havia dor e destruição. De repente fui surpreendida por dois soldados a minha frente, pegando-me pelos braços falando comigo, minha alma fugiu pelo meu pés, pensei...e agora? eu não falo a língua deles...tive a reação imediata de apontar para meus ouvidos fazendo uma negativa...com a esperança deles acreditarem que eu não estava escutando, devido a alguma explosão. Eles então fizeram gestos para acompanha-los.

Bem agora fugir não podia mais, pelo jeito a roupa que aquela senhora desconhecia me deu, me salvara pelo menos por alguns instantes e segui sem rumo com aqueles soldados ,acreditando que eu era uma enfermeira da tropa aliada a eles e seguir junto daqueles, que eu mais temia encontrar. De certa forma parecia que algo ou alguém estava tomando conta de mim.

Pekena Rosa

Pekena Rosa
Enviado por Pekena Rosa em 23/08/2018
Reeditado em 20/07/2020
Código do texto: T6427598
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