Capitão do mato

O negro alto de chapelão na cabeça e poncho, entrou no casarão branco, com janelas e portas pintadas de preto, arrastando um outro negro por uma corda amarrada ao pescoço. O cativo vestia apenas calças de algodão barato e tinha as mãos amarradas atrás das costas. Ao ver a dupla entrar, um escrivão ergueu-se da mesa à qual estivera sentado.

- Vim entregar um escravo fugido - anunciou o homem do chapelão.

- E quem seria esse? - Indagou o escrivão.

- Rufino Benguela, fugido da fazenda Santa Rita.

O escrivão folheou o livro de ocorrências sobre sua mesa.

- Rufino Benguela... baixo, corpulento, cerca de 30 anos de idade... um sinal como de uma moeda de um vintém na panturrilha esquerda.

E fazendo um sinal para o escravo:

- Vire-se.

A ordem foi obedecida a contragosto, e o homem do chapelão levantou a perna esquerda da calça do fugitivo, para exibir a marca de nascença.

- Certo... então é ele - avaliou o escrivão. - Mas por que não o levou diretamente à fazenda Santa Rita?

- Porque o fugido alegou maus-tratos nas mãos do seu senhor, e pediu-me que o trouxesse a polícia.

- E você acatou o pedido? - Indagou intrigado o escrivão. - O que ganha com isso? Talvez o proprietário não queira pagar a recompensa fora do seu domicílio, ou alegue que a captura foi feita pela polícia, para não ter que lhe dar a justa paga.

- Vosmicê tem razão - assentiu o homem do chapelão.- Mas ouvi o relato do fujão e vou esperar lá fora, até que o proprietário chegue. Quero ver se ele é macho de não me pagar, na presença da polícia.

E encarando Rufino:

- Ele me contou coisas sobre seu senhor, que aposto que lhe valeriam o degredo.

- Isso veremos - retrucou o escrivão. E conduziu o fugitivo para uma cela vazia da cadeia.

Horas depois, ao chegar a cavalo, o fazendeiro proprietário de Rufino estranhou a presença do homem do chapelão ali.

- Foi ele quem capturou seu escravo. Está esperando para receber a recompensa... e também para ser testemunha de defesa do fujão contra vosmicê.

- Testemunha de defesa? - O fazendeiro ficou lívido.

- Quer que enumere os seus crimes na presença da polícia? - Indagou o homem do chapelão.

O fazendeiro preferiu não arriscar. Pagou os 100 mil réis prometidos como recompensa e saiu conduzindo o escravo, corda ao pescoço, a outra ponta presa à sela do cavalo.

- [11-10-2018]