O Conselho do Rei

Antes de retirar-se, a rainha pediu novamente desculpas ao abade Dunstan pela cena embaraçosa que ocorrera durante a cerimônia de batismo do pequeno Aethelred.

- Nunca passei vergonha maior em toda a minha vida, abade - disse a nobre senhora, de cabeça baixa.

- Acontece nas melhores famílias, majestade - ponderou Dunstan com um sorriso simpático. Fez o sinal da cruz sobre ela, e declarou em tom solene:

- Dominus vobiscum!

- Amém - respondeu a rainha, persignando-se.

Ao ver-se novamente sozinho na secretaria do mosteiro de Glastonbury, o abade fechou a cara. E estava assim quando o monge Egbert entrou no aposento.

- Devemos nos preocupar, abade? - Indagou sem delongas o monge.

Dunstan o encarou em silêncio por alguns instantes. Finalmente, declarou em tom fúnebre:

- Se esse menino vier a se tornar rei da Inglaterra, temo por todos nós.

- Rei ou plebeu, eu nunca havia visto uma criança defecar na pia batismal durante a cerimônia... - disse Egbert.

- Sou mais velho do que você e tampouco presenciei tal cena... até hoje - retrucou Dunstan. - Espero estar enganado, mas há uma grande probabilidade de Aethelred ser derrubado, caso venha a reinar.

* * *

E antes da reunião do Conselho do Rei começar, um grupo de tanos discutia em voz baixa as possibilidades abertas com o fim das hostilidades contra os dinamarqueses.

- Então, vamos ter um rei dinamarquês... - comentou o tano Aethelnoth.

- Fomos invadidos, derrotados, conquistados, e o covarde do rei Aethelred fugiu para a Normandia; que outra opção acha que temos? - Indagou irritado o tano Hrothsige. - Pelo menos, o rei Sweyn é um bom católico e não defecou na pia batismal!

- Se eu fosse Aethelred também fugiria - declarou o tano Eadwulf. - Com tantas decisões desastrosas que tomou nos últimos anos, inclusive mandando massacrar os colonos dinamarqueses, a popularidade dele andava bem baixa, mesmo entre nós, seus súditos. Que venha o rei dinamarquês, e faça um bom governo.

- Todos de acordo? - Indagou Aethelnoth.

- Viva o rei Sweyn! - Exclamou Hrothsige.

* * *

Aethelred, o velho rei deposto, caminhava solitário por uma praia da Normandia, imerso em seus pensamentos, quando viu três homens vindo em sua direção. Parou, apreensivo - e mais apreensivo ficou ao ver quem eram.

- Aethelnoth, Eadwulf e Hrothsige? O que fazem aqui, no meu exílio?

Os três nobres curvaram-se em saudação perante o soberano destronado.

- Salve, ó rei dos ingleses! - Exclamou Aethelnoth.

- Ex-rei dos ingleses - corrigiu Aethelred.

- O rei Sweyn está morto - anunciou Aethelnoth.

- Os dinamarqueses já declararam o filho dele, Cnut, como o novo rei - declarou Eadwulf. - Mas, quer saber, majestade? Fora os dinamarqueses, ninguém gosta de Cnut.

- E então, nos lembramos do nosso velho rei... - acrescentou Hrothsige. - Desde que ele tenha aprendido algumas lições sobre ouvir o seu Conselho, acreditamos que merece uma segunda chance.

Aethelred encarou Hrothsige surpreso.

- O Conselho do Rei me quer de volta?

- O Conselho do Rei pode oficializar a sua volta, majestade, se estiver disposto a seguir nossas orientações - declarou Hrothsige. - Particularmente no que toca a revogação de certas leis injustas que aprovou.

Aethelred estava radiante.

- Prometo ser o melhor rei que jamais tiveram! Desde que todos me jurem lealdade e me ajudem a expulsar os dinamarqueses da nossa terra, para sempre!

Os três tanos se entreolharam, e afastaram-se alguns metros para confabular.

- Por aqui, acho que está tudo resolvido - discorreu Eadwulf. - Mas talvez seja mais prudente que o rei mande um representante, para apresentar seu pleito diante dos altos dignitários da Inglaterra. Causaria melhor impressão do que meramente voltarmos e dizer que sua majestade concorda com nossas condições.

- Faz sentido - aprovou Hrothsige. - Mas quem iríamos mandar?

- Que tal o príncipe Edward? - Sugeriu Aethelnoth.

- É só um garoto - atalhou Eadwulf.

- Mas, ao menos é um bom católico, pelo que ouvi dizer - sussurrou Hrothsige. - E certamente não defecou na pia batismal!

- Isto ao menos nos garante que, caso suceda ao pai, não será destronado - ponderou Aethelnoth convictamente.

- Que seja, então... todos pelo príncipe Edward? - Indagou Eadwulf.

Os três tanos sacaram suas espadas e as fizeram entrechocar-se no ar.

- Pelo príncipe Edward! - Gritaram em uníssono.

- [19-10-2018]