1085-KOROWAI - 1a. parte

Ela acordou como quem vem à tona de um mergulho em águas profundas. Respirou fundo, através do inalador de oxigênio instalado em suas narinas. Sentiu-se tranquila. Olhou ao redor: paredes brancas, aparelhos de monitoramento ao seu lado. Estava deitada de costas, em uma cama de roupas muito alvas e leves. Teve a sensação de estar flutuando sobre nuvens.

Um primeiro pensamento ocorreu em sua mente.

Ai, meu Deus, será que morri? Estou no céu?

Mas logo outra sequencia de interrogações se seguiram à primeira:

Estes aparelhos...esta cama diferente da minha no apartamento... onde estou...?

Parece que seu despertar havia disparado um aviso, pois naquele momento a porta foi aberta e por ela entrou uma enfermeira que, com passos firmes, se dirigiu ao leito onde ela se encontrava, cortando a linha de suas interrogações silenciosas.

— Bom dia, dona Suzana. Como está?

Suzana. Então era seu nome. Forçou a mente para ligar o nome à pessoa, mas não lhe ocorreu uma imagem de como seria a Suzana.

Respondeu, ouvindo sua voz que saia com certa dificuldade.

— Bom dia. Onde Estou? Porque estou aqui?

— Vamos devagar, devagar, minha querida. A senhora está acordando de um sono muito profundo, e suas ideias ainda devem estar confusas. Não se preocupe, Todos seus órgãos estão funcionando bem, pressão normal, está tudo sob controle.

— Onde estou, onde estou? Que...?

— Não se assuste. A senhora está em um hospital. Tudo já passou. Agora é recuperar-se para voltar à sua vida normal.

— Tudo já passou? O que aconteceu comigo...?

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Ao saber que Suzana já havia chegado à cidade e estava internada no Hospital Bom Samaritano, o melhor da capital do Estado, fui visitá-la e não consegui vê-la.

— A doutora Suzana está repousando e nada deve incomodá-la. — Informaram-me sucintamente na portaria do Hospital. Por dez dias consecutivos fui ao hospital e obtive a mesma resposta. Nenhuma explicação ou informação mais precisa me foi dada.

Amigos de infância, estudamos juntos até o ingresso da universidade. Eu fui para a arquitetura e ela foi para a antropologia. Nossa amizade era muito forte, uma amizade especial. Encontrávamo-nos constantemente mas depois que nos formamos, seguimos rumos diferentes devido ás profissões que elegêramos.

Porém, sempre acompanhei suas atividades de antropóloga. Dotada de uma energia incrível, era amante de aventuras, de selvas, de conhecimento acerca de tribos isoladas nos rincões remotos do planeta.

Não demorou muito e passou a chefiar expedições de estudos e pesquisas cada vez mais importantes e mais distantes de nossa velha e boa Curitiba, onde me fixei e onde ela também residia, apesar de pouco tempo viver na capital. .

A expedição mais recente conduzida por Suzana — Doutora Suzana Helena Cordobal — estava sendo patrocinada pela UNESCO e a levara a passar meses na Nova Guiné, entre os selvagens Korowai. conhecidos como “índios das árvores”.

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Somente no décimo primeiro dia de minha insistente demanda em visitá-la é que me foi permitido o ingresso ao seu quarto no hospital.

A enfermeira que me guiou até o seu quarto, numa ala exclusiva e acesso restrito, me advertiu:

— Ela está com a memória fraca, e é presido que o senhor compreenda...

— Sim, somos antigos amigos e pode ter certeza que a tratarei com muito carinho — respondi.

— E a visita só pode durar meia hora, não se esqueça.

Ao entrar no quarto, minha primeira impressão foi o susto que levei ao vê-la deitada na cama.

— Suzi! Querida amiga, como está?

Antes que ela me respondesse, notei como estava magra, olhos profundos, os cabelos cortados curtos (ela que tinha uma linda cabeleira negra de noite sem lua), manchas pelo rosto. Mas nos olhos castanhos a chama de energia que, de tão forte, parecia tangível.

— Bom dia. — ela me respondeu com uma voz que não era a mesma suave e melodiosa. — Suzi ... Suzana ... Estão sou Suzi... e você, quem é?

Outro susto. Ela não se lembrava de mim, seu melhor amigo!

— Sou o Cláudio... o Claudim, como você me chamava;

— Ah, sim... Claudim.

Ela fingiu se lembrar, mais tenho certeza que não.

Então iniciamos um diálogo meio que surrealista. Eu falando de fatos que havíamos vividos juntos, de coisas que era de nosso comum conhecimento, e ela perguntando “quem era fulano?” ou “quando foi que isso aconteceu?”.

Ela estava confusa. Pouco se lembrava de sua vida pregressa. Recordava de alguns fatos recentes, principalmente ao tempo em que viveu entre os índios Korowai.

Mas estava consciente de seu estado de saúde e me confessou:

— Minha cabeça é um é um caleidoscópio de imagens, de cenas dos Korowais e de todo o mundo. Tudo se atropela e se confunde, vou acabar ficando louca.

— Não, não vai não. Vou ajudá-la a colocar tudo em ordem nessa cabecinha de aventureira.

Escutei uma batida de leve na porta, e logo apareceu a enfermeira que me havia conduzido até Suzana.

— Perdão, senhor, mas o tempo de sua visita já passou.

Dirigi-me à Suzi, quer dizer, à Suzana, e apertando suas mãos entre as minhas, prometi:

— Voltarei amanhã. Não se preocupe. Você vai se lembrar de tudo.

Ela sorriu para mim, exibindo os lindos dentes que eu tanto admirava.

A doçura de seu sorriso era a mesma.

Saí pensando o que fazer para trazer Suzi de volta à realidade.

Continua- CAP. 2:CONTO 1086

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 4 de agosto de 2018.

Conto # 1085 da série INFINITAS HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 11/12/2018
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