1102-KOROWAI - 5A. parte

Rau-Jil, o carregador mais esperto, amarrou a maca numa ponta de um cipó que subia até a cabana aérea. Era uma lona de dois metros por cinquenta centímetros de largura, com dois fortes varais laterais. Deus um puxão no cipó, sinalizando que a maca já estava amarrada e pronta para ser elevada. Galeano imediatamente puxou o cipó e em poucos segundos a maca estava estendida no chão, ao lado da debilitada Suzana.

Com muito, muito cuidado, Galeano e Arlete colocaram Suzana na maca e a levaram para a beira da plataforma. Galeano procurou cipós para fazer uma estrutura que permitisse descer a maca com Suzana até o solo. Foi arrancando cipós da amarras da casa, com reclamos de Rangu-Kalan, que via a sua casa desabar a qualquer instante, tanto foi a quantidade de cipó que Galeano tirou para amarrar Susan à maca e esta aos cipós que desceriam até o solo. Em poucos minutos a maca estava fortemente amarrada de forma a manter a posição horizontal, e foi descida. usando-se cipós, com segurança, até o chão.

A preocupação de Rangu-Kalan quando viu o homem branco arrancar os cipós de sua morada, era justificada. A choça começou a balançar perigosamente. A plataforma já havia sofrido danos com os pesos extras de Galeano e Arlete, que, preocupados com a remoção de Suzana, não escolhiam lugar para pisar, e causaram diversos buracos no chão.

Quando Arlete e Galeano começaram a descer as escadas, estas não aguentaram e se arrebentaram. Seguraram em outros cipós e ajudados pelos companheiros embaixo, chegaram ao solo. Mas Rangu-Kalan e duas mulheres que estavam lá em cima não tiveram tanta sorte, pois a construção começou a se desfazer, caindo aos pedaços. Primeiro foi a cobertura, que, ao cair, proporcionou uma espécie de almofada, sobre a qual pularam os três habitantes, Em seguida, veio abaixo o restante, enquanto todos fugiam para os lados. Os carregadores pegaram a maca com Susana e saíram rapidamente da área de perigo, bem como os demais participantes da expedição de resgate.

Lá no topo dos troncos aparados nada ficou. Os troncos permaneciam como postes desnudos de folhagem, testemunhas de uma tragédia que teve um tanto de comicidade.

Por determinação da doutora Arlete os guias descansaram a maca em um pedaço de terreno limpo e sombreado. Examinou novamente a doutora Suzana, que se mexia. Limpou seu rosto e pescoço, lavando as feias marcas de sangue, que não cobrim nenhum ferimento. Deu-lhe um pouco de água, que a doente bebeu com vontade.

— Só um pouco, por enquanto. Esse sangue seco deve ter saído de seu nariz.

E dirigindo-se a todos:

— Nossa volta vai ser bem lenta. Temos de ter muito cuidado com ela.

Puseram-se a caminho. De meia em meia hora, Arlete fazia com que os carregadores parassem e verificava o estado de Susana. Dava-lhe mais água. Só daria algum alimento quando chegassem ao acampamento.

Entardecia. Preocupados com a chegada da noite, resolveram que continuariam caminhando á noite, pois o estado de Susana não era de se esperar por horas de paradas.

Lentamente seguiram os sete homens e as duas mulheres que constituíam a missão de resgate da doutora Susana. Desceu a noite. Um guia, habilidoso, fez um tipo de archote, e foi à frente da coluna. Todos os membros da expedição revezavam-se no carregar a maca. Chegaram ao acampamento no inicio da madruga, por volta da uma hora.

Um alvoroço no acampamento: os que ficaram queriam informações, os que chegavam queriam armar logo uma tenda que funcionaria como quarto hospitalar para Suzana.

Homens de experiência, fortes, decididos e mulheres competentes, cada qual sabendo o que fazer, que decisão tomar, em dois tempos fizeram de uma tenda um local adequado para o repouso e o tratamento da chefe da expedição. O guia da expedição Dijibuto ainda estava convalescendo de seus ferimentos, e não pode ajudar, embora mostrasse vontade de fazer alguma coisa.

A doutora Flora, que não havia saído do acampamento, já estava com seu estojo para exames básicos de sangue e foi logo obtendo amostras para suas análises. Michel, um dos repórteres que também havia permanecido no acampamento, procurou saber de Arlete qual o tipo de alimento que deveria preparar para Suzana.

— Uma sopa bem rala de aveia com óleo de coco e canela.

Miriam, que era encarregada dos registros da expedição, gravou em seu gravador portátil:

“A expedição de resgate chegou à uma hora e dez minutos da madrugada, trazendo a doutora Susana deitada na maca em estado de semi-inconsciência. O aspecto da nossa chefe é de estrema fraqueza, deve ter perdidos muitos quilos nos dois dias em que ficou na tribo dos Korowai. Não foi feito nenhum diagnóstico. A doutora Flora está fazendo exames de sangue. Não sabemos quanto tempo a doutora Susana ficou sem comer e beber. Toma água com avidez, mas é controlada pela Arlete para tomar pouca água de cada vez, mas constantemente”.

Ao amanhecer, nova gravação:

“A doutora Susana apresenta leve melhora. Tomou algumas colheres do caldo de aveia, água de dez em dez minutos, e abre os olhos, falando algumas palavras. Não reconhece ninguém e parece estar em estado de choque emocional. Dos exames de sangue constatou-se que ela está com anemia, e apresenta estado febril que se intensificou ao alvorecer. Não há machucaduras externas.”

Nos dias seguintes, a recuperação física da doutora Susana foi lenta mas gradual. Fortalecia-se um pouco a cada dia. Entretanto, sua memória parecia ter sido deletada. Não se lembrava de nada, mas reaprendia com facilidade os nomes dos companheiros de expedição e dava ciência do que estava acontecendo no momento. Inclusive sabia estar desmemoriada. Um sorriso triste aparecida em seu rosto magérrimo, quando referencias eram feitas a fatos passados.

Os expedicionários, face à gravidade dos acontecimentos, do precário estado de saúde de Susana reuniram-se para resolverem o que deveriam fazer, como deveriam proceder, face à falta da liderança de Susana.

Depois de muitas ponderações e argumentos, tomaram a grave decisão.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 15 de dezembro de 2018

Conto 1103 da Série

INFINITAS HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 31/12/2018
Reeditado em 31/12/2018
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