1109 - KOROWAI - 9a. Parte - Final

KOROWAI

CAPITULO 9

A viagem de volta – vinte e cinco horas de voo, de Port Moresby, com escalas em Sidney, na Austrália, e Santiago do Chile, e finalmente Curitiba, causou desconforto e mal estar a todos o passageiros. Susana extremamente fraca e ainda sob efeito de doses de fortes medicamentos fora submetida a uma sedação, a fim de aliviá-la de qualquer desconforto.

Do aeroporto ela foi, em ambulância e sempre acompanhada pela doutora Arlete, até o Instituto de Neurologia onde ficou em repouso e observação. A longa viagem afetou de alguma forma a sua mente, pois ao acordar no hospital, não se lembrava de nada, nem mesmo de seu próprio nome.

O KUDU, a doença que infligira tanto sofrimento e a levara à beira da perda da vida, já tinha sido debelada, mas a sequela persistia: a falta de memória. E o estado de fraqueza ainda inspirava muitos cuidados, um regime controlado de alimentação e fortificantes.

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Todas estas informações me foram fornecidas pela doutora Miriam, que havia registrado no laptop ou gravado em fitas de seu gravador portátil, tudo o que havia acontecido com a expedição. Fiquei consternado e ao mesmo tempo passei a admirar mais ainda a minha amiga Susana Helena, tratada carinhosamente pelos seus amigos de Suzi.

Como já escrevi no início desta narrativa, só consegui visitá-la no décimo dia após sua internação no Instituto. A minha primeira visita causou-me verdadeira compaixão por Suzi. Fazia já uns 15 anos que não nos víamos, mas trocamos algumas mensagens e fotografias pela Internet,

Desde o primeiro momento em que nossos olhares se cruzaram, senti que havia entre nós mais do que uma simples amizade erodida pelo tempo. Sem manifestar nenhuma emoção que sentira naquele momento, decidi que era minha responsabilidade, e constituiria, a partir daquele momento, o motivo principal de minha vida, devolver a Suzi sua memória e trazê-la de volta ao mundo real.

O Instituto de Neurologia contava no seu quadro clínico, com os melhores especialistas em neurologia, que passaram a cuidar de Susana com atenção especial. Eles se revezavam nas visitas à Susana, em três vezes por dia, fazendo exercícios e submetendo-a a um “tratamento de choque” para a recuperação da memória. Eu a visitava todos os dias, e pude assistir a essas sessões de terapia intensiva, e notar os efeitos positivos no enfrentamento da amnésia de minha querida amiga.

Ficou internada no hospital durante cinquenta dias. Após o que, com o corpo em franca recuperação, as cores voltando ao seu rosto, assumindo um porte correto no seu elegante andar, apetite quase que voraz ante os pratos que ela adorava saborear e resistência para as caminhadas, curtas a principio nas que foram evoluindo para percursos não muito longos, estava apta para voltar ao seu apartamento.

Entretanto, a amnésia insistia, e ela continuou tendo sessões de exercícios na clinica de recuperação, anexa ao Instituto. Eu a acompanhava a essas sessões, com alegria e encantado com sua companhia.

Para poder ficar com ela por mais tempo, deixei meu trabalho de engenheiro civil. Era um bom escritório, e meu sócio Jonas ficou surpreso e abismado com minha decisão.

— Você assume todo o escritório, Jonas, por um tempo indeterminado. — Sinto que devo à Susana minha total atenção, até que ela se integre totalmente à sua vida social e profissional. — Quando esta missão que estou encarando estiver completa, volto ao trabalho. Até lá, você dono da firma, e tenho confiança que será muito bom.

Além desta, muitas conversas e acerto foram necessários para que Jonas, meu sócio, aceitasse a minha proposta.

Aos poucos, a alegria de viver voltava a predominar nas atitudes de Suzi. Entretanto, quando instada a falar de sua profissão, sobre a antropologia, não mostrava nenhum entusiasmo. Colegas de trabalho, antropólogos eminentes e companheiros da última expedição e de anteriores, vinham de outras cidades do Brasil e até do exterior, para visitá-la. Ela os recebia com extrema educação, conversava sobre todos os assuntos, inclusive a antropologia, mas, instada a voltar, ou a dizer quando estaria disposta a reassumir seu cargo e seus encargos, ela delicadamente desconversava e nunca assumia qualquer compromisso.

Numa encantadora tarde em que, sentados na sacada de seu apartamento, observando o suave por do sol, numa conversa amena, perguntei-lhe:

— Suzi, agora que você está bem, fisicamente, e com sua memória quase que totalmente recuperada... que prende realmente fazer...ou não fazer?

— Está aí uma boa pergunta! — Suzi me respondeu, sorvendo um gole do delicioso mate gelado com umas gotas de limão. — Posso lhe dizer com certeza o que não vou fazer...

Por uns instantes mirou o horizonte já tinto de tons violeta, como que pensando na resposta.

— Sei que não quero saber mais de aventuras. Nem de cidade grande. Nem de antropologia...

— Só falta me dizer que quer entrar para um convento!

— Só desejo ficar tranquila, em paz, longe da barulheira da cidade, do zum-zum, do movimento de pessoas. Sem essas coisinhas que importuna a todos, mas que poucos se dão conta como é... irritante... cansativo... estressante.

— Ou seja... quer viver... na praia? De frente pro mar?

— Que seja uma praia bem isolada.

— Então vamos experimentar com uma temporada em um lugar à beira-mar, bem quieto, bem distante de tudo. — sugeri num improviso. — Umas férias da cidade grande!

Já tinha lhe informado do meu afastamento do escritório de engenharia. Como é óbvio, a sugestão era para nós dois. Num momento, pensei que ela iria desconversar.

Me enganei redondamente.

— Então vamos. Prá onde?

— Conheço amigos que dizem maravilhas de um local, no sul da Bahia, que deve ser o que você procura.

— Como é?

— O nome é meio esquisito. Cumuru...Cumuru...

Peguei meu celular e digitei um aplicativo de praias. Logo surgiu o nome do lugar que procurava.

— Cumuruxatiba!

E passei-lhe o aparelho, que exibia fotos do local.

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Duas semanas depois, estávamos chegando em Cumuruxatiba.

Resolvemos fazer a viagem por carro, que significa mais ou menos mil e quinhentos quilômetros. Para a aventura (era assim que eu estava encarando a longa viagem), comprei um carro mais potente e com tração nas quatro rodas, ao qual fiz acoplar um trailer com pequena cozinha, quarto duplo e instalações sanitárias.

Foi um atrevimento da minha parte, pensando como seria a reação de Suzi ao ver que o quarto seria comum para nós dois.

Ela não vai querer. — Pensei.

Enganei-me.

Rodamos tranquilamente, sem pressa, durante cinco dias. Ao longo de todo o percurso, encontramos pequenas pousadas, às vezes na beira da estrada, por vezes um pouco distante, em locais aprazíveis e atenção sem medidas por parte dos proprietários. Pernoitamos em quatro pousadas e éramos tratados como marido e mulher.

Bem... não estávamos casados, mas nosso comportamento romântico era interpretado como um casal em lua de mel, conforme nos foi dito em diversos locais.

Então, chegamos a Cumuruxatiba!

Fomos direto a uma pousada situada a uns cinco quilômetros além da rua principal. Chegamos, encostamos o carro e antes mesmo de nos registrarmos, corremos para a praia.

O panorama era de tirar o fôlego. Uma praia de areia finíssima, muito rasa, com as ondas suaves escorrendo mansamente por sobre a larga extensão arenosa. Ao longe, uma barra de recifes faiscava ao sol quando o mar passava por sobre as cristas. Na direção do norte de onde estávamos, uma ponta coberta de vegetação, chegava até o mar. Na direção oposta, podia-se ver, como se miniatura fosse, o pequeno aglomerado de casas da vila. Ás nossas costas, o arvoredo vicejante da mata atlântica erguia-se em uma muralha de verde brilhante de mil e um matizes. O céu coalhado de nuvens leves, flocos esvoaçantes de algodão-doce sobre um fundo de azul intenso.

Corremos de um lado a outro, como crianças. Molhamos os pés. Brincamos num puro delírio de liberdade e de comunhão com a natureza. Jogamos água, eu contra Suzi e Suzi contra mim. O tempo não importava, parecia parado. Quando nos demos conta, entardecia.

Estávamos molhados quando entramos na pousada simples, mas de aspecto convidativo, para nos registrarmos.

— Quanto tempo vocês pretendem ficar? — Foi uma das perguntas que a mocinha (se chamava Rosa) nos fez.

Duas semanas, falei. Olhei para Suzi, que replicou:

— Quatro... quatro semanas.

Mentira de nós dois.

Nunca mais saímos de Cumuruxatiba.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 26 de janeiro de 2019

Conto # 1109 da Série INFINITAS HISTÓRIAS

Capitulo 9 (final) da Série KOROWAI.

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 10/06/2019
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