Missão de Misericórdia

[Continuação de "Histórias para dormir"]

- Senhor presidente? O embaixador da União Soviética na linha 1 - alertou a secretária pelo interfone.

Sozinho no Salão Oval da Casa Branca, Franklin D. Roosevelt atendeu a ligação.

- Embaixador Litvinov? A que devo a honra, à esta hora da noite? - Indagou.

- Presidente Roosevelt, creio que chegou o momento pelo qual ambos esperávamos...

- Receio que sim, embaixador. Já fui informado de que Hitler ordenou a invasão da Polônia - atalhou Roosevelt.

- Ah, mas não estou ligando por conta disso, senhor presidente. Me refiro ao momento da colaboração mútua entre nossos países.

Roosevelt franziu a testa, intrigado.

- Bem... mas a qual colaboração o senhor se refere? Ainda nos mantemos neutros, apesar da agressão de Hitler... e os senhores?

- Ah... nós também estamos neutros, embora preocupados com uma possível escalada do conflito. Mas há algo que podemos fazer em prol das vítimas inocentes dessa insanidade nazista. Estaria disposto a nos ajudar?

- Bem... sou todo ouvidos, senhor embaixador. Como os Estados Unidos da América pode colaborar?

- Pretendemos montar uma ponte aérea humanitária, para retirar civis com alto risco de morte caso caiam nas mãos dos nazistas. Religiosos, intelectuais, e artistas judeus, por exemplo.

Roosevelt mordeu a ponta da caneta-tinteiro que estava sobre sua mesa de trabalho, enquanto avaliava o que Litvinov lhe dizia.

- Entendo... é muito nobre da sua parte envolver seu pessoal nesta tarefa... mas, especificamente, o que nós, na América, podemos fazer? Receio que antes que possamos mandar aeronaves para o seu esforço humanitário, as tropas de Hitler já terão ocupado toda a Polônia.

- É muito provável, presidente Roosevelt - assentiu o embaixador. - Mas nós, da União Soviética já temos um plano montado para começar o resgate. Só necessitamos que, no caso de ser contatado pelos nazistas, confirme que está a par da iniciativa, e que a apoia, como país neutro e amante da paz.

Roosevelt ergueu os sobrolhos.

- O seu plano não depende da nossa colaboração direta, suponho - declarou. - Explique o que tem em mente, embaixador.

- Vamos usar aviões de passageiros na ponte aérea... mas como seria suspeito se fossem aeronaves soviéticas, já que os nazistas podem imaginar que estamos planejando nos aproveitar da confusão para também invadir a Polônia, eu gostaria que nos permitisse usar as cores da... Pan Am.

Roosevelt continuou com os sobrolhos erguidos.

- A Pan Am é uma empresa privada, embaixador.

- Justamente, para que o governo dos EUA não seja acusado de interferência num país estrangeiro, presidente Roosevelt. Nós resgatamos os poloneses, e vocês levam todo o crédito... ou a Pan Am, nesse caso. Se algum avião for abatido, nenhum cidadão da América será perdido.

Roosevelt entrelaçou os dedos das mãos, expressão absorta. A ideia parecia maluca, mas se desse certo, poderia render publicidade grátis para uma empresa norte-americana. Todavia, ainda restava uma dúvida.

- E para onde serão levados os poloneses resgatados, senhor embaixador?

- Para um país neutro, fora da esfera de influência de Hitler: a Valáquia.

Roosevelt sequer recordava onde ficava a Valáquia, mas não quis dar o braço a torcer. E, afinal, o que tinha a perder?

- Oficialmente, nós não tivemos essa conversa - alertou. - Mas prossiga com o seu plano, embaixador.

- Fico-lhe muito grato, presidente Roosevelt - despediu-se satisfeito Litvinov.

* * *

Passava de meia-noite na Valáquia quando o major Zakhar Ilyich Yermakov, chefe da espionagem soviética em Bucareste, recebeu uma mensagem cifrada vinda da embaixada da URSS em Washington. O texto dizia, simplesmente: "Permissão de decolagem concedida". Zakhar Ilyich amassou o papel e o atirou dentro do aquecedor de ferro de sua sala de trabalho. Em seguida, pegou o telefone e pediu uma ligação para a União Soviética. Meia hora depois, o aparelho tocou e ele atendeu, calmamente.

- Os pássaros estão prontos? - Indagou.

Uma voz de homem assentiu, do outro lado.

- Quero os três, pela manhã cedo, aqui em Bucareste - ordenou. - Precisamos começar o traslado o quanto antes.

Em seguida, desligou.

[Continua em "Voando para o perigo"]

- [25-06-2019]