Operação Erdscheibe

Um grupo de doze soldados da Wehrmacht, a bordo dum navio de suprimentos da Kriegsmarine, desembarcou em Tromsø, norte da Noruega, bem dentro do Círculo Polar Ártico. Ainda era verão e acharam a cidade pitoresca, além de tranquila, distante como estava do teatro de operações das frentes oriental e ocidental, onde os Aliados cada vez mais empurravam os alemães de volta para suas fronteiras.

- Eu poderia viver aqui, quando der baixa - comentou encantado o tenente Bastian Feinberg para seu comandante, o capitão Maximilian Heydrich.

Heydrich, meteorologista de profissão, apenas sorriu ao ouvir o comentário. Que a guerra estava caminhando para o fim, não necessariamente aquele que Hitler previra menos de cinco anos antes, parecia algo praticamente certo; que os alemães pudessem continuar a viver pacificamente num país que haviam invadido, era uma outra história.

- Fale por você, tenente. Eu tenho mulher e filhos me esperando em Heidelberg - declarou, tentando aparentar despreocupação. Na verdade, a falta de notícias de casa, agravada pela natureza confidencial da atual missão, fazia com que às vezes acordasse no meio da noite e não conseguisse mais recuperar o sono. Ali, no inverno do Círculo Polar Ártico, teria noites bastante longas pela frente, de até 60 dias de duração, e esperava que insônia não se tornasse um problema recorrente.

Feinberg, por outro lado, um jovem que crescera dentro da doutrinação nazista, ainda confiava que o Reich preparava um devastador golpe final, que expulsaria os Aliados da Europa e permitiria contra-atacar os russos. E mesmo estando tão longe da frente de combate, vinculava a presença do destacamento e sua missão secreta, à crença de que o rumo da guerra poderia ser revertido.

- E então, o capitão poderá me convidar para uma cerveja na Lauerstrasse! - Declarava confiantemente.

Heydrich apenas sorria em resposta. As memórias que tinha da Lauerstrasse, em Heidelberg, não eram assim tão alegres. Lembrava-se, particularmente da sinagoga localizada naquela rua, incendiada na Noite dos Cristais, em 1938. E de um conhecido dele, um médico judeu, preso e levado com destino ignorado no dia seguinte. Apesar de Heidelberg ser uma cidade onde o Partido Nazista detinha grande número de apoiadores e simpatizantes, Heydrich sempre tentara não se envolver com "política", como dizia. Acabara sendo recrutado pela Wehrmacht por conta de seus conhecimentos topográficos sobre o norte da Noruega, onde fizera trabalho de campo antes da guerra; jamais passara pela sua cabeça alistar-se, ainda mais tendo esposa e dois filhos pequenos que dependiam dele.

- Talvez você possa retribuir o favor, me convidando para uma cerveja em Munique - sugeriu o capitão.

O destacamento dirigiu-se então para uma montanha a cavaleiro da cidade, onde montaram acampamento. Apenas o capitão sabia que ali, segundo as aferições mais apuradas efetuadas na Alemanha, era o melhor local para realizar uma observação que, caso confirmada, poderia dar ao Reich uma decisiva vantagem estratégica sobre todos os seus inimigos, mudando efetivamente o curso da guerra. Todo o trabalho do grupo resumia-se agora a fazer medições e transmití-las via rádio para a estação meteorológica de Tromsø, que as retransmitia, devidamente criptografadas, para a Alemanha.

- Nós não estamos aqui realmente para fazer boletins meteorológicos, não é, capitão? - Sondou Feinberg, ao término de uma semana onde nada de especial ocorrera.

- Os boletins meteorológicos são importantes, tenente - replicara Heydrich. - Mas temos que aguardar a Lua cheia quando vier a noite polar...

- A nossa missão tem a ver com o efeito da Lua sobre as marés?

- Todo o trabalho que realizamos aqui, é a nossa missão - redarguira Heydrich, dando o assunto por encerrado.

E com a chegada da noite polar, tiveram ainda que aguardar até que as condições do tempo lhes permitissem uma visão desimpedida da Lua. Finalmente, com o astro no zênite num céu sem nuvens, Heydrich efetuou as medições que viera ali fazer, e as transmitiu imediatamente para a estação meteorológica de Tromsø.

Alguns dias depois, veio a ordem para levantar acampamento e voltar à cidade, onde o navio de suprimentos iria conduzi-los de volta à Alemanha. Enquanto embalavam o equipamento científico, Feinberg voltou a indagar sobre a real natureza da missão.

- Agora que terminamos, capitão... não poderia ao menos me dar uma pista do que viemos fazer aqui?

Heydrich encarou-o como se fosse lhe passar uma reprimenda, mas depois suavizou a expressão e dando um tapinha no ombro do subordinado, indagou:

- Você quer realmente saber, tenente?

Feinberg fez um vigoroso gesto de concordância com a cabeça.

- Se eu lhe disser, esteja certo de que isso poderá abalar profundamente a crença em nossos líderes - alertou Heydrich. - Eu mesmo quase não acreditei, quando me contaram. Mas, enquanto soldado, sei cumprir as ordens que me dão, por absurdas que sejam.

- Absurdas... como assim, capitão? - Questionou Feinberg surpreso.

- Há uma teoria... uma teoria, veja bem... de que a Terra é plana, e o Sol e a Lua são luminares suspensos sobre ela - esclareceu Heydrich. - Aqui em Tromsø temos a melhor localização para determinar se a Lua é ou não um objeto suspenso, muito próximo da superfície da Terra. Entendeu?

- Sim, eu compreendo, capitão... mas no que determinar se a Lua é ou não uma lâmpada sobre a Terra Plana poderia nos ajudar a vencer a guerra?

- Pense, Feinberg - demandou Heydrich. - Se a Lua, que passa sobre todos os continentes, for um corpo sólido próximo, poderíamos estabelecer uma base... e de lá bombardear todos os nossos inimigos, inclusive a União Soviética e os Estados Unidos!

O tenente levou alguns momentos processando a informação recebida, antes de redarguir:

- Mas se isso for confirmado, capitão, seria a solução dos nossos problemas.

- Este é o termo correto, tenente - advertiu Heydrich com amargura. - Se.

E vendo que todo o equipamento já havia sido empacotado, deu ordens para que se iniciasse a descida da montanha.

- [15-11-2019]