LENTES EMBAÇADAS

Chovia naquela tarde de quarta-feira em Porto Alegre de outono. Eram dias de alvoroço na capital gaúcha. Não obstante, Porto Alegre estava para receber a Copa do Mundo de 2014. No centro da cidade, havia um protesto acontecendo contra a Copa do Mundo. Por ser um evento global no Brasil, tudo deveria dar certo, nada poderia nenhum erro sequer. Ainda se recuperando de um acidente no verão, o jornalista investigativo, Jorge Ramos, descansa em sua casa no bairro Bom Fim da capital gaúcha.

Naquela tarde chuvosa, Jorge é chamado pelo editor do jornal onde trabalha, o Diário de Notícias Porto Alegrense, ou simplesmente, como o povão chama carinhosamente, o DN. Apesar de esporte ser um dos assuntos mais abordados pelo jornal, o jornalismo investigativo era o que mais chamava a atenção do público leitor do DN. Jorge era um daqueles jornalistas que não podia mostrar o rosto.

Naquela tarde, Jorge estava um pouco preguiçoso, recebeu a mensagem em seu celular, leu, mas, adormeceu. Por volta das 15:45, o telefone toca. Jorge pensa em ignorar, poderia ser alguém ligando para oferecer algum produto, mas, ele levanta e se dirige ao telefone, apanha-o e fica em silêncio.

— Preciso que venha aqui, imediatamente. — disse a voz familiar no telefone.

Jorge coloca o telefone no gancho, se dirige até o sofá, pega um cigarro e o acende. Naquela época, Jorge recentemente tinha completado 26 anos, cabelos pretos, altura media, 1,75 de altura, um pouquinho acima de seu peso habitual por causa do acidente que sofreu e por ter ficado em casa sem poder se exercitar por mais de dois meses. Mas, já estava quase 100% para voltar á ativa. O acidente que sofreu, foi uma lesão no joelho direito durante a investigação de um incêndio em uma festa que matou 20 pessoas. Para o editor do jornal, Percival de Matos, Jorge disse que sabia que aquele incêndio não foi um acidente, mas, algo criminoso. E de fato foi algo criminoso, e, Jorge em sua investigação, descobriu que caso houvesse um incêndio, o proprietário do local poderia receber um valor de cinco vezes acima do valor estipulado pelo local pelo seguro.

O valor em questão, era R$ 1.000000,00 (1 milhão de reais). No clímax da investigação, na casa de Ernesto no bairro Chácara das Pedras, numa casa de dois pisos, Jorge entrou em confronto com o proprietário, o pesado Ernesto e seus três seguranças. Jorge abateu os seguranças, caindo na escada e se lesionando, mas, Ernesto quase fugiu, se não fosse a policia chegar na hora e conseguir prender o meliante. Após este caso, Jorge recebeu uma arma, através de Percival e do Secretário de Segurança local, Romeno Maciel, que tinha muito apreço por seu trabalho.

Jorge toma um banho rápido, veste uma roupa casual, casaco de camurça, camisa social cinza, uma blusa de lã, de cor azul, sobre a camisa, calça jeans e um par de sapatos pretos. Jorge vai até a parada de ônibus em frente á Igreja Santa Teresinha e espera o T5. Passam uns sete minutos e chega o ônibus. Jorge apanha o ônibus. Está um pouco cheio, há alguns estudantes, pessoas voltando do trabalho. O cobrador, Pedro, amigo de longa data de Jorge diz:

— Bah, sumiu. Tava preso?

Jorge ri e diz:

— Pena que as celas da prisão não eram de ouro maciço.

Pedro e pergunta:

— E ai, e o Ernesto. Fiquei sabendo que tá em cana. Cara safado, heim?

— Apenas fiz meu trabalho. — responde Jorge.

Jorge senta em um dos bancos vazios do ônibus. Não deixa de notar uma jovem sentada no banco ao lado. Loira, cabelo curto, boca com batom vermelho, casaco cinza, uma bolsa marrom, lê um livro, e, com o canto do olho, olha para Jorge. Enfim chega na parada de Jorge descer. A jovem o fita quando sai do ônibus. O ônibus parte. Jorge chega no jornal. É um prédio pequeno na Rua Bastian, perto do shopping Praia de Belas. O jornal é independente, claro, não é como a Zero Hora ou o Correio do Povo, mas, tem seu nome. Tem muita credibilidade com a população, ainda que seus concorrentes tenham a própria credibilidade ocasionalmente colocada em cheque por causa de algumas opiniões.

São exatas 17h10, levemente anoitecendo, a chuva ja não mais importunava lá fora. Jorge se dirige até a secretária de Percival, Simone, de 34 anos, que mesmo sendo uma mulher atraente, sempre perfumada, possui uma inteligencia e uma sagacidade e um senso de humor contagiante. Jorge adora ela e sempre á leva chocolate. Por acaso, naquele dia, não levou. Simone reprende Jorge e diz:

— Espero que tua demora tenha se dado contigo á procura de um delicioso chocolate para mim. Talvez, suiço, quem sabe, ou, de Gramado.

Jorge beija a bochecha de Simone e diz:

— Dar-te-ei algo mais doce do que chocolate.

Simone ri e diz:

— Hum, gostei do português. Vai precisar de algo doce para adoçar o chefe.

— Vou fazer de conta que... — enquanto Jorge fala, Percival aparece atras dele.

— Fazer de conta é coisa de contos de fadas. — diz o editor chefe.

Jorge fica em silêncio. Percival sinaliza para ele entrar em sua sala. Jorge entra e senta-se de frente para Percival. Percival encara Jorge com um olhar de censura e diz:

— Como tem passado?

Jorge responde com sarcasmo:

— Já estive bem melhor.

Percival percebe um sarcasmo na voz de Jorge e diz:

— Que bom que está bem melhor. Os dias de vadiagem acabaram. O jornal não é auxilio para ficar encostado em casa fazendo sei lá o que.

Jorge ri e diz:

— Faça amor, não a guerra.

Percival o censura com o olhar e diz:

— Eu dei um duro danado para chegar até aqui, sabia? Ás vezes, sou durão, mas, é o que trabalho exige. Tu és muito bom no que faz, Jorge,, mas, falta algo em ti.

— O que? — pergunta Jorge.

— Maturidade. — responde Percival — Sabe bem disso. Foram formidaveis estes casos que tu investigou. És mais um detetive do que um jornalista e este trabalho que vem fazendo com a supervisão da ABIN, apenas faz com que sejas mais louvavel o que faz. Mas, te falta maturidade.

— Talvez, eu seja a pessoa errada para o serviço certo. Me machuquei fazendo o que achava certo. Sabe o que é se machucar e não poder exercer suas funções?

— Ora, me poupe, Jorge, pare de drama. Tu precisa entender, o que tu faz, tem que estar preparado para tudo.

Um breve silêncio e Jorge pergunta:

— No que posso ser útil desta vez? Tem algo que eu possa fazer?

Percival ri e diz:

— Por isso mesmo, te chamei aqui. Tem algo que somente tu pode fazer.

Jorge olha em volta e fica em silêncio. Percival retoma o assunto.

— Nos últimos dezessete dias, houve três casos de moças que foram atraidas por um cara que diz trabalhar para nós, mas, não tem nenhum vinculo conosco.

— Como sabe? — questiona Jorge.

— Ele é um fotógrafo que as atrai para sua casa, prometendo á elas dinheiro e fama e apenas ás abusa. — confidencia Percival.

— Existe alguma... evidencia concreta? Alguma das moças que foram abusadas por ele prestou queixa na polícia ou apenas são rumores? Preciso de no minimo um depoimento. ¬— pergunta Jorge.

— Mas é claro que há. Das três moças que sofreram abuso do individuo, somente uma se sentiu confortavel de nos fornecer evidência.

— Onde á encontro?

— Ela virá aqui.

— Quando?

— A seis da tarde.

Jorge consulta o relógio.

— Faltam seis minutos.

— Bem, vá tomar um café, quando ela chegar eu te chamo.

Jorge vai até Simone e eles conversam. Simone diz sarcástica:

— Sabe, eu me apaixonei.

— É mesmo? ¬ — responde Jorge com um sorriso. — E quem é o sortudo?

— Um jornalista. — Simone responde sorridente.

Jorge muda o semblante e pergunta:

— Simone, o que andou acontecendo aqui enquanto eu estive fora?

Simone senta e olha para Jorge e diz:

— O chefe já te falou do cara que abusa das mulheres e promete fama e dinheiro?

— Sim, falou. Inclusive, estou á espera da moça que sofreu abuso dele. — responde Jorge.

Uma moça entra na recepção e se dirige á Simone e diz:

— Procuro pelo Jorge Ramos.

Jorge olha para a moça e fica em silêncio, sente que a conhece de algum lugar, mas, não se recorda. Em alguns instantes, lembra de onde á viu: a moça loira que ele viu no ônibus vindo para a redação do jornal. Jorge pergunta:

— Costuma pegar sempre o T5?

A moça diz:

— Só quando tenho compromissos aqui pelas redondezas. Por acaso, o senhor conhece Jorge?

Jorge diz de forma convencida:

— Eu sou Jorge.

A moça se sente mais confortável e diz:

— Eu falei com teu chefe para que pudessemos conversar.

— Certamente. — diz Jorge.

Jorge e a moça vão para a sala onde ocorrem as reuniões. Simone fica olhando para Jorge enquanto ele vai com a moça. Na sala, Jorge leva café para a moça e senta-se em frente á ela. Jorge entraga para a moça a xicara marrom de vidro. A moça bebe e diz:

— Olha quanto estou sendo patética.

— Por quê? – pergunta Jorge.

A moça sorri constrangida e diz:

— Eu tinha um sonho.

Jorge diz:

— Vamos começar desde o começo. Qual o teu nome?

— Alice. Alice Limeira.

— Muito bem, senhorita Alice, poderia me contar o que aconteceu?

Alice fica em silêncio e diz:

— Faz ideia de quanto é difícil para uma mulher relatar um abuso?

— Não, mas, acho que posso ajudar. — responde Jorge.

Alice sorri sentindo-se um pouco aliviada e continua o relato.

— Era uma segunda-feira. Eu estava voltando do trabalho naquela tarde. Ah, era semana santa. Que semana! (num tom irônico no qual, Jorge conhecia bem) Eu era caixa em um mercado. Andava ali na Andradas quando ele se aproximou. Era elegante, usava uma camisa polo verde com uns detalhes levemente azulados, seus cabelos loiros, alto, braços grossos, mas, magro, um sorriso levemente malicioso que eu não percebi na hora, apenas percebi que ele olhava todas as curvas do meu corpo, como se eu estivesse nua.

Jorge interrompe e diz:

— Certamente não estava nua.

Alice responde:

— Não, obviamente, mas, até quando o que uma mulher veste vai ser o suficiente para que um homem venha até ela e tente seduzi-la? Ou pior, assediar.

Jorge responde com um leve desdém na voz:

— Eu não estou aqui para opinar sobre moda, só quero fazer meu trabalho. Certamente, vestia um casaco, uma camiseta, uma calça, talvez, uma legging, um tênis, chuto que a cor era azul.

Alice fica surpresa e diz:

— Como sabe o que eu vestia no dia?

Jorge responde sorrindo:

— Meio óbvio. Olha o que tu me falou ali atrás, “até quando o que uma mulher veste vai ser o suficiente para que um homem venha até ela e tente seduzi-la”, certamente, deduzi que não vestia uma roupa que chamasse atenção, mas, para um tarado, basta ver as curvas de uma mulher, uma calça justa já ativa em um maniaco sexual, impulsos no qual ele julga ser o suficiente para que ataque sua presa, afinal, um maniaco sexual é um predador diabólico. Poderia continuar o seu relato?

Alice respira aliviada:

— Uau, estou conversando com a pessoa certa. Na delegacia, o escrivão teve a cara de pau de dizer “também, pede”.

— Lamento o que ele falou. ¬— diz Jorge.

Alice continua o relato:

— Deixa eu terminar o relato. Ele me olhava e perguntou se eu tinha interesse em ser modelo e ganhar bem. Eu na minha ingenuidade, aceitei, não pensei duas vezes. É dinheiro e fácil. Então, ele me convidou para seu apartamento que fica no centro mesmo. Lá, ele tirou algumas fotografias minhas. Me ofereceu refrigerante. Eu aceitei e bebi alguns goles e logo me senti sonolenta. Ele pediu para que eu tirasse a blusa. Eu relutei, mas, aceitei. Então, ele me fotografou. Ele apalpou meus seios e logo pediu para que eu tirasse minha calça e eu recusei, mesmo estando levemente tonta, sabia onde aquilo ia chegar. Ele então beijou meu pescoço e falou que eu deveria ser profissional. Eu retruquei dizendo que sua atitude não era de um fotografo, mas, de um tarado. Ele me empurrou em cima do sofá e disse que eu tinha tudo para me dar bem na profissão, beleza, charme, olhar, corpo e que ele queria me provar. Eu levantei do sofá, vesti minha camisa e meu casaco, fui até a porta e ela estava trancada. Pedi que ele abrisse, ele me desferiu um tapa no rosto e foi a última coisa que eu me lembro. Depois disso, apenas me lembro de acordar com o rosto arranhado num banco da praça da Alfândega.

Jorge pergunta:

— Ele, por acaso... sabe...

— Sei... — Alice responde friamente — Só quero justiça.

— Irei investigar.

Alice anota em um papel em cima da mesa seu numero de telefone.

— Aqui está. Por favor, se souber de algo, por favor, por favor, me diga.

Jorge diz:

— Vá para casa, deixa que eu resolvo.

— Resolver? — pergunta incrédula — Mas, nem a polícia sabe quem é.

— Eu irei investigar, em breve, saberei quem é o sujeito.Confia em mim, só uma vez.

Alice levanta-se e abraça Jorge agradecida. Jorge acompanha Alice até onde Simone está mexendo nas unhas com uma lixa. Alice vai embora e Jorge diz para Simone:

— Já pensou em ser modelo?

Simone sorri para Jorge e diz:

— Para que? Eu sou modelo para ti?

Jorge respira ofegante e diz:

— Minha cara, tu és minha musa inspiradora. Tive uma ideia para chegar neste maníaco.

— Qual? — pergunta Simone.

— Vou até o centro, já sei onde encontrar ele.

Simone diz para Jorge:

— Tome cuidado.

Jorge responde para Simone:

— Eu sempre tomo cuidado. Sabe o que eu quero? Dia 31 de dezembro tomar champanhe contigo na casa dos teus pais.

Simone ri e diz:

— Se for acompanhar meu pai, vai precisar beber algo mais forte.

Jorge ri e vai embora.

O centro de Porto Alegre na noite, ainda mais em época de eventos, é um local movimentado. Naquela noite, apesar de ser dia de semana, havia amigos reunidos nos bares na Andradas próximo á Casa de Cultura Mario Quintana. Jorge vai até um bar onde um amigo trabalha e pergunta:

— Sabe de algum fotográfo profissional para me indicar uma modelo para uma reportagem?

O amigo de Jorge, Rivaldo, 22 anos, moreno, gordo, cabelo cortado á máquina diz:

— Conheço um cara que vem aqui de vez em quando. Ele tem um porrifólio bacana. Já fotografou algumas aspirantes á modelo.

Jorge diz:

— Nossa, hoje é meu dia de sorte!

Rivaldo diz:

— Já jogou na Mega Sena?

— Na verdade, a sorte nos rodeia, Rivaldo. — responde Jorge sorridente.

Naquela hora, um cara um pouco mais alto que Jorge entra no bar, passa por trás dele. Veste uma jaqueta jeans, cabelos loiros, perfume Lamborghini, pede uma dose de whiskey e senta-se próximo á uma jovem morena que está lendo jornal. Jorge apenas observa em silêncio e pede uma dose de martini vermelho, mesmo não gostando de martini. O cara se aproxima da jovem e pergunta:

— Já pensou em ser modelo?

A moça fica sem jeito e diz secamente:

— Não.

O cara toma um gole do whiskey e diz:

— Eu sou fotógrafo profissional, de uma marca famosa, já deve ter ouvido falar.

A moça demonstra um leve interesse e diz:

— Qual?

O cara diz sem pestanejar:

— Vogue.

A moça diz de maneira desinteressada:

— Ah, legal.

— Quer ir no meu apartamento fazer umas fotos? Eu mando para lá e de repente, tu fica famosa.

A moça percebe alguma malicia e recua. O cara fica sem jeito, levanta e sai para a rua. Rivaldo traz o martini de Jorge. Jorge bebe um gole e vai atrás do cara. O cara está na rua fumando um cigarro. Jorge saí do bar com celular no ouvido fingindo estar conversando e diz em alto som:

— Olha, eu preciso de um fotógrafo bom, competente e que tenha vista aguda. Incompetência por incompetência, tem a tua. É melhor tu encontrar um fotógrafo até amanhã senão está despedida.

Jorge finge desligar e coloca o celular no bolso do casado. Jorge fala para o cara na intenção de puxar assunto:

— Secretária incompetente. Eu peço um fotógrafo e ela me aparece com um cara que nem sabe o que é flash.

O cara ri. Jorge finge estar desconcertado e faz que vai entrar no bar. O cara diz:

— Eu sou fotógrafo.

Jorge diz para o cara:

— Desculpe? O que disse?

— Sou fotógrafo. — responde o cara.

Jorge se dirige até o cara e diz:

— Ah, então é tu que eu procuro. Como se chama?

— Mathaus.

— Mathaus ou Matheus? — pergunta Jorge.

Mathaus ri e diz:

— Meu pai é alemão. Fugiu da Alemanha Oriental em 77. Colocou o nome do meu avó em mim. Uma pequena homenagem ao velho e a terra natal dele.

Jorge diz;

— Tem algum material contigo?

— Não, só no meu apartamento. — responde Mathaus.

— Ah, que pena. Precisava de um fotógrafo para no máximo em dois dias. — diz Jorge.

— Estou livre. — diz Mathaus.

Jorge diz:

— Podemos nos reunir?

— Claro, toma meu cartão. — responde Mathaus.

Jorge pega o cartão de Mathaus e vai embora. Quando chega em casa, liga o computador e pesquisa sobre Mathaus. Encontra algumas matérias sobre o fotografo:

- FOTOGRAFO BRASILEIRO É PREMIADO NA ÁUSTRIA;

- A NOVA CARA DA FOTOGRAFIA;

- A POESIA DA NUDEZ: CONHEÇA O TRABALHO DE MATHAUS VOLTZ;

Jorge liga para Alice e diz:

— Boa noite, sou eu, Ramos.

Alice , sentada em frente á TV assistindo novela, atende com a voz cansada o celular e diz:

— Ramos, quem?

— Jorge.

— Ah, sim.

— Boas noticias. Encontrei o cara. Ele se chama Mathaus, tem a fisionomia semelhante á qual tu me descreveu. Eu o flagrei assediando uma moça em um bar no centro.

— É ele! — diz Alice com uma convicção na voz.

— Calma, não sabemos ainda se é ele. Eu irei me reunir com ele, e, gostaria que estivesse junto comigo, ainda que longe.

— Ótimo! Irei! Quando?

— Amanhã á tarde, me encontre em frente á Catedral Metropolitana ás quinze horas.

— Estarei lá!

Alice desliga o telefone. Em seu apartamento, ela senta no sofá e desliga a TV. Jorge por sua vez, vai até a cozinha de seu apartamento, pega um copo de vidro, coloca quatro pedras de gelo, serve uma dose de vodca e bebe em um único gole. A noite passa. Logo amanhece, Jorge se acorda com os primeiros raios de sol em seu rosto, já que dormiu com a cortina aberta. Levanta-se, vão até a cozinha, frita um ovo, abre um pão conhecido carinhosamente em Porto Alegre e na região como cacetinho, aliás, pão francês, coloca o ovo frito dentro do pão, serve uma caneca de café, liga o notebook e come o pão com ovo frito e bebe seu café calmamente. Começa á digitar uma matéria sobre assédio sexual á jovens que tem como ambição, serem modelo. Logo, chega o meio dia, e, como de costume, almoça bife empanado com arroz. Mas, naquele dia, onde já se sentia de volta á ativa, Jorge logo perde a fome, pois a ansiedade é demais em resolver este caso e logo despeja no lixo. Ás 14 horas, Jorge vai até onde marcou com Aline para encontrarem Mathaus. Jorge usa um paletó preto, calça jeans, camisa social, sapa tênis e com os cabelos penteados.

Mathaus por sua vez, estava na companhia de um amigo de longa data que fora colocado na cadeia por causa de uma investigação de Jorge. O caso era sobre jogos clandestinos, que é ilegal. Jorge conseguiu acabar com a quadrilha e o que mais se prejudicou foi Germano, amigo de Mathaus. Germano tinha como objetivo desde que saiu da cadeia duas coisas: montar uma produtora de pornografia e encontrar quem o colocou atrás das grades. Germano fala:

— Tenho a impressão que fomos enganados.

Mathaus diz:

— Por que não quer conhecer o cara? Ele parece ser bacana.

— Quanto menos eu aparecer, melhor. Sou o cara do dinheiro, só isso.

— Beleza. — responde Mathaus sem animo.

Germano levanta e coloca a mão no ombro de Mathaus e diz:

— Fecha esse negócio. Só isso. Vou ficar na redondeza para te dar cobertura.

Germano se retira. Enquanto isso, Jorge espera Aline na praça da Matriz, em frente á Catedral Metropolitana. Após uns quinze minutos esperando Aline, ela enfim chega, vestindo um vestido azul, sapatilha, cabelo penteado. Jorge diz:

— Pretende ir para um festa?

Aline ri. Jorge diz:

— Respeitosamente, está muito bonita.

Aline diz:

— Obrigada, muito obrigada.

Logo, o sorriso de Aline se dissolve como um neon. Jorge percebe e diz:

— O que houve?

Aline diz:

— É que não costumo ser elogiada.

Jorge sente-se constrangido e diz:

— Bem, uma vez ou outra pode, não?

Aline sinaliza positivo com a cabeça. Jorge diz:

— O plano é o seguinte: eu vou chegar nele, vou conversar com ele, vou me convidar para ir até seu apartamento. Quando estivermos nos retirando do local, eu te envio uma mensagem e tu aparece e eu direi que é minha secretária. Se for ele, ficará um clima chato. E aí, eu saberei que é ele.

— Ok, perfeito. — responde Aline.

Jorge e Aline se dirigem até o bar onde Jorge irá encontrar Mathaus. Aline fica sentada num banco na Praça da Alfandega á espreita. Germano está próximo de Mathaus também lhe enviando mensagens pelo Whatsapp. Enfim Jorge chega. Jorge cumprimenta Mathaus e diz:

— Cidade grande. Que caos!

Mathaus diz:

— É verdade. Já me acostumei.

Jorge diz:

— Com certeza.

— Menos mal que parou a chuva. Vai tomar algo? — pergunta Mathaus.

Jorge suspira e diz:

— Meu médico, sabe, cortou café. Problemas de pressão.

Mathaus ri e diz:

— Entendo. Certamente, deve ser estressante fazer o que faz.

Jorge diz:

— Nunca se sabe quem vai aparecer. É sempre um mistério.

Mathaus diz:

— Posso te confidenciar uma coisa?

Jorge se aproxima de Mathaus como se fosse escutar uma confissão e Mathaus diz:

— Meu sócio está com medo de eu trabalhar contigo.

— Por que? Está com medo de perder o sócio? — diz ironicamente, Jorge.

— Ele passou por problemas recentemente. — responde Mathaus.

— Bom, todos temos problemas. — responde jocosamente , Jorge.

Enquanto os dois conversam, Germano vê Jorge e o reconhece e manda uma mensagem para Mathaus no Whatsapp:

“Leva ele para teu apartamento, diz que quer mostrar material para ele. Eu conheço ele. Foi ele que me sabotou. Faz isso. Depois conversamos.”

Mathaus lê a mensagem de Germano e diz:

— Teria algum interesse em ir até meu apartamento conhecer meu material?

Jorge diz:

— Claro. Aliás, estou esperando minha secretária. Se importa se ela for junto?

Mathaus concorda. Jorge mexe no celular e manda uma mensagem para Aline:

“Venha! É agora!”

Aline se levanta e vai até eles. Enquanto Aline não chega, Jorge diz:

— Minha secretária é quem fecha os acordos para mim, por incrivel que pareça. Ela que lida com a parte burocrática.

Aline chega. Mathaus fica em choque, pois, a reconhece. Aline olha para Mathaus, que desvia o olhar dela. A expressão de Aline diz tudo: seu rosto ficou pálido, ela sente um enorme enjoo ao ver seu abusador e fica com as mãos geladas. Jorge se mantém no personagem e diz:

— Bem, já que minha secretária chegou, se importa se formos? É Matheus, né?

— Mathaus. ¬— responde friamente o fotografo.

Mathaus levanta-se e vão até o apartamento dele na rua ao lado. Ó caminho até o local foi em silêncio. Jorge percebeu que havia algo de errado entre Mathaus e Aline. Quando entram no edifício, Mathaus manda uma mensagem para Germano dizendo que estão lá. Germano vai até seu carro e pega sua pistola de 9 milímetros, coloca na cintura, o casaco esconde bem a arma e se dirige até o apartamento do amigo. Mathaus diz friamente:

— Fiquem á vontade.

Jorge responde jocosamente:

— Hospitalidade é tudo.

Dentro do apartamento, Aline vê o sofá onde ocorreu o abuso e pede para sair. Jorge concorda e ela saí. Mathaus abre o computador e mostra para Jorge algumas fotos de seu catálogo. Jorge ás observa e diz:

— Tem um bom olho.

— Na verdade, tenho dois bons olhos. — responde Mathaus convencidamente.

Enquanto mostra para Jorge as fotos, sem querer inicia um vídeo de Mathaus praticando abuso em Aline. Jorge diz:

— É cineasta também?

Mathaus fica constrangido e fecha o vídeo. Jorge percebe a reação de Mathaus e se despede. Mas, é nesta hora onde entra Germano no apartamento. Jorge reconhece Germano e diz:

— Há quanto tempo, meu velho?

Germano tira a arma da cintura e aponta para Jorge. Jorge fica calmo, apesar de ter uma arma apontada para ele.

— Faz ideia do que tu fez comigo? — diz Germano com um ódio no olhar.

Jorge diz com um sorriso malicioso:

— É, dizem que a primeira vez é a que dóis mais.

Germano fica furioso dá um tiro em direção á Jorge, mas, erra o tiro, fazendo um buraco na parede. Aline ouve o barulho do tiro e sobe imediatamente as escadas para o apartamento de Mathaus. Mathaus por sua vez, teme que Jorge seja quem colocou Germano atrás das grades. Um vizinho vai até a porta do apartamento de Matahus e pergunta:

— Está tudo bem aí?

Mathaus responde gaguejando:

— Si... si... sim.

O vizinho se retira. Quando entra em seu apartamento, liga para a polícia. Germano apontando a arma para Jorge diz:

— Vai pagar pelo que fez.

Jorge diz:

— Não! Vocês vão pagar pelo que estão fazendo. Dois tarados.

Mathaus diz:

— É ele o jornalista?

Jorge diz:

— Tá na minha carteira de trabalho. Quer ver?

Mathaus dá uma cotovelada em Jorge e corta seu supercílio. Germano engatilha a arma para dar o tiro fatal em Jorge, mas, na hora de atirar, Jorge puxa Mathaus e Germano atira em Mathaus ao invés dele, acertando no ombro de Mathaus. Jorge com o rosto sangrando pula em cima de Germano desarmando-o. Jorge dá uma série de socos na cara de Germano. Naquela hora, Aline entra no apartamento. Mathaus com a bala alojada em seu ombro, pega a arma e aponta para Aline enquanto Jorge soqueia a cara de Germano. Mathaus diz:

— Ei, cara, para com isso senão atiro nela.

Jorge para de socar a cara de Germano. Jorge se levanta e chuta a cara de Germano deixando-a mais ferida do que já está. Jorge e Aline ficam na mira de Mathaus. Mathaus diz:

— É, os dois estão na minha mira.

Jorge diz:

— Vai em frente.

Aline olha para Jorge incrédula. Mathaus puxa o gatilho e nada saí. Jorge mostra o cartucho de balas que tirou quando desarmou Germano. Jorge diz:

— Parece que o tiro saiu pela culatra.

Nesse momento, a polícia que foi chamada pelo vizinho, chega. Quatro policiais entram no apartamento. Entre eles, o Tenente Simões, amigo de Jorge.

— Escapou de mais uma? — pergunta Simões.

Jorge diz:

— É, praticando um pouco esporte depois de um tempo.

Simões diz:

— É, tá precisando. Especialmente perder uns quilinhos. Qual foi desses dois?

Jorge diz:

— Assédio. Estupro.

Simões diz:

— Esses daí vão ver o sol nascer quadrado por bastante tempo. Mais uma vez, obrigado, Ramos.

Jorge diz:

— Servir e proteger, não é?

Simões diz apontando o dedo para Jorge:

— Fez bem o dever de casa.

Tenente Simões dá ordem de prisão para Germano e Mathaus e os policiais os levam presos. Quando eles saem, só ficam Jorge e Aline no apartamento. Jorge diz:

— Está bem?

— Com a adrenalina lá em cima. — responde ofegantemente, Aline.

— Conheço um modo bom de passar a adrenalina. — reponde Jorge.

Um beijo foi trocado e o resto é história... por enquanto...

Mauricio Rocha
Enviado por Mauricio Rocha em 31/10/2020
Código do texto: T7100927
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