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Sonho Guerreiro Capítulo V

01 Linhares estava abalado, parte do sonho terminara, mas sendo ele um homem de fibra não se entregaria. — Seu corpo vem fertilizar essa terra fértil e acolhedora, e sua alma estará bem pertinho de Deus, nunca a esqueceremos! — Disse Linhares. Dias depois o navio aportou na histórica cidade de Manaus. Ainda a bordo Linhares admorou a cidade, originária de um pequeno arraial formado em torno da fortaleza de São José do Rio Negro fundada em 1669, também contemplou a primeira igreja erguida após a fundação de "Manaos", Igreja de Nossa Senhora da conceição, erguida em 1695 sendo a primeira obra arquitetônica levantada em Manaus, voltada para o Rio Negro, com suas belíssimas escadarias que sugerem o desenho de uma Lira. Linhares permaneceu alguns dias nessa cidade morando numa hospedaria para imigrantes no bairro dos Bilhares, em péssimas condições de higiene, mas isso não o fez desistir.

02 Em um navio gaiola, junto com os filhos menores, Linhares viajou durante vinte dias, com destino a Manicoré no Rio Madeira. Desembarcou em um seringal a três dias da cidade de Manicoré, permanecendo por um mês procurando adaptar-se à região. Depois, dirigiu-se a um barracão onde conheceu seu patrão. Ali, lhe foi explicado às regras para o brabo, isto é, um seringueiro recém-chegado que nada conhece das coisas relacionadas a colheita do Látex e do meio onde tudo acontece. — Aqui quem faz a Lei sou eu! — Disse o seringalista adiantando que o seringueiro não pode abastecer-se em outro armazém; vender seringa para outro patrão, gastar mais do que ganha, reclamar dos preços da mercadoria, porque tudo é comprado em Manaus e Belém, lugares distantes que geram despesas. O seringueiro não pode plantar hortaliça ou árvores frutíferas para poder dedicar-se unicamente ao corte de seringa, quem tentar plantar um roçado, será destruído, pois a terra é do patrão. Quem não tiver saldo não pode deixar o seringal, se fugir será caçado.

O3 Ciente dessas regras, Linhares seguiu para a colocação que lhe foi destinada. Lá existia uma estrada de seringa e um Tapiri. A alimentação era de conserva, mas logo o filho menor aprendeu a caçar, pescar e preparar o alimento. Enquanto isso o pai e o filho mais velho trabalhavam noite e dia na coleta de látex. Jovens ainda, trabalharam seis meses, sempre prestando contas ao patrão e aumentando o saldo. Não efetuavam grandes compras de mantimentos, se alimentavam de caça e pesca, assim mantinham a conta baixa junto ao armazém. O Tapiri onde moravam tinha um só cômodo, em volta, frondosas arvores com dimensões jamais vistas por Linhares. Próximo existia um Igarapé com peixes de grande porte; Pirarucu, Tambaqui, Tucunaré, e uma infinidade de peixes menores, também gigantescos jacaré-açus e cobras sucuris de até oito metros. Esses bichos peçonhentos eram devorados por onças pintadas, pretas, jaguatiricas e porcos queixadas que caçavam suas presas nas cercanias do Tapiri, sendo necessário ter muito cuidado para não morrer entre as presas afiadas desses animais, ou engolido por uma Sucuri. A poucos quilômetros existia uma fonte d’água cristalina, e uma cachoeira, entretanto, ficavam próximos a uma aldeia indígena, com costumes canibalescos. Era nesse cenário de terror que Linhares deveria efetuar seu trabalho na colheita de Látex.

04 As redes eram atadas a dois metros de altura como defesa de animais ferozes, inclusive manadas de queixadas. Sempre alguém permanecia acordado com uma espingarda à mão para defender-se de feras perigosas. Praticamente, Linhares perdeu o contato com a civilização e aprendeu a ver as horas, dias e meses pela posição da Lua, Sol e estrelas, se guiando pela natureza, visto que não existia rádio ou outro meio de comunicação, era prisioneiro no meio da selva. Ao chegar a essa colocação abriu na mata densa duas estradas de seringa por onde caminharia noite e dia cortando seringa e colhendo látex. Linhares e os filhos moravam na floresta há seis meses, e já eram pessoas diferentes. Sentiam muita saudade de Augusta, mas eram embalados pelas boas lembranças. Até pensaram em voltar, mas queriam concluir o projeto estabelecido e também por não terem para onde voltar.

05 Linhares prestou conta com o guarda-livros e pediu para falar com o patrão que com muito desprezo o recebeu. —Boa tarde patrão! Disse Linhares —O que você quer? —Quero dizer-lhe algumas palavras e entregar essa missiva. O seringueiro entregou uma carta proveniente da Diocese de Canindé, assinada pelo padre Paulino, endereçada ao padre Inácio, vigário da cidade de Manicoré, apresentando o senhor Linhares, primo e muito querido pelo bispo da comarca. O seringalista conhecia o poder de um bispo da Igreja Católica e mudou o tom, pediu desculpas e Linhares seguiu viagem numa pequena embarcação com destino a Manicoré. A carta havia sido planejada pelo dr. Bezerra que, conhecendo as Leis dos seringais imaginou o que poderia acontecer ao pobre homem, quando esse se apresentasse pedindo para ir embora com saldo a receber.

06 O plano havia dado certo, os padres tinham um poder muito forte na floresta. Ninguém se atreveria a negar-lhes um pedido por mais relevante que fosse. Na época os pastores evangélicos não se faziam presentes na floresta, e por esta razão o dr. Bezerra não recorreu também a eles. Anos depois Linhares recebeu em sua casa o seringalista que fora seu patrão e quando por carta contou a história ao dr. Bezerra foi motivo de grande satisfação. Ao pisar no chão de Manicoré Linhares abraçou os filhos, dizendo: — aqui nessa terra abençoada por Deus construiremos nova vida, nunca mais seremos trabalhadores escravos, e o nome dessa colocação, será Augusta.

07 Com as economias que haviam guardado e o saldo obtido no seringal se situaram no lugar para plantar e criar animais e prosperaram, mas para que essa prosperidade fosse perene Linhares teve que enfrentar grandes desafios, pois sua propriedade, estava situado entre tribos de índios que guerreavam entre si por disputa de terras, tirando a paz da região, mas convivendo entre eles Linhares conseguiu unir as tribos e escolheu uma belíssima guerreira para sua companheira, selando a amizade entre toda as Etnias e tribos. Para que isso pudesse se consolidar, teve sangrentas lutas com índios peruanos que queriam invadir suas terras, dentro do território brasileiro. As violentas lutas foram travadas com terçados, punhais e "espingardas lazarinas". Nas lutas vitoriosas, Linhares foi ferido, mas cuidado por uma valente guerreira a qual tornou-se sua companheira e com esta, viveu até sua passagem para a dimensão dos heróis.

08 Linhares tornou-se um homem rico e proprietário rural, e de armazéns de aviamento. Mesmo rico e poderoso não se distanciou da ética e da moral. Famílias nordestinas vieram com ele trabalhar e se tornaram vitoriosas. Linhares morreu aos 92 anos, deixando esposa, filhos, netos e bisnetos. Entre seus netos, um se destacou na política, estudante interno de um colégio na capital, aluno aplicado se formou em Direito na Universidade Federal do Amazonas, homem sensível as questões sociais, tornou-se político habilidoso, ético e de bom caráter, chegando a ser Governador do Estado do Amazonas.

Hoje, quando em minha pequena Canoa de Rabeta, feita de Itaúba, navego pelos rios, contemplando esse continente verde, Linhares, Augusta e outros heróis, não me saem da lembrança.
F I M
Antonio de Albuquerque
Enviado por Antonio de Albuquerque em 04/11/2020
Reeditado em 07/11/2020
Código do texto: T7104133
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