A Viagem da Morte

A Viagem da Morte

Nunca me senti tão inquieta durante uma viagem como naquele final quinta-feira, dia em que seguia para Goiânia (GO). O ônibus logo ao sair de Sertãozinho (SP), parou por longos trinta minutos por causa de um acidente de trânsito, no finzinho da tarde, logo vi que deveria ter mais paciência que de costume. Lia enquanto aguardava o reiniciar da viagem. Logo o motorista seguiu. Estrada livre. “Acho que finalmente sairemos de São Paulo” deduzi. Para meu conforto, a poltrona ao meu lado estava vazia. Isso é raro! Bom que poderei dormir sossegada. Já estávamos em trajeto por umas quatro horas e nos aproximávamos de um posto em uma pequena cidadezinha que nem me lembro o nome. Desci, tomei um café e voltei para o ônibus. Temperatura agradável, bem melhor que Sertãozinho! Mas para minha surpresa, quando me espalhava na poltrona 41, aproveitando as luzes do ônibus ainda acesas, uma senhora, na altura dos seus cinquenta anos, muito clara, com uma marca escura do lado esquerdo do olho, sem dizer uma só palavra se acomodou ao meu lado. Mesmo assim lhe dei boa noite e o motorista já foi ligando o ônibus e apagando as luzes. “Estava bom demais para ser verdade – pensei – Sozinha em duas poltronas?!” Mas pouco depois me ajeitei e seguimos viagem. Alguma coisa me incomodava e eu não conseguia saber o motivo. Minha companheira de viagem não fazia qualquer movimento. Somente quando se levantou, enquanto o ônibus ganhava a estrada, ela se dirigiu lentamente ao banheiro, provavelmente, mas demorando demais.

Sei que apaguei e só abri os olhos quando as luzes do ônibus se acenderam novamente nos alertando para a segunda parada. Observei a poltrona do meu lado completamente vazia. A mulher não retornou. Deve ter arrumado um lugar mais a frente, foi o que imaginei. Mas não resisti a estranha sensação de buscá-la entre os outros passageiros. Não a vi. Procurava por aquele semblante sério e triste. Demorei um pouco, propositadamente para retomar meu lugar no ônibus, esperando que todos os passageiros voltassem. Nada. Então, olhando o motorista do lado de fora da porta, resolvi lhe perguntar sobre a estranha passageira que embarcou na primeira cidade onde fizemos a primeira parada. Para o meu completo espanto ele me respondeu que ninguém embarcou fora de Sertãozinho, na rodoviária. Pronto. Fiquei atordoada. Não sabia o que pensar. Falei com ele, de forma insistente que ela se sentou ao meu lado. Ele novamente me respondeu que o ônibus tem exatamente o mesmo número de passageiros durante toda a viagem e que logo chegaríamos, desviando a conversa. Estava encabulada com o acontecido. Não pude pensar em outra coisa.

Ao desembarcar fui direto ao guichê comprar a passagem de volta e segui meu destino, ainda confusa. Na tarde daquele dia, comprei como de costume, a Folha de São Paulo , jornal diário, e para minha surpresa, nas páginas de ocorrências policiais, a notícia do acidente, envolvendo um taxi e um motorista embriagado, próximo a rodoviária de Sertãozinho, o mesmo que nos atrasou a viagem por meia hora. Centralizando a reportagem havia uma foto da vítima fatal: uma mulher. Era exatamente a mesma mulher que sentou-se ao meu lado por algum tempo após a primeira parada do ônibus. Jamais iria me esquecer daquela mancha no seu rosto. O medo dominou meu corpo e pensamento de forma a não conseguir me mover. Fiquei paralisada. O que li na reportagem me deixou ainda mais atordoada. Junto aos seus poucos pertences, foi encontrado um bilhete de passagem, número 40, Viação GO, para Goiânia exatamente para aquela tarde de quinta-feira, com embarque ás 17:00 horas, que segundo os parentes, ela estava indo de encontro aos familiares para comemorar seu aniversário, tendo inexplicavelmente, a mesma data de sua morte.