A garotinha do hospital

Ontem, precisei de ir a um hospital, que fica do outro lado da cidade, a uma consulta médica, há mais de um mês marcada, sobre umas dores que venho sentindo na região do tórax e que muito estão me incomodando.

A consulta estava marcada para as 16hs. Então, não muito depois de almoçar, saí. Era cerca de 13h30min. Talvez parecesse muito cedo, mas eu queria garantir que estava prevenindo-me contra alguma possível complicação em minha trajetória.

Ainda na minha rua, tive que ficar parado por uns quarenta segundos esperando um grupo de meninos, acompanhado por dois adultos, ajudar um garoto que havia caído de bicicleta e estava um pouco machucado.

Enquanto estava ali à espera de que o grupo se dispersasse e a rua voltasse a ser transitável, uma garotinha aparentando ter uns seis aninhos de idade, que brincava sozinha na calçada, junto a um montinho de areia, levantou-se de repente e veio em direção ao meu carro. ao chegar próximo, disse:

- Moço, vá com Deus!

- Amém!

- Posso lhe dar um beijo de boa sorte?

- Claro minha linda!

- Meu nome é Jéssica.

- Tudo bem. Tchau, Jéssica.

Ela aproximou-se da porta do carro, beijou-me no rosto e disse que a partir de então eu teria toda a sorte do mundo. Agradeci, olhei à frente, vi que a rua já estava livre para o trânsito e segui.

Em uma rua, ainda do bairro onde moro, subitamente um garoto de aproximadamente quatro anos, soltou-se da mão de sua mãe e correu em disparada para o meio da rua em busca de um brinquedinho quebrado que havia visto. Quando vi estava em cima. Freei bruscamente. O ruído do atrito dos pneus no asfalto misturou-se ao grito desesperado da mãe em meus ouvidos. Consegui parar o carro e, atônito, sem qualquer certeza do real desfecho da situação, desci, temeroso do que veria e fui verificar o que de fato havia ocorrido. O garotinho estava assustado e imóvel a menos de um palmo do para-choque. Mas, felizmente, estava intacto, ileso. A mãe agradeceu-me trêmula e agitada, pegou o filho nos braços e eu, tentando recobrar a tranquilidade, segui o meu caminho.

Tinha percorrido cerca da metade do trajeto, quando surgiu uma lentidão no trânsito. Não havia acontecido nenhum acidente. Era apenas excesso de veículos na via. À margem da avenida, em um pequeno espaço gramado uma menina loira, de olhos claros acenava e sorria para mim. Era a mesma que me havia beijado no rosto quando ainda estava na minha rua.

Fiquei intrigado. Não podia ser verdade. O trânsito voltou a fluir, segui em frente, buscando ansiosamente vê-la pelos retrovisores, não consegui mais enxergá-la.

Cheguei ao hospital, tive a consulta e dirigia-me à saída por um dos corredores. Na direção contrária, uma enfermeira apressadamente conduzindo uma maca. Sobre esta uma garota loira entubada. Era aquela que beijara-me no rosto. Perguntei à enfermeira o que tinha acontecido, há quanto tempo a garota jazia ali e qual era o seu nome.

- O nome dela é Jéssica e ela está aqui, em coma, há pouco mais de dois meses. Por quê, senhor?

- Por nada. Muito obrigado.

Continuei a sair, perturbado, com os pensamentos todos emaranhados em minha mente. Seria tudo aquilo realidade, loucura, miragem? Nada mais era certo na minha cabeça. Olhei para trás, para a fachada do hospital e, em uma das janelas, a garotinha acenando para mim.

Francisco Adenilson
Enviado por Francisco Adenilson em 10/12/2017
Código do texto: T6194870
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