A odisseia de ser sozinho

A boca parecia virgem de tanto beijar a secura nos lábios. Seus olhos procuravam uma penumbra para namorar, pois a solidão não aguentava mais ser tocada. Não havia descanso. Todos os dias eles se amavam como da primeira vez e ninguém poderia acudir.

Suas mãos compridas, esticadas aos seios-maboques da menina, desciam, depois dali, ao batuque carnudo cujo tecido deixava seu pau duro em todos os encontros e amolecia a banana após removida a casca. Não poderia ser engolida dentro da embalagem que encerrava o processo de compra e venda. Ela era embutida pela boca adentro, suavemente, como quando não queremos que o gelado de mukwa desapareça das mãos que o prendem e poupamo-lo, cuidadosamente.

Quanto mais doce, maior o medo de ver o momento a sair letras. Mas a Solidão, subitamente, cansou-se, e fugiu dele como fazem os gatunos quando conotados pelo povo, nos bairros de papel, onde a orgia representa folia. Afinal, ela tinha um copázio onde armazenava suas lágrimas. Porque, conquanto era uma maravilha de sabores, doía muito. Não passava de uma aventureira com vontade de provar os mais desolados. O azar foi ter encontrado um dos rostos mais eficientes da introversão. A coisa não lhe ficou nada fácil.

Ele não tinha pénis. Remava a Solidão com os palitos de aborrecimento que tinha sempre nas mãos, tirados da vassoura da homofobia. Outro dia discutiam sobre o sexo ter levado mais horas do que o normal, que já passava de preocupante, mas ele não abria a boca para ripostar. Queria sempre mais uma volta começando por beijos.

A coisa começava quando os galos caíam no seu sono de aves e um vizinho ao lado ligava o gerador barulhento para abafar os gritos e delirares vindos do casulo. Homem mais activo e impiedoso ela não conhecera em nenhuma outra vida. Todas as suas cuecas ficavam aí. Sorte mesmo era o facto de que nunca poderia engravidar e formar uma equipa de miúdos magros e melancólicos.

Ela não era uma meretriz qualquer. Seus clientes sempre foram pessoas excepcionais, o que fazia dela actuante de uma área específica. Deu-se mal quando conheceu aquele tesudo e ficou viciada ao que lhe doía. Rebentavam-lhe os fusíveis mas ainda gostava. Só que tudo por exagero pode ser letal e ela não quis cubar assim tão cedo, ainda mais por causa das papadas com o gajo.

Era obrigada a abrir-se todos os dias para satisfazer os desejos emocionais de uma pessoa fechada. Era uma guerra sem repouso onde saía sempre perdedora, até que um dia aproveitou-se dum convívio e foi-se embora. Nunca mais voltou. Via-se castigada e acreditava que não era para tanto. Fez as malas e foi morar sozinha. Ele, por sua vez, ficou à procura de outra tristeza com a qual pudesse ser feliz.

Widralino
Enviado por Widralino em 21/04/2018
Código do texto: T6315041
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