O IANGUÇU

Passei minha infância numa fazenda típica das décadas de 60 e 70, onde o fazendeiro demarcava um lote de terras e os moradores, chamados colonos cultivam banana, mandioca, milho, etc. para comercializar e outros cultivares para subsistência, como feijão, jiló, berinjela, alface, couve, etc. Além disso, cada um tinha uma “criação” de animais como galinha, pato, porco, etc. Esta fazenda tinha cem alqueires de extensão e cerca de sessenta colonos espalhados por toda a sua largueza. Uma área era composta de pastos, onde o fazendeiro criava gado leiteiro, outra parte era de formação florestal e as demais áreas serviam aos colonos. Cada colono entregava vinte por cento daquilo que produzia, além de trabalhar as segundas-feiras (na turma) para o patrão.

Nós, as crianças, desde cedo éramos solicitados a fazer pequenos trabalhos, como buscar água fresca da grota, ajudar a tomar conta dos irmãos mais novos, buscar um leite na fazenda, etc. Além disso, tomávamos banhos nos riachos, fazíamos pescarias, caçávamos passarinhos, caçávamos preá, etc. Era uma vida muito legal.

Lá na minha casa tinha uma casa de farinha que, pelo menos duas vezes por semana reunia-se um grande grupo de pessoas para raspar e cevar a mandioca para fazer farinha. Eu gostava muito, pois além de poder me encontrar com outras crianças, era uma oportunidade para ouvir vários “causos” contados pelos mais velhos. Tinham as aventuras de quando eles eram jovens, tinham histórias de assombrações, tinham as histórias que eles ouviram, quando criança, entre outras.

Mas aqui eu quero relatar uma das muitas passagens desse período da minha vida. Eu tinha seis anos de idade, quando num entardecer chegaram em minha casa: Almir (12), meu tio acompanhado de tia Gurmecinda (13), Jonas (12) e Porfírio (12), meu primo. Minha mãe chegou da roça e foi fazer a janta e meu pai ficou no boteco como era de costume.

Começamos a brincar de pique no grande quintal da minha casa, que ficava na parte mais alta de um morrinho, de onde era possível observar tudo na planície abaixo. Quando Almir, que era uma espécie de líder, sugeriu que fossemos botar fogo num roçado que meu pai havia feito atrás e abaixo da casa, perto de uma trilha de mulas. Já era umas sete horas da noite. Almir acendeu o fósforo e botou fogo num bocado de capim seco. Depois do fogo aceso cada um de nós pegou algum galho seco e fez um facho para espalhar o fogo pelo roçado.

Em um dado momento Jonas chamou a atenção para uma luz avermelhada, tipo de um farol de querosene que vinha lá embaixo, onde tinha um mandiocal do meu avô. Alguém observou que deveria ser uma pessoa que estava indo pescar no rio que cortava o vale. Continuamos a circundar o roçado, botando fogo. Quando atentamos, a luz estava mais perto da gente, quase na subida do morro. Nos juntamos e começamos a observar a sua trajetória. Ela caminhava não muito depressa, mas em nossa direção. O mais curioso é que ela não seguia nenhum dos caminhos ou trilhas. Depois de algum tempo já era possível ver, além do clarão imposto por ela, a fumaça escura que ela deixava escapar.

Mas, o que começou a despertar ainda mais a nossa atenção, foi que ela passou por cima de uma matinha que existia abaixo, onde caçávamos passarinhos. Daí, ela continuou por uma capoeirinha que ficava num lajedo de pedra e, por isso mesmo, estava totalmente seca, mas não pegava fogo no mato. Sendo assim, todos nós começamos a correr em direção à casa. Os mais velhos subiram rápido. Eu, que era menor, subia e escorregava de volta. Fiquei com muito medo. Coloquei todas as minhas forças nas pernas e nas mãos e consegui atingir a parte de cima, já no quintal da casa.

Nesse momento, a Luz já estava bem perto de onde nos encontrávamos antes. Entramos na casa e fomos para a janela da sala. Foi quando a luz fez uma curva e veio em nossa direção. Parou a uma distância de um dez metros, debaixo de um antigo pé de café.

A partir de então, protegidos pela casa, nós fizemos várias ameaças. Falamos que tinha garrucha, que tinha foice, faca, etc. A Luz ficou lá. Ás vezes ela aumentava e depois diminuía. O fogo no roçado chegou até ao aceiro e se apagou, mas aquela Luz continuava nos intrigando. Jonas foi ao outro lado da casa. Pegou pedras e atirou em direção a tocha, mas ela não mudou de lugar, apenas aumentou e diminuiu a sua chama.

Depois de muito tempo, o sono chegou e eu fui dormir. O resto da turma ainda continuou lá desafiando a Luz. Minha mãe disse que meu pai chegou e foi lá no quintal. Fez uma reza e a Luz desapareceu. O restante do grupo pegou uma foice para se proteger e foi embora.

No outro dia eu contei o ocorrido à minha avó. Ela me explicou que era o Ianguçu, que consiste numa espécie de ser fantástico brincalhão e protetor da natureza que vive pregando peças nas pessoas. Ela já tinha encontrado-o por várias vezes. Que uma forma de livrar-se dele era jogando sal em sua chama.

Até esse dia eu, embora ouvisse muitas histórias, não tinha medo de nada. Mas, a partir das explicações de minha avó, somadas as evidências da noite anterior passei a conviver com intenso medo. Passei praticamente o resto da minha infância nutrindo esse medo, que tive que vencer sozinho. Esta foi uma das muitas experiências marcantes da minha infância na fazenda.

Deneci Sardinha