Trevas

Sentada num canto do quarto escuro, com os joelhos abraçados ao corpo, cabeça reclinada sobre eles, olhos rotos de tanto chorar. Mariana fora encontrada assim naquela casa enorme, escura, fúnebre e vazia. A coitadinha não soubera o que fazer, então sentara-se ali, chorando sozinha. Estava trêmula, fraca, abatida, desarrumada, cabelo solto desleixadamente, carecendo de um banho, pés descalços.

O quarto era enorme e luxuoso, assim como toda a casa. Com uma janela enorme, do teto ao chão, que dava para uma varanda bem delicada e perfeitamente mobiliada, na direção do nascer do sol, aquele quarto fora um oásis nas manhãs conturbadas que Mariana vinha vivendo. Mas, ultimamente, nem isso a ajudava mais. Agora, tudo permanecia fechado e com cortinas escura e pesadas. No entanto, sua mobília de estilo vitoriano, assim como tudo na casa, ainda impunha o requinte e a exuberância que a vida naquela casa tivera um dia.

O quarto ficava no andar de cima da casa. Aquela casa vitoriana, de teto alto e piso de madeira, tinha sido mantida perfeitamente conservada. Entrando pela porta, logo se via uma sala imponente com mobília requintada e uma escadaria que dava acesso ao andar de cima. Lá em cima, ficava o quarto principal de Mariana. Normalmente, seria um evento entrar naquele quarto, tão exuberante e glamoroso que era. Mas naquele dia, apesar de todo o aspecto estético e físico do ambiente estar imutável, a atmosfera era completamente outra.

O estado de Mariana estado era de dar deplorável. Ninguém discordava que ela precisava de ajuda, de uma intervenção urgente, ou perderia o último fio de sanidade que ainda lhe restara (se é que o já não perdera). Mas como ajudar? O que seria realmente adequado a se fazer por alguém que simplesmente ia desistindo, pouco a pouco, da vida.

Mariana fora uma menina muitíssimo bem-criada. Era, em outras épocas, de uma vivacidade invejável. Desde pequenina, quando se mudara para aquelas bandas do Vale da Rosa, com seus doze anos, encantava a todos. Seu jeito faceiro de menina agradava a todos.

Esta Mariana de agora, sentada num canto escuro daquele quarto, com nenhum cuidado com seu corpo e aparência, aparentando nenhum traquejo social, em nada lembrava a menina Mariana que crescera e se tornara a mulher mais invejada, bem à vista de todos. O que se fato acontecera? Que caminhos a levaram àquele canto escuro do belíssimo quarto vitoriano?

Marta Almeida: 25/09/2018 (Possível prólogo de um romance que nascerá deste texto)