O homem que chegou adiantado

Eram duas da manhã quando a porta envidraçada da lanchonete abriu-se para a noite escura lá fora, revelando a figura de um homem de cerca de 1,90 m de altura, terno e gravata pretos, camisa branca, a cabeça loura descoberta, cabelos cortados curtos. Atrás do balcão, parei de enxugar copos e o encarei.

- Boa noite - saudou-me ao entrar.

- Bom dia, na verdade - respondi, apontando para o relógio na parede atrás de mim.

- Oh, verdade - confirmou ele, apoiando as mãos no balcão e lançando um olhar de curiosidade para o calendário na parede, onde uma garota de maiô vermelho dirigia um olhar lânguido por sobre o ombro para o espectador. - Hoje são 6 de junho?

- Sim, - confirmei - 6 de junho, sábado.

- De que ano?

Ergui os sobrolhos.

- 1942, é claro.

Um ar de decepção surgiu no rosto do visitante.

- Que droga... tenho que refazer os cálculos! - Murmurou contrafeito, voltando as costas para o balcão.

- Algum problema? - Perguntei protocolarmente.

- Eu deveria ter ido direto para 1944... estou dois anos adiantado - disse ele, voltando-se para mim novamente.

- Bom... se o problema é esse, basta esperar a passagem natural do tempo que fatalmente chegará lá - gracejei.

- Tenho uma certa urgência - retrucou o visitante. E, sem se despedir, saiu pela porta afora.

Fiquei alguns instantes imóvel, tentando tirar algum sentido daquele estranho diálogo. E, só então, dei-me conta de que, embora a minha lanchonete estivesse à beira de uma rodovia interestadual distante mais de 10 milhas da cidade mais próxima, eu não ouvira nenhum veículo chegar ou partir.

Fui para fora e olhei em ambos os sentidos da estrada. Apenas vazio e escuridão, sob um céu estrelado.

* * *

Passava pouco das duas da manhã quando a porta da lanchonete abriu-se. Reconheci o homem quase que imediatamente, apesar do tempo decorrido: alto, terno preto, cabeça loura descoberta.

- Bom dia - saudei-o.

- Bom dia - respondeu ele, sorridente. - Lembra-se de mim?

- Você esteve aqui dois anos atrás... sim, me lembro. Foi um acontecimento inusitado, para dizer o mínimo. Não poderia esquecer.

- Então hoje é 6 de junho de 1944?

- Exato... 6 de junho de 1944, terça-feira. E você está vestido exatamente da mesma forma que me lembro quando veio pela primeira vez...

- Bom, é a mesma roupa... - admitiu ele, sentando-se numa das banquetas estofadas à frente do balcão.

- Parece nova - insisti.

- Frequento uma boa tinturaria - disse com um meio sorriso.

- E o seu carro? Deve ser muito silencioso, pois não o ouvi chegar... - Inquiri cautelosamente.

- O meu automóvel... sim, ele virá depois me buscar - declarou em tom vago.

- Um carro de praça? - Indaguei.

Ele balançou a cabeça.

- Algo assim.

Olhou para o menu pregado na parede e solicitou:

- Por favor, me dê um café preto e duas rosquinhas com creme.

Colocou uma moeda de 50 centavos de dólar sobre o balcão, e puxou um jornal dobrado do bolso do paletó, o qual começou a desamassar cuidadosamente. Peguei a moeda e dei-lhe uma olhada; parecia estranha.

- Série nova? - Perguntei, exibindo-a ao visitante. A cara exibia a efígie de Benjamin Franklin, e a coroa, o Sino da Liberdade. O detalhe mais curioso era a data, gravada sob o queixo de Franklin: 1949.

- Oh, perdão... - disse ele, recolhendo a moeda e revirando os bolsos. De lá puxou um meio dólar de prata com a tradicional figura da Liberdade cunhada. E uma data que fazia mais sentido: 1935.

- Esta está melhor - ponderei.

- Às vezes eu chego realmente muito adiantado - desculpou-se ele.

- Melhor do que se atrasar - ponderei, servindo-lhe o café e as roscas.

- [17-10-2018]