Harmonia

- O que tem feito, Kepler?

A pergunta do amigo Tilcken Veringer poderia ter sido respondida de uma série de maneiras; afinal, Johannes Kepler era um homem bastante ocupado. Todavia, resolveu dar uma resposta objetiva:

- Estou preparando um novo livro sobre astronomia... o título provisório é "De harmonia mundi".

- Harmonia... - repetiu Veringer, intrigado. - Algo a ver com a "música das esferas"?

- Tem relação com este tema, mas estou usando uma nova abordagem - revelou Kepler relutantemente. - Baseada nas descobertas de Copérnico...

- Sim, Copérnico... ouvi falar - ponderou Veringer. - A teoria de que a Terra gira em torno do Sol e não o inverso.

- É uma teoria que tem sido comprovada por observações empíricas... por exemplo, com o telescópio de Galileu - arguiu Kepler. - E, através dela, pretendo provar que as órbitas dos planetas obedecem a proporções harmônicas, como na música. Cada planeta, a depender da velocidade e do ponto de sua órbita em que esteja, assume uma posição numa tabela musical.

- Notável! - Admirou-se Veringer. - Então, em princípio, seria possível escrever música baseada neste seu postulado?

- Em tese, sim - admitiu Kepler. - Embora não seja este o objetivo primário do meu estudo; estou mais preocupado em descobrir como isto influencia a alma da Terra.

- A Terra possui uma alma? - Surpreendeu-se Veringer.

- Naturalmente! Todos os corpos sujeitos à influência da harmonia universal possuem uma alma.

- E quais acordes desta música das esferas ecoam na alma do nosso orbe?

Kepler ficou em silêncio por um instante. Finalmente, respondeu, embaraçado.

- Bem... veja que efetuei cálculos rigorosos para chegar à esta conclusão. A faixa harmônica da Terra é bem pequena, embora muito mais expressiva do que a de Vênus, que é quase inexistente... varia de mi a fá.

E perante a expressão pensativa do amigo, complementou:

- Não sei qual a sua opinião, mas quando descobri esta variação, entendi quase de imediato porque temos tantos MIseráveis e FAmintos aqui.

- [26-02-2019]