O condutor

Faltava apenas 2 horas para anoitecer e lá se ia mais uma segunda-feira tediosa de trabalho, mesmo que ainda o sol brilhasse e castigasse a todos como se tivesse em sua potência máxima. Frio ou calor, normalmente pra mim não faz diferença, até porque meu sedan é climatizado. Porém tenho que admitir que calor não é muito minha praia, principalmente com o maior número de trabalho dos últimos tempos Esse foi um dia movimentado, já tinha levado um casal, um grupo de empresários, e uns adolescentes que fui buscar em um parque aquático. E agora, como parte da minha maçante rotina, acabei por deixar uma mãe e seu bebê, um recém-nascido, em seu destino e agora partia pra mais uma viagem. A próxima parada agora é uma fazenda, possuía alguma outras pequenas fazendas em volta, um lugar aparentemente pacato, porém eu ia lá com uma certa frequência. Não tinha nem 2 meses que eu tinha recebido um chamado.

Ao chegar lá, ouço gritos ecoando e em seguida duas crianças passam correndo por mim. Não deviam ter nem 10 anos. Elas vinham da direção do celeiro, que estava com as portas entreabertas e alguns de seus cadeados jogados ao chão. Fui averiguar a situação lá dentro do mesmo, ao fundo pude perceber uma garota de cabelos encaracolados, essa já devia ter uns 15 anos pela sua aparência. A mesma se encontrava estática e encarava uma criatura horrenda, apavorada com sua figura monstruosa e desproporcional, parecia também, em suas mãos, haver algo como garras afiadas. A criatura parecia hipnotizada pelo sangue que escorria pelo vestido da menina, mas ao me ver decide correr e se esconder em meio escuridão. Chego perto da garota, que ainda se encontrava paralisada e tento soar o mais calmo e ameno o possível.

– Não importa o que aconteceu agora, está tudo bem, já terminou.

Como que houvesse um estalo na mente da garota a mesma olha pra mim com uma expressão de choque mal conseguindo controlar o que falava.

– Não... err, ah! As crianças... meus primos, não está bem, nada bem...

A garota então começa a olhar para os lados como se tivesse procurando por algo.

– Cadê? Cadê eles? – diz aumentando o tom de voz.

– Se estiver falando de duas crianças, ela passaram por me correndo, seguiram para a floresta. As manchas de sangue pelo vestido só cresciam mas para ela, isso não parecia importante no momento. Tinha outras prioridades.

– Não está bem, nada bem... – repetia a garota – preciso encontrar eles, preciso...

– Ele devem estar bem – tento dizer para acalmá-la, mas não parecia me dar ouvidos.

– A floresta, preciso ir pra floresta, as crianças estão desprotegidas lá, o monstro pode pegá-las. – diz antes de sair disparada em direção as floresta. Bem que as crianças deveriam ter ido direto pra casa em vez de se meter no meio do mato. Crianças burras. Sigo a garota para o meio da floresta. Logo avisto um carro vindo pela pequena estrada de terra que dava direto no fazendo. Era um fusca branco, antigo porém em bom estado. Com ele, as crianças surgem gritando em estado eufórico.

– Vovó, vovó, tem um monstro, um monstro no celeiro.

A avó pegas as crianças e segue com elas para a casa. A garota vai atrás, aliviada. Ao entrar em casa, manda as crianças para o quarto e então a velha olha para garota.

– Cecília, minha doce Cecília, o que aconteceu? – diz em estado claro de preocupação.

– Vovó, tinham um monstro, um ser grotesco no celeiro vovó... eu estava olhando eles, olhando como a senhora pediu. Estavam aqui fora brincando. Só me distraí por um momento, um pequeno momento. – fez uma pequena pausa e continuou – Então eles decidiram entrar naquele lugar, o celeiro. O tal lugar que a senhora disse pra nunca entrar. Achei que não tinha problemas. Quando vai visitar o tio Raul no asilo, a senhora costuma demorar. Eu também estava curiosa... – a garota parecia receosa ao falar. A vó de Cecília escutava atentamente com um olhar de pesar – antes que eu pudesse impedir, eles abriram os cadeados, nem sei onde eles encontraram a chave. Quando vi, fui correndo, assim que entrei no celeiro, aquela criatura... aquela coisa horrorosa apareceu. Eu estava com medo, com tanto medo...

– Minha querida, fique calma, você não fez nada de errado. Minha valente Cecília, você salvou seus primos, você não tem que chorar – a vó tenta acalmar a criança e então olha pra mim. – eu sei que você veio busca-la, mas eu não poderia passar mais tempo com ela? ela parece tão agitada. – diz a mesma, eu aceno com a cabeça. A jovem parece confusa, olha pra mim por um instante e depois para a velha.

– Quem é ele vó? porque me buscar? E monstro vó, se ele aparecer de novo? Se ele vim atrás da senhora? Dos meus primos?

– Minha querida, se acalme, tudo será explicado. Esse monstro deve ter sido coisa dos filhos do senhor Bane. Sabe como aqueles adolescentes são mal criados, deve ser umas de suas pegadinhas. Esses jovens de hoje fazem tudo para aparecer. Sabe, pra filmar e colocar na internet. Seus primos estão bem, eu vou ficar bem... – a neta parece se acalmar com a história da avó.

– Desculpa interromper, mas não posso dar muito mais tempo, ainda tenho pessoas para buscar hoje.

– Eu poderia ao menos me despedir? Só um tempinho... um tempo a mais pra me despedir... – a velha pede com uma certa tristeza no olhar – embora não importe quanto tempo passe, nem todo tempo do mundo parece ser o suficiente.

Não era muito do meu feitio ceder a esses tipos de capricho, mas essa senhora era especial. Não é sempre que encontro pessoas capazes de me ver. A garota parece confusa sem entender o que se passa, mas a velha sabia muito bem. Sabia que não tinha como impedir. Cecília tinha que partir.

– Meu amor, minha querida neta, se você não tivesse chegado a tempo, agora também estaria me despedindo do Dave e da Maria. Eu não queria que você fosse, mas você tem que ir. Deve seguir e obedecer o moço. Tenho certeza que ele te deixará em um bom lugar.

– Mas vovó? E a senhora? Pra onde eu vou? Eu não quero ir... – diz a jovem garota com uma relutante.

– Não tem como ser diferente, me corta o coração ver você ir. Ir sozinha... mas ainda não é minha hora de partir.

A jovem abraça fortemente a avó que então me entrega a jovem pela mão... Já tinha perdido muito tempo ali, e tinha uma galera boa pra buscar pela cidade. Esse dia ia ser movimentado. Saí daquela fazendo refletindo. Um lugar com um ar tão calmo, mas de tempos em tempos eu ia buscar alguém lá. Logo, logo teria serviço por lá de novo.