A CEIA

A CEIA

Essa estória aconteceu no Planeta Terra, na parte sul da América, bem no coração do Brasil, no querido Pernambuco, precisamente na querida Passira.

Seu Joaquim, que vivia com sua esposa Maria dos Anjos numa grande casa no Sítio Poço do Pau, teve dois filhos que já estavam casados, um se chamava Jonas, que era casado com Lorena e o outro Leonardo, casado com Bia. Jonas e Lorena tinham três filhos, Mônica de nove anos, Lucas de seis e João Joaquim de cinco, enquanto Leonardo e Bia tinham dois, Maísa de oito anos e Maurício de seis.

Na semana do Natal de 1974, todos foram para casa de seu Joaquim, como era de práxis. E ao chegar, perceberam que ele estava doente, muito doente.

Reclamaram bastante:

- Meu pai, por que o senhor não nos chamou? - disse Jonas, um pouco irritado com o pai.

- Para não incomodar – respondeu seu Joaquim - vocês todos trabalham, não quis apoquentar ninguém.

De fato todos trabalhavam: Jonas numa loja de sapatos, no centro, como gerente de vendas; sua esposa como secretária de uma escola particular, que fica na cidade vizinha, Limoeiro, a prima Simone era quem cuidava dos meninos; Leonardo e Bia trabalhavam juntos numa empresa de cosméticos, andavam por várias cidades representando a empresa, seus filhos quando retornavam da escola ficavam com a tia Margarida. Leonardo imediatamente ligou para Dr. Inocêncio, um dos médicos da cidade e amigo da família havia mais de trinta anos, - seu Joaquim e Dr. Inocêncio eram amigos desde a infância. Jonas e Leonardo cresceram contíguos com o único filho de Inocêncio, Sílvio, que hoje também é médico -. E foi Sílvio quem atendeu ao telefone.

- Como? pai Joaquim, - era assim que ele o chamava cariosamente – estou indo imediatamente.

- Quem é? perguntou seu pai, Dr. Inocêncio.

- Leonardo pai, está pedindo ajuda, pai Joaquim está muito doente.

- Eu vou com você, falou Dr. Inocêncio já se aprontando - faz tempo que não vejo meu amigo, aproveito e lhe faço uma visita.

- Vamos rápido então, com a idade que ele tem não pode ficar sem ser atendido por muito tempo - completou o Dr. Sílvio. E, juntos, foram até o sítio da família amiga.

Os dois médicos ao chegarem, examinaram seu Joaquim e logo perceberam que ele realmente estava muito mal. Porém, não conseguiram diagnosticar, logo tiveram que encaminhar seu Joaquim, para o hospital da cidade, com urgência, os médicos foram juntos. Ao chegar ao hospital, fizeram uma série de exames, já era noite, véspera de Natal e, todos ali estavam, menos as crianças e Bia, que ficaram em casa, até dona Maria dos Anjos, mesmo nervosa, veio acompanhar seu parceiro de muitos natais.

A noite seria longa no hospital, seu Joaquim sequer falava, só olhava, todos ali do seu lado sem arredar o pé, com os olhos cheios d'água ele tentava dá uma olhada geral para todos e seus olhos escorreram lágrimas, como se algo faltasse. Já era duas e poucas da manhã, quando seu Joaquim finalmente conseguiu dormir.

Depois de a aurora contemplar um novo dia, todos continuavam ali, e esse novo dia é dia de Natal. Às nove da manhã o ancião querido acorda e todos continuam ali, exceto, Dr. Inocêncio, pois teve que dá plantão no hospital da cidade de Salgadinho, mas ligava constantemente. O médico responsável chegou as onze e trinta e cinco no quarto do paciente Joaquim Gomes, já com todos os exames nas mãos, Dr. Sílvio cochilava no canto, quando o Dr. Hélio o chamou - esse era o nome do médico responsável –.

- E então, Dr. Hélio, o que é que o pai Joaquim tem? - perguntou Sílvio com um ar de nervosismo.

- Bem Dr. Sílvio - respondeu Dr. Hélio - de acordo com os exames, não apareceu nada de errado em seu Joaquim, porém ele não consegue respirar direito, sua pressão oscila e ele não reage, parece que não quer viver mais.

- Ele está com algum tipo de problema? - indagou Dr. Hélio.

- Que tipo de problema, Dr. Hélio? - rebateu Dr. Sílvio.

- Sei lá, financeiro, familiar - insiste o médico.

- Não Dr. Hélio - disse Sílvio.

- Disso eu tenho certeza – continuou - a família dele é maravilhosa e vive muito bem financeiramente, logo, problemas familiar e/ou financeiro não é, é outra coisa.

- Então, meu amigo – falou Dr. Hélio - não sabemos o que ele tem, quando analisei os exames e percebi que ele não tinha nada logo conclui, é depressão, só pode ser depressão decorrente de problemas familiares ou financeiros, pois todos os indícios levaram a isso e agora você me diz que a vida dele é maravilhosa, não entendi foi nada.

- De qualquer forma vou mandar o Dr. Amaro, chefe do hospital, dá uma olhada nele e dependendo do seu parecer, se for o mesmo que o meu, seu Joaquim estará de alta às dezoito horas, não podemos fazer mais nada - findou Dr. Hélio.

Em seguida, após ser chamado, entra Dr. Amaro para ver a situação de seu Joaquim e ao examiná-lo, constatou que o Dr. Hélio tinha razão, o paciente não apresentava nenhum problema de saúde, porém não se sentia bem, sequer conseguia falar ou andar, estava muito triste e não reagia a nada. Mesmo assim o Dr. Amaro lhe dera alta, pois não podiam fazer mais nada ali no hospital. Na esperança de que em casa com o carinho da família talvez ele reagisse, apesar de não acreditar muito, na opinião dele e também do Dr. Hélio, seu Joaquim não passaria o Natal vivo e morrer no seio da família seria mais humano.

Enquanto todos estavam no hospital, Bia já recebera a notícia de que seu sogro viria para casa às dezoito horas e, já passava das quinze, daí ela começou a fazer a ceia de natal, ela teve que se apressar, pois queria fazer uma surpresa e ao mesmo tempo dá continuidade a anos de tradição na família, noite de Natal todos ceavam na casa de seu Joaquim e Das Dores. Ela não sabia o que realmente acontecia.

Ainda no hospital, o Dr. Amaro novamente examina seu Joaquim a pedido dos filhos e reafirma aquilo que o Dr. Hélio desconfiara:

- Depressão, o que seu pai tem é depressão - disse o chefe do hospital.

- Mas Doutor - contestou Jonas - nosso pai vive bem, nós sempre ligamos pra ele, não temos problemas financeiro, familiar ou qualquer outro que venha causar isso, como pode está com depressão?

- Seu Joaquim está de alta – duramente respondeu o chefe do hospital - não podemos fazer mais nada por ele, ele tem que reagir sozinho e, na situação que está será muito difícil existir uma reação partindo dele.

- E o que faremos Doutor? - apelou Leonardo, já às lágrimas.

O Doutor foi frenético:

- Rezem, pois seu Joaquim está num caminho sem volta, que nem os remédios estão dando efeito, ele não reage, como o Dr. Hélio já falou, parece que ele não quer reagir.

Dr. Amaro repete a mesma coisa que o Dr. Hélio:

- Seu Joaquim dá a impressão de que não quer viver mais.

O choro foi geral.

E agora o que vamos fazer? O que irá acontecer? chorando se perguntavam.

Na casa da família os netos a toda hora perguntavam: Cadê todo mundo? Bia sem saber o que dizer, com medo de falar a verdade disse às crianças que foram resolver um problema e que já estão chegando.

Já eram dezenove horas, quando o carro para na porteira e buzina para que Bia a abrisse, e, ela vai “voando”, então percebe que são dois carros, seu Joaquim veio de ambulância, junto dele veio Lorena e Jonas e no carro da família vieram Leonardo e Sílvio, mas, Dr. Sílvio ficara no meio do caminho, porque tinha um compromisso inadiável.

Ao chegarem à casa, Bia os recebe chorando, ela já pressentia o que se passava, tendo em vista que o sogro chegara de ambulância e todos estavam tristes e arrasados. Os meninos estavam dormindo, foram dormir cedo, pois era noite de Natal e como a ceia sempre é servida a partir da meia-noite, ela colocou os meninos na cama cedo para acordá-los pouco antes da hora de cear.

Colocaram seu Joaquim na cama, e foram todos tomar banho para depois comerem alguma coisa, já que mal se alimentaram durante essa jornada desagradável no hospital.

- Bia, estou com fome - reclamou Leonardo seu marido.

Bia estava na cozinha numa aflição terrível, pelo motivo de ter preparado uma ceia de Natal, e agora sabia que ninguém cearia com seu Joaquim naquela situação. De repente dona Maria dos Anjos chega à cozinha e percebe Bia chorando sentada num banquinho:

- Não se preocupe minha filha Joaquim vai melhorar, eu sinto que ele vai melhorar - falou Dos anjos tentando consolá-la, com os olhos escorrendo lágrimas.

Sentindo aquele consolo carinhoso da sogra, Bia confessa o porquê da sua angústia:

- Sabe o que é dona Dos Anjos, eu pensei que seu Joaquim fosse voltar bom para casa, daí preparei a ceia, já que a senhora estava com ele e não podia preparar então ele volta mal, daí estou com vergonha de falar pro Leo, pois sei que ele vai me recriminar.

- E por que ele faria isso? - perguntou a velha senhora.

- Porque o pai está nessa situação e eu pensando em ceia - explicou Bia.

E dona Maria dos Anjos falou novamente, desta vez com muita firmeza no que dizia:

- Pois fique você sabendo que vamos todos cear, essa é uma tradição que só findará com morte e não é o caso, Joaquim está apenas doente, e doente ficamos qualquer um e além do mais, eu creio que vá ficar bom, fique tranquila que eu mesma servirei a ceia.

Bia respirou aliviada, deu um forte abraço na sogra amada e, juntas, foram preparar a mesa para a ceia natalina. Os outros estavam no quarto tentando aliviar o sofrimento de seu Joaquim com a presença para que ele se sentisse protegido.

Os meninos, os meninos acordaram a pouco e já estavam pra lá e pra cá sem saberem o que realmente ocorria. O clima entre os adultos era de apreensão, esperando o pior, choravam por dentro, pois agora não podiam mais chorar livremente, afinal as crianças estavam ali e seu Joaquim era um avô maravilhoso, elas os adorava, e o avô as amava. A notícia de que seu avô estava prestes a partir seria, no mínimo, inconveniente.

O que se ouvia na casa eram apenas os barulhos das crianças, elas corriam de um lado para o outro sem parar, entravam e saiam do quarto do avô, como faziam sempre que iam visitá-lo, e o avô adorava aquela zoada, que deitado olhava e sorria quase sem poder.

Dos Anjos, muito forte, preparava a mesa, com Bia e depois, também, com Lorena, todas muito tristes. Todos choravam sem deixar cair lágrimas, para que ninguém desmoronasse, pois tinham que preservar as crianças.

O relógio sinalizava meia-noite, à hora da ceia chegou. Seu Joaquim, é claro, não iria participar daquele momento. Ninguém fazia uma refeição desde o internamento de seu Joaquim. Foram cear. Não aguentavam mais a fome. Seu Joaquim estava naquele momento dormindo, de acordo com que os médicos falaram o pior poderia acontecer a qualquer momento. Mas, como ele dormia e os outros teriam que se alimentar foram cear. A mesa era enorme com vários assentos, a fartura era notável.

Todos começaram a comer aquela ceia gostosa que Bia fez com tanto prazer, já que ela era, também, uma excelente cozinheira, as crianças se lambuzavam, pouco tempo depois Dr. Sílvio bate na porta e se junta à família.

- Cadê seu pai? - perguntou Jonas.

- Ele não pôde vir - respondeu Dr. Sílvio - foi passar o Natal na casa dos meus avós no Recife, mas mandou um abraço para todos e saibam que ele está muito preocupado com pai Joaquim, tão preocupado que fez questão que eu viesse e lhe mantivesse informado.

- Vamos comer? - disse Lorena.

Era um instante diferente do que estavam passando, a única coisa que faltava era a presença do tão amado Joaquim.

Todos ceavam fartamente. Quando de repente, faltou energia, Dos Anjos correu e colocou velas, primeiro no quarto do querido marido, já que ele só dormia com alguma claridade, depois trouxe mais velas para a mesa, onde estavam todos sem se mexerem, pois não podiam ajudar no escuro e só dona Maria sabia onde as velas estavam. Colocada as velas, Dos Anjos deu uma espiadela em seu marido e ele continuava a dormir, ela volta para a ceia.

Continuaram a cear com aquela luz ofuscada das velas. Todos ali estavam, conversando, se distraindo um pouco diante do que ocorria. Lá do quarto seu Joaquim ouve toda a conversa, é que, quando a lâmpada apagou, ele abriu os olhos.

As crianças trocaram de lugar se afastando um pouco dos adultos, já que a mesa era enorme, mas continuaram ceando, pegavam bastante comida.

- Vocês vão comer isso tudo, meninos? - resmungou a vovó.

Eles não responderam, e continuaram a pegar mais e mais comida. Eles pegavam muita comida e sussurravam bastante. As crianças estavam fazendo muita festa e os barulhos delas aumentaram. Daí Jonas teve que contê-las:

- Meninos, por favor, parem com essa bagunça, a hora da ceia é sagrada, tenham mais respeito.

Eles diminuíram o barulho, mas continuaram a pegar bastante comida, e a folia agora era mais contida. Passaram-se mais ou menos quarenta minutos no escuro, apenas à luz de velas, quando finalmente, chegou a energia, clareando a sala inteira.

E o susto foi geral:

- Seu Joaquiiim! - gritou Lorena.

- Papaaai - gritaram juntos os filhos e por último, dona Maria dos Anjos:

- O que você está fazendo?

Seu Joaquim sentado lá no canto da mesa perto das crianças, sorrindo respondeu:

- Vocês acham que eu ia perder a ceia de Natal com minha querida família?

- Claro que não - completou - eu esperei o ano inteirinho por esse momento e não vou perdê-lo por nada.

Todos correram para abraçá-lo e beijá-lo.

Ah! A comida que os netos estavam pegando era para avô Joaquim, a distração com as conversas a luz ofuscada e a mesa longa, fizera com que os adultos não o percebesse na mesa, só as crianças perceberam, mas, como elas não sabiam o que ocorria de verdade, e aquele momento, todos na mesa, era comum, não estranharam.

No final, todos estavam felizes, mas para prevenir, Dr. Sílvio imediatamente se levanta e examina-o. O médico da família fica assustado com o que presencia, pois era improvável seu Joaquim está ali sem nenhum problema de saúde depois de está, segundo os médicos, à beira da morte.

Mas, o que o senhor Joaquim Gomes teve? A doença de seu Joaquim na verdade era saudade, saudade da família, pois fazia muito tempo que seus filhos e netos não o visitavam, coisa que faziam constantemente e dessa vez a última visita tinha sido no Natal passado.

O Dr. Sílvio mesmo sem entender o que houve disse que seu Joaquim não deveria ficar sem a presença da família por muito tempo, o que ele teve é inexplicável, porém, a única explicação para a doença dele seria mesmo a solidão, mesmo com sua querida esposa sempre do lado ele se sentia sozinho, pois seu desejo era que todos ficassem pertinho dele, principalmente seus netinhos.

Como o sítio tinha uma grande extensão e a casa era enorme e muito confortável, além de não ser tão distante da cidade, os dois filhos juntos com as esposas resolveram morar com os pais. As crianças adoraram a ideia, seu Joaquim e dona Dos Anjos mais ainda. Dr. Sílvio aprovou a decisão.

Nos dias que se seguiram seu Joaquim, que era um cidadão rude, mas de bom coração, era só alegria, brincava todos os dias com os netos, sem sentir nenhuma dor, muito menos saudade. Juntos, a família estava sempre em harmonia. A partir daí viveram sempre felizes.

Vilmar Vicente Gomes
Enviado por Vilmar Vicente Gomes em 07/03/2019
Código do texto: T6591641
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