Cabeça vazia

Não tivemos muito trabalho para achar Nathan Lowe, até porque ele não estava fazendo nenhum esforço para se esconder. Continuava morando na mesma casa de pintura desbotada num bairro de classe média do lado sul da cidade, e havia falado com diversas pessoas - não necessariamente conhecidos - sobre a experiência que tivera ao acampar nas montanhas, duas semanas atrás. Quando o abordamos, no bar onde costumava jogar sinuca, imaginou que fossemos jornalistas; não desfizemos o mal-entendido.

- Sim, estamos coletando informações para um artigo sobre contatos imediatos do terceiro grau - assenti.

- Eu posso falar sobre o que aconteceu comigo - ofereceu-se ele, ansioso por divulgar as novidades.

- Não neste bar - ponderei. - Muita gente aqui... talvez haja até mesmo agentes do governo infiltrados, para bisbilhotar.

- Ah! Maldito governo! - Retrucou ele, garrafa de cerveja long neck na mão. - Bom, então vamos fazer o seguinte: vamos até a minha casa, na rua de trás. Lá poderemos conversar com tranquilidade...

Saímos para a noite cheia de estrelas do meio-oeste, Lowe segurando a sua long neck. Dobramos a esquina e ele abriu o portãozinho branco de madeira que dava acesso ao quintal de sua casa. Um cachorro vira-lata veio correndo nos cheirar, mas Lowe despachou-o com um grito. Sacou as chaves do bolso da calça e abriu a porta da frente.

- Não reparem a bagunça - alertou, antes de acender a luz.

Meu parceiro, mais atento ao relógio de pulso digital do que ao entorno, replicou:

- Sem problemas.

A sala revelada pela luz estava mesmo bagunçada. Lowe era casado, mas sabíamos que a mulher o havia abandonado alguns meses antes.

- Sentem-se! - Convidou Lowe, retirando algumas roupas empilhadas que ocupavam espaço sobre um sofá, e sentando-se numa poltrona de couro gasta, em frente.

- Soubemos de uma história que talvez possamos utilizar no próximo número da nossa revista - declarei. - É verdade que falou com alienígenas que desceram de um disco voador?

- Sim, é verdade - confirmou Lowe, muito sério, colocando a long neck ao lado da poltrona.

- E eles lhe deram uma prova da sua visita, para que confirmasse o ocorrido às autoridades?

- Sim, deram - assentiu Lowe. - Eles o chamaram de "holocubo", e conteria gravações tridimensionais com as recomendações dos alienígenas para a Terra... como deveríamos parar com as guerras e nos unirmos, para evitar a destruição do planeta, coisas assim...

- E por que não levou o tal "holocubo" às autoridades, já que assim lhe foi solicitado? - Indagou serenamente meu parceiro.

- Eu não confio no maldito governo! - Exclamou Lowe, dedo em riste. - Aposto que iriam pegar o holocubo e trancafiá-lo para que ninguém ouvisse a mensagem!

- Mas... você ouviu o que está gravado? - Perguntei.

Lowe deu de ombros.

- Não tenho como; a reprodução exige uma tecnologia que ainda não foi desenvolvida na Terra, me disseram. Talvez leve dezenas de anos antes que possamos acessar o conteúdo...

Meu parceiro continuava a mexer no relógio de pulso.

- Dez metros à esquerda e acima - declarou finalmente.

Lowe arregalou os olhos.

- Como sabem onde guardei? Quem são vocês?

Ergui as mãos.

- Calma, Lowe. Viemos aqui desfazer um mal-entendido. O tal "holocubo" não é o que parece... na verdade, você foi vítima de uma pegadinha.

- Uma pegadinha... com um disco voador de verdade? - Sussurrou ele, encolhido no fundo da poltrona.

- Nós lhe pedimos desculpas por isso - retrucou meu parceiro, erguendo-se e virando o mostrador do relógio para ele.

Instantes depois, quando deixamos a casa levando o "holocubo", meu parceiro comentou:

- Imagine se alguém iria acreditar na história de contato imediato de um bêbado como esse...

Caminhamos até um terreno baldio próximo, onde havíamos deixado o nosso módulo de pouso camuflado sob um campo de invisibilidade.

- Avise à base que já recuperamos os holovídeos das férias do capitão... e que é bom manter os dois adolescentes desocupados sob custódia, pelo menos até sairmos desse planeta bárbaro.

- Eu não gostaria de estar em nenhuma das peles deles - replicou meu parceiro, enquanto decolávamos para o céu estrelado.

- [22-03-2019]