A CASA DO SORRISO AMULETO

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Por anos eu passava por aquelas paragens afastadas, onde apenas um antigo casarão havia, de pedras montadas, cinzento, mas, ficava no centro do jardim mais florido que eu já tinha visto na vida. Em minhas arrastadas andanças vendendo leite de minhas duas vaquinhas, a vida era dificil, mas, honesta, sempre que passava pela frente do casarão, uma menina de uns dez anos loirinha, muito sorridente me acenava e com um gritinho doce dizia
- Vá em paz, tenha sorte em sua jornada
Eu devolvia o aceno e tirando o chapéu, de longe lhe agradecia.

A cada passagem por lá minha sorte aumentava, na terceira viagem, já estava de carroça, não mais a pé,  tinha duas novas vaquinhas e o negócio de vento em pôpa prosperava. Quando passava pela frente do casarão já aguardava a doce saudação dentro do coração. Parecia que meu dia era mais feliz e próspero ao receber a delicada saudação, achava estranho que a menina não parecesse maior, mas, passando àquela distância não a via com tanta nitidez, sentia a sua presença por todo o meu caminhar, como um amuleto que me dava sorte.

Quando faria a minha trigézima viagem, já bem posto na vida, com um rebanho considerável, até uma leiteria pude constituir, dono de um rebanho em franco crescimento e sendo um homem de família feliz, resolvi ir  até ao casarão levando um mimo para agradecer à menina, pois indiretamente me sentia em dívida, afinal eu conferia a ela o meu sucesso. Preparei com a ajuda da esposa, uma linda cesta com leite, queijos e flores do campo bem coloridas e parti.

Qual não foi o meu espanto ao chegar perto da propriedade, o casarão cinzento de pedras estava lá como sempre, mas, deteriorado, em ruínas. Do jardim maravilhosamente florido, só restavam folhas secas marrom avermelhadas, sem sinal do meu sorridente e doce amuleto.

Como era possível que aquele lugar tivesse se destruído assim, eu estivera ali há pouco mais de um mês. Gritei chamando pela menininha, tentando chamar a atenção de alguém, mas, estava tudo abandonado.

Tudo estava estranho mesmo, durante anos em minhas jornadas de trabalho, nunca cruzei com ninguém por ali, então, me aparece um velhinho bem mirradinho montado num burrico, eu estava tão estupefato com a situação, que resolvi perguntar se ele sabia o que havia acontecido com o casarão e a menina loirinha sorridente que morava lá. O pobre homem a cada palavra que eu proferia, arregalava mais os olhos como se eu estivesse falando despautérios. Confuso me calei e o homem velho disse, que seria impossível eu ter visto o casarão ainda florido ou a menina loirinha.

Relatou que há mais de quarenta anos residira ali o dono de toda aquela estância, com sua esposa, filha e seis empregados. Era um homem abastado que vivia para a família, amava sua filha Norminha de maneira comovente, ele próprio tivera a oportunidade de conhecê-la, linda e doce menina. O pai cuidava do jardim como se fosse uma joia rara, pois a menina era apaixonada por flores e adorava correr pelas aléias coloridas, mas, por uma fatalidade do destino, uma enfermidade acabou em poucos dias com a vida dela. O homem enlouqueceu, entrou numa depressão raivosa, acabou por perder a esposa, pois ela não aguentou tanta desfaçatez.

Num dia de muita dor, o homem foi até a Prefeitura da cidade portando apenas a roupa do corpo e uma pequena mala,  pediu que enviassem quantas pessoas fossem necessárias até a sua casa e retirassem tudo que se encontrava dentro dela, até mesmo um grão de arroz. Inclusive deu ao Prefeito dinheiro suficiente para que a empreitada se realizasse no menor tempo possível, pediu apenas que o mesmo nunca permitisse qualquer tipo de construção no entorno da propriedade, deixou claro que de onde estivesse, enviaria quantias suficientes para que seu desejo fosse cumprido, isso valeria para os seus sucessores políticos, enquanto ele vivesse. Como era dono de praticamente toda a cidade, não foi questionado e suas ordens foram cumpridas, até o seu falecimento há cinco anos quando tudo ficou abandonado, por este motivo era impossível que ele tivesse visto o casarão florido e a menina doce e sorridente, será que não fora o efeito de alguma febre...sonho...

O velhinho sem esperar por resposta,  foi lentamente em seu burrico e eu fiquei ali me sentindo atarantado, como tudo aquilo não fora real?

Me sentei sobre o banco do carro, olhando para o casarão sem nada entender, mas, a imagem da menina sorridente e gentil, não me saia do pensamento. Depois de um tempo ali parado, tomei uma decisão. Levei a cesta até uma árvore ressecada, bem defronte à janela de onde a loirinha me saudava, com as mãos abri um buraco na terra, plantei as flores que levara, molhei o lugar com leite e deitei a cesta/mimo ao lado das flores, fiz uma oração profundamente agradecida e fui embora.








*Imagem - Fonte - Google - Youtube
Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 20/06/2019
Reeditado em 21/06/2019
Código do texto: T6677660
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