O doutor Jacquet

Um frêmito de comoção percorreu a plateia ao ver o que a jaula abrigava: um urso-pardo jovem, mas que, de pé, poderia chegar aos 2 m de altura. O animal parecia adormecido, e sequer sua exposição à luz o despertou.

- Agora, certamente parece um espetáculo circense - comentou às minhas costas Nathan Chambers.

No palco, o doutor Doyle ergueu as mãos para chamar a atenção e pedir silêncio.

- Não temam. Este animal está sedado e assim deverá permanecer ainda por um bom tempo. Ademais, a jaula está trancada. Todavia, para os propósitos que pretendo demonstrar ao longo desta experiência, ela deverá ser aberta.

Ergueu uma grande chave prateada, e reafirmou:

- Lembrem-se de que o animal está sedado!

- O que esse louco quer provar? - Indagou Nathan Chambers.

- Não sei se vou ficar aqui para descobrir - retrucou uma voz de mulher.

De fato, alguns dos presentes pareciam ter concluído que aquilo já havia passado dos limites e começaram a deixar a sala. Doyle apenas assistiu à retirada, de braços cruzados. Finalmente, aproximou-se da jaula e abriu resolutamente o cadeado que fechava a porta.

- Aos que permaneceram no recinto, serão testemunhas de algo absolutamente extraordinário - assegurou Doyle ao lado da porta aberta da jaula. - Embora sedado, pela ação do mesmerismo, serei capaz de controlar seus movimentos com minha consciência.

- Qualquer domador de circo seria capaz de fazer isso! - Exclamou indignado um dos cientistas convidados, na primeira fila.

- De fato, - assentiu Doyle - não fosse por um pequeno detalhe: eu também estarei em estado cataléptico. Como alguém mesmerizado poderia controlar o corpo de um animal... sedado?

- Você estará catatônico no palco, com uma fera selvagem à solta? - Indagou atônito o cientista.

- Cujos movimentos eu controlarei - assegurou Doyle. - Tal é a minha confiança no método que desenvolvi.

- E se o urso se descontrolar e atacar o público? - Insistiu o cientista.

- Justamente para não dar margem ao erro, solicitei o auxílio do doutor Jacquet, especialista em fisiologia animal pela Universidade de Paris. Foi ele, que aqui está presente, quem desenvolveu o sedativo aplicado ao urso. Por favor, doutor Jacquet, queira manifestar-se.

O competente veterinário levantou-se do seu lugar na primeira fila e voltou-se para a plateia.

- Embora não saiba para quais propósitos o doutor Boyle precisa de um urso sedado em sua apresentação, posso lhes assegurar que o animal dormirá por mais algumas horas, e que não creio que se moverá para fora da jaula por efeito do mesmerismo.

Sentou-se novamente, muito circunspecto.

- Muito bem - declarou satisfeito o doutor Doyle. - Dadas todas as salvaguardas, vamos à apresentação propriamente dita. Mais alguém ainda deseja se retirar?

O público remanescente, apesar de cético, pareceu aceitar as explicações do doutor Jacquet sobre a eficácia do sedativo aplicado. Doyle então, acomodou-se na cadeira em frente à jaula aberta e sacou um pêndulo do bolso da casaca. Fixou seu olhar no movimento do objeto, e pouco depois entrou num estado catatônico, postura rígida.

Alguns instantes de expectativa se passaram, até que alguém notasse um movimento no palco: dentro da jaula aberta do urso.

[Continua]

- [22-12-2019]