Caça grossa

Nos reunimos na residência de Elliot Evans em Huggate, York, antes de sua partida para o Continente Negro; mais especificamente para Nairóbi, a nova capital da África Oriental Britânica. Evans era um caçador experiente, e possuía um salão de troféus em cujas paredes eram exibidas mais de cinquenta cabeças de feras de grande porte que ele abatera pessoalmente, indo desde o búfalo até o elefante, passando pelo rinoceronte, leão e leopardo.

- Confesso que caçar na África Oriental não é mais como era nos anos 1880 - relatou ele para os cavalheiros presentes na sala de troféus, inclusive alguns membros da Sociedade de História Natural de Huggate. - Como a caça é abundante, a região tornou-se destino certo para caçadores endinheirados da Europa e dos Estados Unidos. Por outro lado, isto traduz-se num nível de conforto maior, para os turistas que não estão acostumados com as agruras de um autêntico safári nas savanas africanas.

- Certamente, não é este o seu caso, meu caro Evans - observei, enquanto acendia meu cachimbo.

- Oh, decerto que não - condescendeu ele. - Eu poderia ir para a Somalilândia, por exemplo, caçar leões e antílopes como nos velhos tempos... montado a cavalo e transportando provisões em camelos; todavia, é certo que lá não há abundância de caça que encontramos na África Oriental.

- E o que pretende caçar desta vez, Evans? - Indagou Sir Jonathan Carr, presidente da Sociedade de História Natural. - Ficaríamos imensamente felizes se pudesse nos conseguir um elefante macho, de tamanho adequado para o novo museu que pretendemos construir na cidade.

- Então o museu vai mesmo sair do papel? - Questionou Evans. - Eu soube que o elefante empalhado do Museu Real da Escócia tem atraído milhares de visitantes; provavelmente poderei obter um exemplar jovem, que possa ser exibido no salão principal da instituição. Naturalmente, as despesas de transporte correrão por conta da Sociedade.

- Nada mais justo - acedeu Sir Jonathan.

- Há algum tipo de caça na qual não tenha tido ainda o prazer de descarregar seu rifle, Evans? - Questionei.

- Gorilas - confessou ele. - Desta vez, irei até o monte Virunga, em busca de um raro tipo de gorila das montanhas que foi avistado por poucos caçadores brancos.

- Então talvez possa me trazer uma pata de gorila embalsamada, para usar como cinzeiro - sugeri.

Como Evans só precisaria da cabeça da fera para a sua coleção, uma pata não seria problema, declarou.

* * *

Evans partiu para Nairóbi em setembro, antes do início da estação de caça na África Oriental. Pretendia evitar contato com as expedições organizadas para turistas, as quais afluíam às dezenas a partir de outubro. Todavia, ressaltou que a região do monte Virunga, um antigo vulcão adormecido, era impenetrável o suficiente para afugentar caçadores eventuais.

- Há alguma coisa em Virunga, além dos gorilas das montanhas - confidenciou-me ele quando nos despedimos no porto de Liverpool. - Tenho relatos que falam em algo grande naquela área, talvez a caça mais perigosa que jamais terei a oportunidade de enfrentar.

- Por grande, você se refere ao tamanho? - Indaguei curioso. - Para alguém que já abateu elefantes...

- Não o tamanho, mas a inteligência - comentou ele, sem dar maiores detalhes.

Nos meses seguintes, Evans enviou vários exemplares da fauna africana por via marítima, obtidos principalmente no Serengeti, para a Sociedade de História Natural. O elefante não veio, mas recebemos búfalos, leões e antílopes. No início de dezembro, ele enviou uma carta onde dizia que, finalmente, estava partindo para a selva impenetrável ao redor do monte Virunga, onde esperava encontrar o que quer que fosse que estava perseguindo daquela vez. No retorno, prometeu, enviaria o elefante encomendado. Foi a última correspondência que recebi dele.

No início de janeiro do ano seguinte, a Sociedade recebeu uma grande caixa de madeira contendo a última remessa em nome de Evans. O volume era pequeno demais para ser o paquiderme prometido, mas Sir Jonathan Carr especulou que poderia se tratar de um dos gorilas da montanha. Na presença de todos os membros da instituição, o engradado cheio de palha foi aberto, e dentro dele, para nosso horror, estava o corpo de Evans.

Havia sido empalhado, com seu traje de caçador e seu Holland & Holland "Royal" Double Rifle calibre .500 nas mãos. No rosto, o taxidermista desconhecido havia preservado a expressão de surpresa do caçador, que se descobrira transformado em presa por um predador muito mais ardiloso do que ele jamais poderia imaginar.

- [03-04-2020]