Sugadores de sonhos

Ontem de manhã enquanto tomava o café na padaria de sempre, verificou os e-mails e se deparou com um artigo de uma revista científica sobre os buracos negros. Resolveu ler e ver do que se tratava. Ficou surpreso com tanta informação e especulação sobre a possibilidade de um buraco negro limpar galáxias em poucas horas. Pouco depois teve de cessar a leitura porque outros clientes falavam sobre um assunto que começou a lhe chamar a atenção. Eram quatro mulheres que falavam sobre alguma coisa que causava um grande estrago nas almas femininas. Ele não conseguia entender muito bem o assunto. A conversa não parecia uma simples fofoca. Nem uma lenda urbana. O tom que as mulheres usavam era sério. Elas trataram de alertar quase todas as mulheres que estavam na cafeteria dizendo para terem muita atenção porque quando a gente se depara com um Sugador de sonhos. Não há como evitar. A sua potência é a de um buraco negro capaz de sugar um sol em milésimos de segundos. É o que dizem. Nós felizmente nunca vimos um. E caso você por algum motivo saiba da existência de um, passe a centenas de anos luz, do contrário o seu fim será drástico. Ele estava incrédulo, se aproximou para ouvir mais de perto, ficou na dúvida se era aquilo mesmo que ele tinha ouvido “buraco negro”. Ele até pensou em se aproximar e perguntar, mas se conteve. Esperou as mulheres sairem para saber da história. Perguntou para um dos garçons que estava bem próximo com a esperança de que confirmasse o que imaginava ter escutado. O garçom não deu muita atenção, aquela história por algum motivo mexia com ele. E de fato a história era semelhante a que ocorreu com a irmã do jovem garçom, ela havia sido uma das vítimas do Sugador de sonhos.

Uma das garçonetes se aproximou e pediu que o rapaz não levasse a sério o comportamento do jovem garçom porque ele tinha motivos pessoais para não contar essa história. A garçonete resolveu então falar o que ela sabia sobre esse tal ser. Porém, antes pediu que o rapaz mostrasse as mãos porque pelo que comentam o Sugador tem mãos aveludadas e as unhas brancas como a neve. Só depois dessa verificação é que ela começou a contar o que sabia. Disse que soube da história há pouco tempo e que não gostava de botar terror nas pessoas, mas desde então sempre que podia avisa as mulheres. Também alertou que o que fazia não era dar conselhos porque não gostava de se ocupar com isso. Contou que o Sugadores pode se disfarçar na multidão. São exímios estrategistas. Costumam ter como alvo a doçura e a ingenuidade, mas também desafiam a nequícia e a astúcia. Ninguém pode com eles! A garçonete terminou dizendo que era tudo o que sabia.

O rapaz ficou intrigado. Chegou no trabalho e ficou pensando que isso daria uma boa história e foi falar com a chefe e esta achou um pouco exagerada as considerações. Não deu uma afirmativa, nem uma negativa, só disse que precisava da crônica até o fim da tarde e que depois disso poderia fazer o que achasse melhor. O rapaz é claro, se apressou para entregar a crônica, pois assim sobraria tempo para investigar a história que o jovem garçom não quis revelar. Chegou na cafeteria antes das 15 horas. Foi logo tentando avistar o jovem garçom, se aproximo pediu uma xícara de café, então foi direto ao ponto e disse trabalhar num jornal e estava interessado em contar sobre a história de mais cedo. O jovem garçom olhou fixamente para o rapaz e não deu resposta. Aquilo com certeza foi um não. O rapaz insistia, ofereceu até dinheiro e isso incomodou bastante o jovem garçom. Que foi categórico ao dizer que isso não se tratava de dinheiro, essa história não era dele e, portanto, ele não iria conta-la. Finalizou mandando o rapaz saber na próxima esquina, afinal, todos na cidade sabiam disso. Todos menos o jovem jornalista e como isso era possível? Ele trabalhava num jornal e não conhecia tal de fato.

Tudo aquilo consumiu o jornalista que saiu rapidamente da cafeteria, pensativo e sem saber como iria descobrir tudo isso. O único jeito era pela insistência. O expediente da cafeteria acabava às 21 horas. Esperou o jovem garçom sair e tentou uma última vez. O jovem garçom ficou furioso, o que poderia fazê-lo perder o emprego, teve vontade de dar uma surra no rapaz. Mas cansou de tudo e resolveu contar de uma vez, afinal não era nenhum segredo. E de novo, ele ridicularizou as habilidades do rapaz jornalista que não tinha acesso a muita informação.

Então ele começou o relato. Tudo era diferente há uns 10 anos. Minha irmã era forte, determinada. Era alguém digna de mudar o mundo. Não é exagero, nem melancolia. Não era para ser assim. Sempre tão bondosa. Seu altruísmo custou quase sua vida. O jovem garçom deixou uma lágrima cair, respirou fundo e sentiu um nó na garganta. Depois disso, ergueu a cabeça e continuou. Dizem que a coisa mais valiosa que existe é a saúde. Pode até ser. Saúde se pode adquirir tendo hábitos saudáveis, com exercícios físicos periódicos, uma alimentação equilibrada, suplementos, consultas, medicamentos e muitas outras informações úteis para ter a tão sonhada qualidade de vida. Mas a verdade é que o que é mais valioso nesse mundo é o tempo. E aquele Sugador tirou tudo que a minha irmã possuía. A beleza, a carreira, o dinheiro, a vivacidade, os sonhos. Tudo, exatamente tudo. Ele a deixou sem quase nada. Sem identidade. Sem esperanças. A única coisa que lhe restou foi o medo. O jornalista não estava entendendo nada. O que tudo aquilo significava. O jovem garçom já não conseguia continuar e foi embora. O rapaz ficou ali sem saber o que fazer. Foi então que uma senhora idosa se aproximou e disse para o rapaz que não adiantava essa busca por descobrir o mistério dos Sugadores. Ninguém sabe como eles realmente são. Podem estar em algum lugar ou em lugar nenhum. Então, a única coisa que se pode fazer é alertar às almas femininas para que tenham cuidado. E quase o implorou para que a ajudasse a espalhar o velho ditado: "As aparências enganam".

Alguemqueescreve
Enviado por Alguemqueescreve em 06/07/2020
Reeditado em 08/10/2020
Código do texto: T6998315
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