NATAL COM LALAU

É um pouco difícil explicar o que aconteceu. Por que a história é rodeada de mistérios, e se bem analisada, dá margens a muitas interpretações, mas vamos lá:

Na véspera do natal, na chamada noite feliz, minha esposa e eu temos o costume de distribuir alimentos nas ruas. Sentimos uma sensação muito boa ao ver a alegria das pessoas quando recebem algo especial naquela noite. Nossa cidade é pequena, não tem muitos moradores de ruas, mas os poucos que tem merecem a nossa atenção. Além do alimento ganham também o abraço e isso é o que faz a diferença. Quantas vezes vi gente chorando e chorei também. A sensação maravilhosa de partilhar alguma coisa. Não é assistencialismo, nem nos consideramos melhores que aquelas pessoas. Na verdade acho que os grandes carentes somos nós. Carentes de amizade de um sorriso, e de um abraço Tudo isso faz muito bem a nossos corações sedentos de amor.

Naquele ano resolvemos ir até a cidade vizinha para fazer as compras para a grande noite. Um grande supermercado que se instalara por lá estava com preços muito bons, compensando até o combustível gasto. Então fomos.

O supermercado distava quinze quilômetros de nossa cidade quando estávamos na metade do caminho, notei um barulho estranho em minha caminhonete. Não demorou muito tempo para que fossemos obrigados a parar. Saía uma fumaça esbranquiçada do motor. Tentei consertar mexendo nalgumas peças, mas a verdade é que não entendo nada de mecânica. O celular estava fora de área, os dados móveis também não funcionavam, ficamos ali sem saber o que fazer.

Existia uma casa à beira da estrada e vindo daquela direção vi um senhor bem idoso, gordo, tinha barba grande e bem branca. Usava uma camiseta vermelha puída com a frase feliz natal em letras bem grandes. Falei brincando com a minha esposa: O papai Noel veio nos salvar. Ela sorriu e disse: - Faltou só o saco de brinquedos.

O homem se aproximou-se e disse sorrindo: - Bom dia amigos, algum problema no carro?

-Sim – respondi – Eu não sei o que aconteceu, mas está saindo uma fumaça estranha do motor e eu não imagino o que seja. – O homem falou num tom de voz Cortez e muito calmamente.

-Como é o seu nome?

-Eu sou Marcos e essa é minha esposa Kelli.

-Muito prazer Senhor Marcos e senhora kelli.

-E como é o nome do senhor?

-Olha, eu sou tão velho que acho que até já esqueci meu próprio nome, mas me chamam por aí de Lalau, então podem me chamar assim

-É um prazer Sr Lalau.

-Sr. Marcos me permite dar uma olhada no motor de seu carro? Eu entendo um pouco de carros. Embora meu último tenha sido um modelo muito antigo. Se eu contar a vocês nem vão acreditar. Era antigo, mas muito bom. Se eu, desse corda, ele até voava. E com ele viajei por muitos lugares. Nem pode imaginar por quantos! Em épocas como essa principalmente.

-Então o carro do senhor deveria ter muitos cavalos no motor.

-Era incrível meu veículo, mas não era puxado exatamente por cavalos.

-E então senhor, a caminhonete tem conserto?

-Espere aí vou buscar algumas ferramentas

O homem demorou um pouco e voltou trazendo um saco também vermelho enorme nas costas e de dentro dele tirou algumas chaves esquisitas, mexeu nas engrenagens, apertou alguns parafusos, depois parou sorrindo.

–Acho que essa fumaça que mais parecia neve não vai mais incomodar. Graças as minhas super chaves especiais.

-Nunca vi dessas chaves – eu disse – São bem diferentes.

-Ele emitiu uma gargalhada que soou como HOHO e disse - São produzidas em um lugar muito distante. E por falar em chaves: Dê na chave

-Ótimo Sr. Marcos, seu carro está funcionando perfeitamente. Pode seguir em paz seu caminho e boa viagem para vocês.

-Quanto eu devo ao senhor pelo serviço?

-Não me deve nada amigo. Fica de presente de natal

-Então muito obrigado senhor e um feliz natal para o senhor e para sua família.

-Feliz natal para você também. Pode ficar tranquilo o carro não dar mais problemas por hoje. Ah e dê um abraço por mim em seus amigos de logo mais.

Seguimos nosso caminho fizemos as compras e compramos um presente para aquele senhor. Era uma camisa nova, vermelha, extra G, era o mínimo que podíamos fazer depois da ajuda que ele nos deu.

Estacionei próximo à casa de onde ele havia vindo e bati palmas. De lá surgiu uma mulher jovem de aproximadamente vinte anos e pelo que pudemos notar muito pobre. Tinha os olhos fundos e parecia pálida. Junto dela vieram três crianças. Todos pareciam passar fome.

Perguntei meio sem jeito;

-Eu queria falar com o Sr. Lalau.

-Com quem?

-Seu Lalau, ele não mora aqui?

-Não, aqui moramos eu e meus filhos.

-Bem, eu o conheci hoje, imaginei que fosse seu pai. Ele consertou meu carro usando umas chaves muito esquisitas, bem diferentes.

-Eu não sei quem é esse.

-Mas ele saiu dessa casa, então deduzi que morasse aqui.

-Meu senhor eu moro aqui ha dez anos, eu não conheço ninguém com esse nome por aqui.

Fiquei confuso sem saber o que pensar. Não restava outra saída a não ser ir embora.

Aproveitei para deixar com aquela mulher parte das coisas que compramos, para que ela pudesse alimentar aquelas crianças. E outra vez senti a força das lágrimas de agradecimento. Prazer que se repetiu à noite em nossa via sacra pelas ruas da cidade. E a essa alegria nada se compara.

Despedimo-nos dela e das crianças e seguimos pela estrada.

Num dado momento estarreci, e tremendo falei para minha mulher:

-Kelli, você se lembra do que ele disse quando nos despedimos?

-Não prestei muita atenção.

- Eu também não. Estava tão contente com o conserto do carro que nem reparei no que ele disse, mas agora caiu a ficha. O Sr. Lalau falou: “pode ficar tranquilo o carro não dar mais problemas por hoje. Ah e dê um abraço em seus amigos de logo mais”

-Entendi Marcos, em momento algum dissemos a ele das nossas intenções para a noite.

Naquele momento uma enorme onda de felicidade me invadiu e mais intrigado fiquei quando numa árvore da estrada vi pendurada a camiseta vermelha puída, hasteada como se fosse uma bandeira balançando ao vento com a frase: FELIZ NATAL.