Viúva Negra

 
A noite nasce depois do meio dia, caminhando pela tarde, até encontrar o crepúsculo na despedida do Sol, preparando-se para receber a Lua do outro lado do horizonte, enquanto as estrelas vão surgindo como pingos brilhantes no véu negro do céu, enfeitando a passagem de mais uma lunação.

Neste instante, uma mulher ainda dorme nua, com sua pele aveludada de brancura mergulhada nos lençóis macios do seu leito solitário. O silêncio ecoa por todo seu aposento, até quando uma coruja branca de olhos grandes e amarelos, pousa num centenário carvalho, ao lado da janela do seu quarto e começa a cantar seu presságio de mau agouro. O canto da coruja anuncia a chegada da noite, enquanto que a Lua Cheia, vagarosamente, vai prateando a escuridão do quarto.

De repente, seu corpo começa a sentir sua presença, espreguiçando preguiçosamente, enquanto seus olhos vão despertando do sono em outro mundo. Seus olhos se abrem, acompanhados por um suspiro sobre a presença da vida, num respirar constante, no seu dia que amanhece na noite, com o nascer da Lua, anunciada pelo canto da coruja branca de olhos grandes e amarelos - como se o Sol estivesse vivendo no seu olhar. Esta misteriosa mulher levanta-se da cama e aproxima-se da janela, enfeitada pela dança suave da leveza das cortinas, enquanto são tocadas pela brisa noturna. Ela olha para a Lua Cheia, sente a luz prateada penetrar sua pele cálida, sente a brisa fresca beijar seus lábios rosados, enquanto uma lágrima fria revela um sentimento de profunda tristeza.

Depois de alguns minutos ali, olhando a noite da sua janela, ela prepara seu banho numa banheira de porcelana, com água morna e sais perfumados, joga algumas pétalas de jasmim na água, acende uma vela de canela e um incenso de alecrim, mergulhando seu corpo neste ritual. O tempo do seu banho é o tempo em que a chama da vela permanece queimando seu destino, num mar de cera, choro ardente que transborda na chama viva da vela e que vai morrendo a cada brilho. A luz da vela acesa deflagra a presença etérea do fantasma do homem que esta mulher amou. Enquanto ela se banha, ele observa cada detalhe do seu corpo, sentindo tristeza por estar ali presente, tão perto e não poder tocá-la mais. Desde pequeno ele temia as sombras do amor, como se fosse um sagrado medo do seu coração, pois acreditava que cada encontro tinha uma despedida e não queria sentir o exílio da saudade. Talvez o seu medo, fosse sua intuição prevendo o seu destino, já traçado pelas mãos da existência.

Ah! Se todos pudessem ver o mundo das manifestações sutis! Saberiam que não existem separações definitivas e, sim temporárias.

O pavio da vela mergulha na cera e a chama desaparece, como também o fantasma daquele que ela amou. No silêncio daquela noite de primavera, ela se veste de luto, com um véu negro cobrindo sua face pálida, prepara um cálice de veneno e toma tudo até o fim. Deita-se na cama, segurando uma rosa vermelha, como se fosse um símbolo da sua paixão, fecha os olhos e espera a morte possuir seu corpo, para poder sair pelo canal vital da eternidade.

Apenas o silêncio sobreviveu....

Quero apenas que me mostre como são os teus olhos ao crepúsculo, para que os possa imaginar na minha alma.
Helen De Rose
Enviado por Helen De Rose em 23/05/2010
Reeditado em 29/04/2020
Código do texto: T2274703
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