Os Olhos Verdes do Diabo

As coisas não iam bem.

Havia dias em que o desânimo se instalava e as perguntas eram muitas.

Uma sucessão de palavras mal ditas, completamente desnecessárias, jogadas ao vento e causando estragos como ervas daninhas em jardins antes cuidados.

E era, principalmente nestes momentos, que ele aparecia.

Às vezes vinha como um pensamento.

Em outras surgia com um sorriso de dentes brancos em hálito de menta.

Havia dias em que sutilmente se instalava em um programa na TV, uma música nova, lembranças em um filme antigo.

Eu passava alheia aos dedos longos que ele delicadamente estendia em minha direção.

Porém, nas noites de lágrimas solitárias, alguma coisa acontecia.

A voz suave e ligeiramente rouca, respondia meus chamados.

Ele era um cavalheiro. Habilidoso, encantador, perfumado com aromas antigos de florestas e fogueiras a estimular meus pensamentos, ouvir minhas falas e desafiar meus argumentos.

E como um amante ávido de carinho, ele me estendia braços fortes e acolhedores.

Eu o ouvia ora encantada ora arredia às suas propostas sutis de sedução.

Em uma destas noites, onde minha alma vagava entre a dor e o abismo, ele se mostrou por inteiro. Cabelos longos, músculos salientes.

Olhos fixos em mim desafiando minha sanidade e zombando da minha gritante fraqueza.

Com requintes de tortura psicanalítica perfeita ele me feriu quando mostrou a mecânica das horas perdidas.

Eu não quis olhar à princípio, mas, presa no abraço, vi o desperdício de tempo em guerrilhas vazias, as possibilidades perdidas, as falas rançosas, os argumentos tolos e as infinitas horas tentando explicar tantas tolices.

Ele então sorriu e seus olhos verdes me furaram.

Tingiu de cinza o meu dia, transformou em mais negra minha noite.

Havia uma saída, uma porta, um paraíso, ofereceu.

Detalhes diários que amenizariam o temor, a ausência de respostas, a rotina e os segundos de solidão.

Ídolos, desafios, mentiras, dissimulação. Drogas perfeitas, anestesias lícitas e enganação.

Os lábios vermelhos do vinho intenso fariam a proposta, levantariam a taça e serviriam a bebida.

Nada de mais.

Eu não seria a primeira, nem a única. Jamais seria a última.

Uma imagem aqui, uma olhadela lá, uma noite de fuga em adormecedores vulgares e a alma mais leve.

Ele viria sempre. Articulado, belo, poderoso e intenso.

Traria as respostas para as minhas mais ocultas inquietações. Bastava chamar.

Não queria nada em troca, apenas saber que agradava, que estava sendo útil, que estaria sempre por perto quando eu precisasse.

E tudo porque eu era única, especial, instigante, bela e inteligente. Exatamente como os outros sete bilhões do planeta.

E eu, na minha dor de chorar sozinha ouvia tudo com muita atenção.

Perfeito.

Exceto pelos olhos.

Verdes. Profundos como um lago infinito. Brilhantes como uma noite sem lua. Intensos como um coração que para.

Do espelho eles me fitavam.

E por mais que meu corpo e minha alma quisessem aquele descanso nos braços que ele propunha, recuei.

Havia outra opção chamada amor.

Já havia tido meus próprios infernos e demônios por companhia em outras eras. Nada que se comparasse a ele.

O mais belo, o mais terrível, mas também, o menos sutil.

Enxuguei as lágrimas mais uma vez, eliminei as impressões dos programas idiotas da TV, das músicas infernais, tirei as imagens que o ódio ofertava e mergulhei no sono calmo dos que ainda podem fazer opções.

Os olhos verdes se calaram, mas eu sabia que, diferente de mim, não dormiam.

Edeni Mendes da Rocha
Enviado por Edeni Mendes da Rocha em 18/10/2017
Reeditado em 18/10/2017
Código do texto: T6145964
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