Jogo dos Moleques

— Marquinhoooooooooooos!!!

— Marcos, acorda! Seu amigo tá te chamando, menino!

— Tá bom, mãe.

E assim começou a minha manhã de domingo. Levantei da cama num pulo e fui ao portão ver o que o meu amigo Welder queria.

— Oi, tudo bem?

— Tudo. Você tava dormindo?

— Tava. O que foi que você veio tão cedo?

— Se arruma pra gente ir jogar bola no campo de terra.

— Quando?

— Hoje.

— A que horas?

— Agora.

— Ave Maria! É domingo e você vem me chamar pra jogar bola a esta hora?

— Ah, me desculpa. Mas o jogo é importante!

— É? Contra quem?

— Os caras da rua do fliperama.

— Ih, caramba... quem vai jogar no time deles?

— O Gordão com o irmão dele, o Rafinha, o Cirilo, o Dentuço e o Aranha.

— O irmão do Gordão? Tá falando do Golias?

— Ele mesmo.

— E quem vai jogar no nosso time?

— Eu, o Cabeção, o Dani, o Jr. e o Pulga disse que fica no gol se a gente der bolinhas de gude pra ele na escola na segunda. E aí, você vem?

— Vou sim. Deixa só eu tomar café.

E mais rápida que esta conversa, foi o meu café. Bermuda e camiseta vestidas, falei pra minha mãe que eu ia jogar bola. Ela me disse pra eu tomar cuidado e que voltasse antes do almoço. Feito isto, já saí.

***

O campo de terra ficava perto da minha casa. Era só um terreno baldio que tinha mato de um lado e a rua do outro que a gente usava pra jogar bola, já que a quadra da escola era ocupada pelo pessoal do colegial. O pessoal da minha turma, que era tudo da quarta série não tinha vez com eles por perto. Então jogávamos no campo de terra, que quando chovia fazia muita lama. Mas ainda assim era um bom lugar pra jogar bola. O seu Irineu tinha colocado umas traves de cano bem grandes com concreto por dentro pra dar resistência e uma rede. Só que uns folgados roubaram a rede. Então a gente sempre tinha que ir correndo buscar a bola ou evitar dar chute forte.

Quando chegamos, o pessoal da minha rua já estava lá. Luis “Cabeção”, Danilo “Dani”, Jr. e o Jorgeson “Pulga”. A maioria do pessoal da escola entendia porque o Luis e o Danilo tinham aqueles apelidos, porém no caso do Jorgeson a gente tinha que explicar que o cachorro dele não era sujo e sim porque no gol, ele pulava feito uma pulga. Ele não ligava pra este apelido, mas a gente achava melhor explicar pra todo mundo pra não dar confusão. Tem coisa que adulto não entende.

Enquanto a gente definia como ia jogar — Pulga no gol, Welder na zaga, o Cabeção e o Jr. no ataque e o Dani e eu no meio — chegaram os caras da rua do fliperama. O Juvenal “Gordão” chamava a atenção por parecer a bola que íamos usar pra jogar (só que mais redondo) enquanto o irmão dele, Golias, tinha este nome não como apelido. Era o nome dele mesmo. E igual ao gigante da Bíblia, ele era enorme. Nem parecia que era da quarta série. Ele tinha fama de ser bobão, contudo eu e o pessoal da rua nunca tínhamos arrumado confusão com ele. Então pra mim tava tudo bem.

Junto deles, estava o Fred “Cirilo”, um garoto negro que tinha este apelido por causa daquela novela — era o único apelido com a cor dele que ele gostava. Talvez por namorar uma garota branca. Nunca perguntei — e também o Rafinha, o Thomas “Dentuço” e o Ari “Aranha”. Depois de um “dois ou um”, eu fui escolhido como capitão do time. No time deles, foi o Gordão.

— Dez minutos cada tempo. Eu marco. — disse o Gordão.

— Por mim, tudo bem.

— Cara ou coroa? — disse ele, mostrando a moeda.

— Cara.

Infelizmente, deu coroa.

— Eu fico com o campo do lado da rua.

Eu não tinha entendido por que ele escolheu aquilo. Geralmente a gente sempre escolhia a bola. Azar o dele. Fiquei com a bola e o campo do mato.

— Tá bom.

— Vamos começar.

***

Começamos atacando e infelizmente não deu certo a primeira tentativa, já que eu peguei mal na bola. Como eu já suspeitava, o Aranha tinha ficado no gol — com o tamanho dos braços e pernas dele, ele agarrava até pensamento — que repôs a bola rapidinho pro Gordão que apesar de ser daquele jeito, sabia dar jogo de corpo em todo mundo, avançou e deu um chutão na bola marcando o primeiro gol.

— Goooooooooooolllll!!!

— Ei, peraí! Desde quando vale dar dedão?

— A gente não falou nada disto. — disse o Gordão, dando risada.

— Ah, é? — disse o Welder, já bravo e avançando pra cima dele até o Golias segurá-lo.

— Calma. Não adianta bater nele. — disse ele com aquela voz lenta. Eu ajudei a separar a briga, apesar de também estar um pouco bravo.

Pedi um tempo e me reuni com o pessoal.

— Esse gordo safado ferrou a gente, galera. Mas não vamos cair na dele. Vamos jogar bola. Tá bom?

— Beleza. — disseram todos.

E recomeçamos o jogo.

***

Aos poucos eu entendi a estratégia daquele gordo. Todo mundo do time dele dava chutão na bola pra ela ir bem longe ao meio do mato, onde a gente entra com mais dificuldade. O tempo passava, a gente se cansava buscando e ele mantinha o placar de 1 a 0. E foi assim até o fim do primeiro tempo.

Todo mundo concordou que a gente tinha que descansar uns 2 minutos antes do segundo tempo. Enquanto ele ria, eu bolei um plano com os meus amigos e falei pra todos. Eles gostaram.

Segundo tempo.

***

No segundo tempo, o Cirilo tentou avançar pra marcar o segundo do time deles e felizmente o Welder deu um carrinho nele colocando a bola pra lateral. Até aí, tudo bem. O que eu não esperava era que o garoto do time do Gordão ficasse bravo e o meu amigo o xingasse sobre algo com a cor dele. Os dois começaram a se pegar na porrada até o Golias separar a briga e eu acalmar o zagueiro do meu time. Meu plano exigia que ele estivesse calmo.

Quando o Rafinha cobrou a lateral pro Dentuço, o nosso goleiro pulou feito uma pulga e fez o corte, tomando a bola e saindo em disparada com ela. Goleiro que deixa o posto é prato cheio pra marcação. Ele tocou a bola pro Welder, que em dois toques passou pra mim e eu em um, passei pro Cabeção marcar o gol de empate.

— Isso não vale! — gritou Gordão. — O Pulga tava no gol!

— E desde quando goleiro não pode sair jogando? — retruquei e deixei o Gordão sem resposta.

O resto do jogo a gente usou esta tática biruta de não ter posição fixa. Às vezes o Welder ficava no gol protegendo o lugar com o corpo ou às vezes era eu que fazia isto ou o Dani — que até defendeu uma com a canela. E os toques eram rápidos, não passando de três. Apesar do cansaço do primeiro tempo, o empate nos deu forças.

No finalzinho do jogo, num bate-rebate de bola, dei um chutão nela que bateu no Gordão e depois no Golias, enganando o Aranha e virando o placar.

Enquanto comemorávamos, o Gordão e o Golias eram xingados pelos companheiros:

— Gordo burro! Seu irmão retardado estragou tudo!

— É! Sai fora que vocês jogam mais no nosso time!

— Fora, gordo!

Na hora, senti o ânimo da vitória ir por água abaixo. Não gostei da forma como o Gordão jogou. Mas também não gostei de ver como ele e o irmão foram tratados. Vendo-os assim, eu os puxei pela camisa e gritei para os outros garotos:

— Quem tem que cair fora são vocês! O cara fez o que pôde pra ganhar e é assim que vocês falam dele e do Golias?

— Não quero saber! — gritou Dentuço. — No meu time, ele não joga mais!

— Não tem problema. Ele joga no nosso agora. — rebati.

— Esse gordo e o irmão dele não jogam nada. Você vai ter prejuízo, isto sim! — alegou Rafinha.

E eu disparei:

— O Gordão fez o único gol do time de vocês, enquanto o irmão se preocupava em evitar as brigas. O que vocês fizeram? Hein??

Sem respostas, eles se calaram e foram embora.

***

E assim terminou a partida. Golias mostrou que não era nada bobo e pagou refrigerantes pra todos. Comentamos o jogo e os dribles enquanto bebíamos.

Só que não pude tomar tudo: tinha que guardar apetite pro almoço.

Davi Paiva
Enviado por Davi Paiva em 02/09/2013
Código do texto: T4463372
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