O menino que mendigava amor

Roy nasceu de uma flor. Pelo menos, era o que dizia.

O pobre garoto tailandês morava numa aldeia cujo nome era Saudade. Com suas roupas esfarrapadas e envelhecidas, gostava de ficar na praça, vendo os filhos dos ricos jogando bola, ou perto do riacho, que era onde quase sempre se banhava.

As pessoas passavam por ele e lhe perguntavam “De onde você vem?”

Roy sempre respondia “Eu nasci de uma flor”, porque era o que acreditava. Todos riam de sua cara e diziam “Menino, tome jeito! Isso é impossível!”. Mas ele não se importava.

Roy era um menino sonhador, quando encontrava um papel no chão, logo arrumava uma caneta para desenhar o mundo que via ao seu redor. Seu estilo não eram bem como Michelângelo, estava mais pra Picasso. Ninguém lhe entendia.

Outrora, observava o canto dos pássaros e pensava em ser cantor. Roy tinha uma voz belíssima, de dar inveja em qualquer um, só não tinha instrumento.

Apesar de morar na rua, ele era feliz. Sempre fazia questão de colocar um sorriso no rosto todas as manhãs, antes de percorrer as feiras em busca de uma boa alma que lhe desse alimento de graça.

Roy ajudava as senhoras com as sacolas até chegarem às suas casas. Como recompensa, elas lhe davam alguns trocados.

O menino ficava feliz da vida e saltitava por todos os lados, contaminando a todos com sua alegria.

Era um garoto humilde e bom. Isso era algo admirável.

Certo dia, em época de Halloween, as pessoas estavam eufóricas e fantasiadas por todos os lados. Roy simplesmente se sentou diante de uma fonte que jorrava águas cristalinas e ficou pensativo pela primeira vez.

Momentos depois, levantou-se e resolveu caminhar dentre as casas da aldeia, observando o que as pessoas faziam pela janela.

Em todas as casas, ele viu casais se beijando, famílias unidas, abraços, afeto... Mas o que lhe chamou a atenção mesmo foi um comercial que viu na TV de uma dessas casas.

“Encontre o amor que tanto procura”, dizia uma voz um tanto macia na TV.

Isso fomentou no coração do garoto uma enorme curiosidade.

“O que é o amor?”, pensou.

Como não encontrou a resposta, o coitado saiu pelas ruas, perguntando do carteiro ao músico da praça, sobre o que era o amor.

Alguns lhe diziam “É um sentimento muito nobre”, outros lhe diziam “O amor é a bondade em si, é a paz!”. Mas havia pessoas que diziam “Se você encontrar o amor, terá encontrado tudo o que precisava. Nele estão os mais preciosos tesouros”.

Com base nessas motivações, os olhinhos de Roy brilharam e, imediatamente, ele soube. Precisava encontrar o amor.

Então, lhe ocorreu que sempre pedia alimento na feira, mas talvez o amor estivesse naquelas casas onde as pessoas se beijavam e se abraçavam.

Roy começou sua missão, resolveu bater de porta em porta, em busca de amor.

Na primeira porta que bateu, um senhor carrancudo abriu, com uma cara feia. Ele usava uma bengala.

– O que queres, garoto? Não percebeu que interrompeu o meu cochilo?

– Desculpe, senhor. Eu não queria incomodar! Estou aqui porque quero amor. O senhor pode me dar?

O velho, observando o menino da cabeça aos pés e vendo o quanto era saudável, teve uma ideia que lhe favorecia.

– Mas é claro! Só que o amor nunca é de graça. Para que eu te dê, você tem que me dar algo em troca.

– Eu não tenho dinheiro, senhor. Gastei todos os trocados com bolinhas de gude.

– Não se preocupe, garoto. Eu não quero seu dinheiro. Mas... Percebi que você tem as duas pernas perfeitas. Com elas, corre para todos os lados e ninguém te segura. Eu, porém, sou um velho cheio de problemas. Seria muito egoísmo de sua parte ficar com a saúde só pra si. Bom seria se tu me desses metade da sua saúde. Sei que és generoso...

O menino assentiu e logo em seguida, deu metade da saúde de sua perna ao velho.

O homem, por sua vez, bateu a porta na cara de Roy e não abriu mais.

O garoto saiu de lá mancando, arrastando uma das pernas, mas ainda estava sem o amor.

Resolveu então, passar pra próxima casa.

Uma moça jovem e muito bonita lhe abriu a porta e o encarou com os olhos cheios de dó do menino.

– Em que posso ajudá-lo?

– Vim em busca de amor. A senhorita tem para me dar?

A moça riu escandalosamente. Em seu pescoço havia colares brilhantes e muita maquiagem em seu rosto esbelto.

– Mas é claro, querido! Mas... O amor nunca é de graça. Terá que me dar algo em troca. E eu não quero dinheiro, já tenho o bastante.

– Diga-me. O que quiseres te darei. – o pobre sorria.

– Tenho muitas riquezas e uma juventude inabalável, mas me falta a alegria de viver. Sinto-me vazia. Dá-me um pouco dessa tua alegria, que te faz acordar pelas manhãs sorrindo e cantando com os pássaros.

Roy nem pensou duas vezes. Deu-lhe sua alegria.

Em seguida, a moça sorriu e bateu com a porta em sua cara. O menino saiu de lá triste e mancando.

Quem o recebeu na próxima casa foi um homem que usava um terno, parecia muito sério.

– Que trajes são estes? – questionou quando viu o garoto.

Roy deu de ombros.

– Vim em busca do amor, mas até agora não quiseram me dar. Bateram a porta em minha cara. – uma lágrima escorreu de seus olhos e percorreu todo o caminho até seu queixo.

O homem, que parecia bondoso, limpou-lhe a lágrima com o polegar.

– Sou um homem de negócios. – disse. – Mas meu sonho sempre foi cantar, só que minha voz nunca foi aceita. Se me deres o seu dom de cantar, te darei o amor, que é a mais preciosa riqueza. Mas não chores mais, acredite em mim.

– Tudo bem. – disse Roy, num tom melancólico.

Então, Roy deu-lhe uma das coisas mais preciosas que tinha: seu talento pra música.

O homem, que era de aspecto tão amável, bateu com a porta em sua cara, logo em seguida.

E Roy partiu, mancando, triste e... Sem dom de cantar.

Porém, não desistia fácil do que queria. Havia uma luz brilhando dentro de si, que ele acreditava ser a esperança.

Ao bater na próxima porta, um pizzaiolo abriu. Este tinha um bigode gigante e alguns fios de cabelo grisalho.

– Veio provar uma de minhas especiarias? Sou bom no que faço. – disse.

– Na verdade, eu vim em busca do amor.

O homem suspirou.

– Ah, o amor! Eu posso te dar, garotinho! E você será feliz para sempre!

Mesmo com essa novidade, ele não sorriu. Já não tinha alegria.

– Eu quero! – apenas disse.

O homem coçou o queixo.

– Mas, o amor nunca é de graça. Você tem que me dar algo em troca.

– Pede-me o que quiseres e será seu.

– Embora eu seja um mero pizzaiolo, eu era um jovem sonhador e fazia muitos planos. E tudo me foi tirado, só me restou a amargura. Dá-me os teus sonhos, ficarão melhores comigo. Você é jovem, tem muito o que viver, não precisa deles.

Devido a sua ingenuidade, o menino deu ao homem todos os sonhos, que eram muitos.

Com isso, o homem bateu-lhe a porta na cara também.

Roy saiu entristecido, com um buraco em seu coração, mancava de uma perna e agora não tinha razões pra viver, toda a esperança acabou.

Pensando bem, essa história de achar o amor era apenas uma bobagem. Talvez isso não existisse e fosse apenas fruto de sua imaginação de criança.

Roy não foi mais à casa de ninguém, caminhou por horas, arrastando a perna. Até por fim, retornar à fonte de águas cristalinas.

E parou para pensar em tudo que aconteceu. Havia perdido tudo, e não tinha o amor. Chegou a concluir que o amor não existia.

Assim, debruçou-se sobre o colo e cobriu o rosto com os braços, pondo-se a chorar.

Tentava cantar, mas o que saia de seus lábios espantava até os pássaros, que antes pareciam adorar sua voz. E tentava desenhar o mundo no papel, mas seus desenhos já não faziam mais sentido pra ele.

Roy chorou por uma noite inteira, até adormecer.

Durante o sono, sentiu braços o carregando no colo e um beijo leve na testa. Mas quando abriu os olhos, encontrou-se sozinho no meio do bosque.

Mas ao seu lado, estava um presente, embrulhado com um papel vermelho.

Roy não sabia quem o deixou ali com aquele presente, apenas rasgou o embrulho, com certa curiosidade mesclada ao medo.

“Para Roy, aquilo que procura” , dizia um papel colado no embrulho.

O que Roy viu em seguida, foi estranho e espantoso. Ele nunca imaginou que existia algo igual. E sentiu uma força incrível invadi-lo, a alegria estava de volta em seu rosto e agora resplandecia.

E pôde sentir a paz, a felicidade, o coração cheio de sentimentos bons... Sentiu os sintomas do que seria o amor, segundo as pessoas que ele questionou.

– Eu não encontrei o amor! Ele me encontrou! – saiu a gritar por aí, segurando aquele grande espelho nas mãos.

E as pessoas tentavam silenciá-lo, dizendo “Menino, isso não é o amor! É só um espelho!”

Mas acontece que Roy havia recuperado tudo o que perdeu, ao ver o próprio reflexo no espelho.

No entanto, o garoto não deixava nada lhe abalar. Apenas dizia:

– Tem razão. O espelho não é o amor, e sim o que vejo nele! – fez uma pausa e disse: – Já contei que eu nasci de uma flor?