O LIVRO DE TODOS OS PRESENTES

Você ainda não tinha nascido quando, vindo de uma viagem demorada ao redor do mundo, eu passava pelo céu da África. Era noite avançada e então vi uma estrela solitária. Nesse momento pensei em você, minha criança. E resolvi que, quando nascesse, lhe daria ela de presente.

No outro dia, eu sobrevoava sobre a Índia quando vi um pássaro lindo, colorido, de plumagem cheia, voando leve e livre juntos às nuvens branquinhas. Parecia um risco de arco-íris na frente de flocos de algodão. Sabe, bebê, você ainda não tinha nascido, mas resolvi que também ofertaria aquele mar de cores para você, quando chegasse. Seria outro presente.

Mais tarde cochilei e quando acordei estava sob o céu da Europa. Nossa, desejei muito que você visse quantas montanhas, quantos campos verdes, rios, florestas, parques, bosques, flores de cores diferentes. Fiquei com meus olhos inundados de tanta cor! O vôo permitia que eu visse uma enorme e bela variedade de tons. Era como se um imenso tapete multicolorido estivesse estendido debaixo de mim. Por isso mesmo, desejei dar mais esse presente a você, uma lembrança que só ali poderia ser encontrada.

Nem pensei em peso ou volume, só queria saber mesmo do tanto de presentes que queria dar a você!

E quando na outra noite sobrevoei lá pros lados do Japão, vi uma montanha coberta de neve. Mesmo não tendo ainda nascido, quis dar esse outro presente a você! Reservei numa caixinha em forma de coração, desconfiado que quando passasse pelo céu da América, provavelmente teria desejos de dar mais e mais presentes.

Dito e feito! Que espetáculo que é a cordilheira! Era como um lençol que foi esticado e depois amassado numa farra danada. Você tinha que ver, nenê! Meus olhos ficaram cheios de felicidade só de ver aquele espetáculo! E eu já não cabia mais com tanto presente, tudo caindo de lado, sem eu saber como segurar e como faria para entregar. E mesmo assim quis dar mais essa oferta, mesmo que você ainda não tivesse nascido. Eu? Eu estava feliz. Apenas isso. E tampouco ligava pro tamanho ou preço de tantas lembranças.

Só quando cheguei aqui é que vi o tamanho da encrenca. Era tanto presente, tanta coisa pra você – e você nem tinha nascido ainda! – que não queriam deixar desembarcar com tudo o que trouxe. Um guarda falou que primeiro eu tinha que fazer uma declaração do que trazia, o advogado, jurando que queria ajudar a resolver as coisas com o delegado, e o juiz afirmando que logo se resolveria se eu pagasse os impostos devidos. Mas um doutor, curioso que só, queria saber se a estrela queimava. Um eclesiástico questionou se a flor mudava de cor. Uma senhora perguntou se eu tinha gaiola própria para as cores do pássaro, pois achou belo o espetáculo e não queria que as cores fugissem. Teve alguém que até jurou que tinha me visto trazendo a chuva escondida dentro da mochila.

Era tanta pergunta, tanta dúvida ao mesmo tempo, que eu não sabia o que responder, se sim, se não, ou talvez. E tudo o que eu sabia falar é que você um dia iria nascer.n E daí então iria ver.

Por fim, vieram os soldados e os deputados gritavam comigo, todos falando a mesma coisa, cada um com palavras diferentes. Você não tinha nascido ainda, e não podia entender nada. Nem eu. Eles não compreendiam porque eu daria presentes para alguém que não existia. Fiquei triste porque eles não sabiam o mais simples da vida e eu sem saber explicar uma coisa tão natural.

Então tive a idéia de escrever a história. Seria a única maneira de entregar todos os presentes, um a um, sem faltar nada. E no tempo certo.

E aí você nasceu.