O drama de Kaleb - R. Santana


Naquele dia, com a filha desmaiada nos braços, Kaleb gritava por socorro, apenas, demorou o suficiente para que vizinhos e parentes saíssem de suas casas, às pressas, para lhe acudir. Todos pensaram que a pequena Belak tivesse tido algum mal súbito em decorrência de queda (traquinagem de criança), mas, hospitalizada e sob os cuidados médicos, Kaleb explicou as circunstâncias que encontrou sua filha aos vizinhos e parentes: estendida na cama, nua da cintura para baixo e um filete de sangue lhe escorria pela coxa e balbuciava seu nome e o nome da mãe, delirava e dizia palavras desconexas.

Na delegacia, acrescentou que saiu mais cedo do trabalho, encontrou a casa fechada, chamou pela filha, ela não respondeu, adentrou pela porta do fundo que estava encostada e encontrou a filha em estado deplorável. Não teve outro pensamento do que colocá-la nos braços e sair porta afora e gritar por socorro. Disse que não entendia como alguém fosse capaz de tanta maldade. Morava com a mulher e os filhos num terreno cedido pelo sogro, aliás, nesse quintal residiam os pais de sua mulher, os sobrinhos e os cunhados. Todos viviam em perfeita harmonia. Certamente, alguém havia burlado a atenção dos moradores e feito aquilo com sua filha. Porém, tinha prometido à menina Belak, no leito da CTI, que iria encontrar o malfeitor e vingar o mal que lhe foi feito.

Enquanto sua filha jazia no leito do hospital, sua esposa não tirava o pé dali, os pais temiam que o criminoso disfarçado de visita e relaxado os cuidados de médicos e funcionários, ele desse cabo de Belak, pois a polícia científica concluíra que a menina depois de estuprada, foi vítima de asfixia e, se não fosse a intervenção providencial e involuntária de Kaleb, o criminoso teria consumado seu crime de morte.

Embora Kaleb fosse homem de poucas letras, instrução primária, pedreiro de profissão, intuição aguçada, instinto aflorado, enquanto sua filha permanecia hospitalizada, ele procedeu uma investigação minuciosa. Conjeturou, desde o dia do constrangimento moral, da conjunção carnal forçada, sobre a possibilidade do malfeitor de Belak, ele está entre vizinhos, cunhados, sobrinhos, tios e avô. Não excluiu ninguém, pois o modus operandi do crime foi de gente conhecida e não de gente desconhecida.



Três dias depois:



- Não fui eu, Kaleb!

- O seu RG estava na bagunça da roupa de cama de Belak, que me diz?

- Não sei!

- Procure saber, miserável!

- Não sou pedófilo, Kaleb!

- As marcas mais profundas de agressão de Belak, estão do lado direito do seu corpo!

- Não entendi!?

- Você é canhoto, não?

- Sim!

- Significa que o malfeitor de Belak é canhoto!

- Eu não sou o único canhoto daqui, o seu irmão é canhoto. Eu tenho dois sobrinhos canhotos e outros moram nesta cidade, e daí?

- E seu documento?

- Alguém o plantou lá!

- Você é um escroque da sociedade, merece morrer!

- Você é justiceiro!?

- Não!

- Pois, o Evangelho diz: “Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira; porque está ... ver que Deus não é a favor dos que fazem justiça com as próprias mãos”.

- José Maria, também, estar escrito: "Deus odeia o pecado e o pecador também".



Uma semana depois:



O corpo de José Maria foi encontrado uma semana depois num despenhadeiro 5 Km distantes de sua residência. Kaleb foi preso por 5 dias como principal suspeito e foi solto por falta de provas, mas sujeito às medidas restritivas de não sair à noite nem viajar para outro estado ou cidade sem permissão do juiz. Sua mulher não se convenceu de seu argumento de inocência, pegou as malas e os filhos menores e voltou para casa do pai. Os sogros, os demais cunhados e os sobrinhos emprestados viraram-lhe a cara. Jonas, o irmão mais novo, foi o único que lhe compreendeu e o apoiou.



O Dia D:



Dia marcado para saída de Belak do hospital. Embora seu quadro tenha sido grave, pela asfixia e a preocupação dos médicos com os riscos de doenças sexualmente transmissíveis (DST), ela ficou sem sequelas mentais e os danos físicos foram afastados com uso de remédios antivírus, a sequela da alma seria curada com o tempo e acompanhamento psicológico.

O susto foi contido quando Kaleb adentrou no apartamento de Belak. Lá estavam investigadores, delegado, assistente social e psicóloga. A menina chorosa aconchegou-se em seus braços, com jeito, ele a acariciou e fê-la voltar ao quase normal. O delegado explicou-lhe que tudo não passava de rotina investigativa, que a doutora psicóloga iria ouvir a menina, pois os médicos tinham dado alta a Belak, a investigação era praxe.

Depois de algumas conversas a sós com a doutora psicóloga, o delegado lhe perguntou:

- E aí, mocinha, pode dizer ao tio quem foi o homem mau? – a menina olhou para os pais, em especial, Kaleb, como que lhe pedisse desculpa, respondeu:

- Tio Jonas! – Kaleb não aguentou:

- Meu irmão!? – a menina quase balbuciou:

- S... si... sim... p... pai! – o pai de joelhos:

- Deus ó Deus, Vós permitistes que o Diabo usasse meu irmão para mutilar minha alma, meu ser? Como irei viver de agora em diante com a consciência em chamas pela morte dum inocente? Judas foi menos ardiloso que meu irmão! Judas enforcou-se de remorso depois que entregou Jesus Cristo aos seus inimigos para ser crucificado. Meu irmão não teve remorso! Meu irmão assassinou José Maria para vingar-me de um crime que meu cunhado não fez. Que mente diabólica! Que o fogo do inferno queime sua alma!!! – Kaleb quedou-se fatigado.

Ambos foram presos. Jonas porque apertou o gatilho e escondeu o corpo e Kaleb por ter consentido. Jonas morreu, logo depois, por ter violado o código de honra não escrito do bandido que não aceita o estupro nem crime de morte de crianças.


Autor: Rilvan Batista de Santana
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