Macarronada

O domingo estava prometendo muito. É final de verão e início de outono. A brisa leve sopra constantemente, fazendo com que os galhos das árvores balancem e algumas folhas secas caem pela calçada.

No altar da igreja, o padre celebra a benção final da missa das dez horas da manhã. A missa é dedicada às crianças, porém alguns adultos vão e levam os filhos menores. João olha impaciente no relógio, um relógio de pulso ganho de presente da mãe na ocasião do aniversário. Os ponteiros marcam onze horas e trinta e cinco minutos. As palavras do sacerdote parecem não sair, pois, além da benção dominical, ele gosta de dar conselhos aos presentes, tais como não brigar, saber respeitar o próximo, estudar e tirar boas notas na escola, enfim, uma verdadeira lista de boa conduta.

A impaciência de João chega ao extremo limite que ele tem vontade de sair da igreja o mais rápido possível. Sente vergonha de sair primeiro e os conhecidos pegarem em seu pé, ou seja, que os colegas façam chacota dele. Seria muito ruim. A barriga está roncando de fome, pois o café da manhã foi rápido, porque ele acordou tarde e já estava no momento de ir à missa. Olhava para um lado, olhava para o outro lado. À frente, estava o primo José, um sujeito um pouco mais velho que ele, de mais ou menos dois anos mais velho. Era alto, rosto redondo, cabelos lisos que se caiam para os lados. Tinha uma pequena pinta na parte inferior do queixo. Olhos verdes e sobrancelhas grandes. Vestia-se uma camisa na cor branca, de mangas compridas e um pequeno desenho no lugar do bolso. Uma calça na cor preta, de modelo social, muito bem passada. Calçava-se um tênis na cor cinza.

João olhava para os lados, pois a impaciência era grande. Vendo o primo à frente, ele pensava como seria para ser o primeiro a sair dali. Os dois iam diretos para a casa da avó. Era domingo e aniversário dela. Ia ter um grande almoço. A reunião familiar para comemorar a linda data. A avó completou sessenta e cinco anos. Tinha muita festa, muita comeria e até dança para os convidados. A figura sinistra do primo fazia com que João imaginasse que o primo chegaria primeiro e comeria mais do que ele: a famosa macarronada da avó.

Não era de se gabar, mas a macarronada da avó era deliciosa e quando mais cedo chegar em casa, mais poderia comer e se deliciar com o doce de mamão feito por ela, acompanhado de queijo vindo da fazenda do irmão dela.

Enquanto o padre ainda falava os avisos paroquiais, João cada vez mais se lembrava da macarronada. Imagina a avó iniciando o preparo dela. Primeiro, pegava o macarrão de formato talharim. Lavava-o várias vezes e colocava uma pintinha de vinagre na água. Ela assim fazia para purificar e matar alguma bactéria existente nele. Enquanto o macarrão descansava na água, a avó preparava o molho. Picava os ingredientes um a um, com muito carinho. Sempre punha uma toquinha nos cabelos como motivo de prevenção. Caso encontrasse um fio de cabelo na comida, o estômago recusava e jogava fora o alimento. Escolhia os tomates um a um. Olhava de todas as maneiras. Caso encontrasse algum estragado ou de péssima aparência, ela o recusava. A cebola de cabeça era escolhida a dedo, pois ela dizia que o sabor da macarronada era feito pela cebola. Assim, cebolas bem colhidas, de boa apresentação, davam o toque final no prato. O pimentão, as azeitonas verdes, o alho, o gengibre, a pimentinha, o sal, o azeite, o manjericão, o alecrim, o orégano, enfim, todos os ingredientes necessários e mais outros, que são segredos exclusivos dela.

Parado no tempo, João sonhava em ver a avó fazendo a macarronada. Para acompanhar, quando a panela estivesse pronta, a vovozinha espalhava queijo ralado por cima. O queijo era preparado com antecedência de dois meses. O irmão dela fazia na fazenda. A cura do queijo era supervisionada pela avó toda a semana. Para acompanhar a deliciosa macarronada, um arroz era preparado. Muito bem selecionado, o arroz ficava bem soltinho. O segredo ela não dizia para ninguém.

Tendo o arroz e a macarronada prontos, ela escolhia o feijão preto e fazia um delicioso “tutu”, que somente ela sabia fazer. Nele, além da farinha de milho, tinha cebolinha de folha, cebola de cabeça, temperos regionais e pedaços de linguiça caseira, também feita por ela na roça.

O cheiro e o aroma da comida já chegavam ao nariz de João. Neste momento, ele mesmo sequer se lembrava do que o padre estava dizendo. Nem mesmo olha para o primo. Ele fechava os olhos e via o banquete à frente. Para acompanhar tudo isto, não faltava os lombos de porco em pedaços. Eles eram cozidos há mais de um mês. Fritos e curtidos nas latas de banha do porco. Ela mesma fazia isto, pois só comia carne suína e assim que a carne estivesse acabando, ela já providenciava outro. Assim por adiante.

Como de costume, o lombo suíno era esquentado e fatiado.

Para as crianças, ela preparava o suco. Bem geladinho, aquele suco parecido com o antigo “Q suco”. Ela fazia bastante e não gostava de refrigerante.

Os adultos bebiam vinho. Conversavam muito e comiam bastante. Os primeiros a servir eram as crianças. Ela assim dizia, porque as crianças comendo dão sossego para os adultos.

O cheiro do almoço já penetrava dentro do corpo de João. Ele já imaginava pegando o prato mais fundo. Colocaria primeiro o arroz, a macarronada, o tutu, um bom pedaço do lombo. Uma saladinha de alface com tomate acompanhava, porque aprendeu na escola que as verduras são um ótimo alimento, pois elas têm vitaminas, sais minerais e fazem bem à digestão. Lembrou-se, também, de que as grandes azeitonas pretas faziam o enfeite da macarronada. Assim, que comesse bastante, iria comer o doce com o queijo.

O tempo foi passando e quando João se deu por si, estava ele ali, sentado no banco da igreja, somente ele. As pessoas já tinham ido embora. Somente ele e o sacristão estavam ali e o sacristão lhe perguntando se ele estava bem de saúde.

João somente disse que estava bem e saiu correndo da igreja. Ouviu as vozes roucas do sacristão de que ele não poderia correr ali dentro. Em poucos minutos, João chegou à casa da avó. Viu o primo já comendo e rindo dele.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 29/03/2020
Código do texto: T6900768
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.