O Paraíso Perdido

Finalmente casaram, foram quase três anos de namoro, dizia a mãe para o pai que escutava mas não parecia, estava distante, absorto. Essa fora uma das maneiras de fugir dos diálogos, de quebrar as correntes que há anos o prendiam e nisto sentia também uma satisfação de vingança, sabia que o silencio na hora certa fere mais que a mais terrível palavra.

Seu João já estava velho e com o tempo foi modificando seu jeito de olhar, passou a perceber as coisas de outro modo, aprendeu a ter paz consigo e a revidar com a vida, aprendera a ser amargo às pungições da mulher.

Seu João olhava para trás e via sua vida e não achava nada de especial que tivesse feito, sempre calou na hora em que devia gritar, concordou na hora em que devia se avesso, acordou bem humorado no dia em que devia está furioso...

E agora, no fim da vida, o que tinha feito? Nada! Nada era sua vida.

Com tempo aprendera que o homem nunca deve parar de sonhar, mas já era tarde, seu João não tinha mais nenhum sonho, sua vida era um barco a derivar num oceano desconhecido...

Apesar disso tudo, nunca criou coragem para ir embora, deixar e largar tudo para trás...

Agora pelo menos tinha uma boa desculpa, a filha que amava demais para deixá-la com aquela bruaca que era dona Joana, sua mulher, mãe de sua filha, acabara de casar...

Seu João voltou a si quando sentiu no rosto um rude tapinha que dona Joana lhe deu e em seguida ouviu sua voz, como sempre seca, João! João! Há horas que estou falando aqui e você aí com essa cara de paspalhão alegre!! Nossa filha finalmente se casou e você não diz nada!! Eu não agüento mais!! Fala uma palavra homem!! Grite, faça qualquer coisa, mas não fique aí calado!! Seu João levantou-se, estavam na sala, foi à mesa e pegou o chapéu, pois na cabeça e saiu pela porta da rua sem falar uma palavra...

Odiava sua mulher, um ódio imensurável, a odiava por tudo que ele era, nada. Não que a culpasse de tudo, que ele como sabia, tem lá sua parcela de culpa, mas ele tinha um justificativa...

Fizera o que fizera, agira como agira, calara como calara, toda sua vida até um certo ponto foi em função de Joana, a amara de mais, tinha medo de magoá-la, por isso sua submissão. Porém, todo seu amor o que era agora? Ódio, um ódio tão forte que era o que o mantinha vivo e se ficava em silencio quando Joana lhe dirigia a palavra, não era por medo, na verdade quando Joana falava tinha um assomo de fúria, de raiva acumulada por toda a vida, que se via estrangular aquela mulher de pernas finas, de lábios retos, de pele grossa, de voz enfarenta que falava consigo e só não fazia isso por saber que seu silêncio a magoava mais que qualquer outra reação sua como um grito ou bofetão.

Seu João saía de casa e ia direto ao bordel Paraíso, lá ele se transformava... a medida que se aproximava de lá, sua feição ia mudando e num certo momento percebia que tinha os dentes cerrados fortemente, quase a se quebrarem, apertados com muita força, a força do ódio que cresceu em seu subconsciente e que agora era tão seu quanto o ar que respirava.

No Paraíso a raiva de Seu João ia se dissolvendo, até que ele sorrisse, até permitir que ele falasse, até que esquecesse completamente sua realidade e era quando ele gargalhava.... Lá João tinha sua Matilde que sempre o recebia como se o já esperasse.... Ir ao Paraíso era como vim à tona e João tirava sua armadura, agora era um homem, um homem sem rancores que sabia, agora sim, vivia.

Quando Seu João voltava, Joana estava lhe esperando na sala, vestida de camisola sabia de onde ele vinha, mas o perguntava sempre na tentativa desesperada de recuperar...

De fugir da solidão abissal que inundava sua velhice... João onde você estava?! Por que não veio jantar?! ... ... ... Seu João entrava, ia para seu quarto, o coração negro de raiva... deitava nu em sua cama e durante a madrugada sonhava com Matilde.

Sebastião Alves da Silva
Enviado por Sebastião Alves da Silva em 21/04/2006
Reeditado em 21/04/2006
Código do texto: T142737
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