Dom Uriarte

Havia esquecido as horas. O lugar exato estava em algum lugar da memória. Ela já anunciara sua despedida quando o calendário marcou noventa anos. Muito tempo por aqui dizia. A voz rouca, quase sem poder ser ouvida, ainda articulava poucas palavras. O cheiro da terra molhada nos dias de chuva e o olhar no horizonte ao anoitecer, quando as raras lâmpadas da casa eram acesas, encobriam a tristeza, o medo e as sombras dos arcos sobreviventes do sol. Raios oblíquos irrigavam as retinas azuladas.

O peso dos ossos mostrava sua cota de vida. Muito tempo por aqui repetia, muito tempo.

Uriarte sorria o riso entristecido de quem não vivera todo o fogo do instinto. Mastigava o fumo entre os trilhos da boca e voltava ao silêncio. Seus passos se afastavam da janela, quando em um único tempo, vindas da galáxia, as estrelas surgiram acima de seus olhos.

A madeira queimava no fogão e ele, com seus pulsos fracos, tocou a cama. A solidão era um sonho marcado em alguma página do livro que ficara no chão. As horas pararam pouco antes de o sol nascer

fernandorozano
Enviado por fernandorozano em 22/05/2006
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