NARRAÇÕES DE UMA INFÂNCIA FELIZ (II)

A corrida de baratinhas

Estávamos no inicio dos anos 60. A cidade aguardava a grande e esperada corrida de baratinhas.

Quando a notícia de que minha cidade estaria sediando uma importante corrida de baratinhas se espalhou, não se falava em outra coisa em todos os redutos. Posters, que se espalhavam por toda a parte, ilustravam o grande evento, estampando uma baratinha vermelha derrapando numa curva com seu piloto todo equipado, fazendo cara de mau, tentando transmitir o que seria a emoção da corrida.

Um ou dois dias antes chegaram as máquinas em cima de caminhões e foram desembarcadas na praça central da cidade.

Crianças de toda parte se aglomeravam em torno dos potentes veículos que mais pareciam charutos com rodas.

O trajeto da corrida ficou compreendido num circuito que contornava a área central de minha majestosa e aconchegante Poços de Caldas, no sul das Minas Gerais.

No dia da corrida, num ensolarado domingo de manhã, as ruas ficaram congestionadas de pessoas que se acotovelavam para encontrar um melhor posto de visão nas calçadas. Outros, privilegiados assistiam das sacadas de suas residências.

As máquinas ficavam separadas dos espectadores apenas por cordas, sob o controle dos poucos e conhecidos policiais.

Eu, assim como as outras crianças, já íamos nos acomodando nas nossas poltronas prediletas: a cacunda de um adulto.

Depois de muita expectativa, soou no ar um tiro (disparado com bala e tudo) quando deu-se a largada e as máquinas saíram em disparada.

A emoção era contagiante.

Dava para observar os pilotos com seus capacetes de couro e grandes óculos fumês, retorcendo o pescoço nas curvas, tentando segurar o volante da máquinas que pareciam potros selvagens, operando trocas de marchas a fortes alavancadas.

Nas curvas as baratas "rabiavam", provocando arrepios no público, e nós achávamos lindo aquelas derrapagens que deixavam marcas pretas na pista e um forte cheiro de borracha queimada.

Nessa época Deus realmente era brasileiro e nesse dia, certamente deixou o Universo de lado para tomar conta daquelas crianças que não faziam idéia do perigo a que se expunham.

Mas deu tudo certo, foi mais um dos domingos felizes daqueles tempos mágicos dos anos 60, com exceção da morte de um cachorro que resolveu atravessar a pista em dado momento da corrida.

O acontecimento foi motivo de muita empolgação e assunto por muitos dias. Foi, contudo, o único dessa natureza de que me lembro. Se não me engano, a execução dessas corridas em ruas centrais de cidade foi proibida logo em seguida, graças a Deus.

Tião Luz
Enviado por Tião Luz em 05/01/2007
Reeditado em 12/11/2012
Código do texto: T337459
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